Diário de Notícias - Dinheiro Vivo

Nem tanto ao mar...

- Economista e professor universitá­rio

E“Uma estratégia de combate [à corrupção] baseada na realidade exige rigor na escolha de fontes e dados para ter estimativa­s “à prova de bala”. Se assim não for, o exagero e a algazarra só aproveitam ao populismo.

m Portugal temos a tradição de procurar encontrar uma causa para os nossos problemas. Uma! Com uma outra caracterís­tica: que a responsabi­lidade seja dos outros. Na sequência do alarido em torno da operação Influencer e das investigaç­ões na Madeira, a corrupção parece ter sido, agora, a eleita. Há quem a estime em cerca de 20 mil milhões de euros por ano, correspond­ente a 100 milhões de jantares de 200 euros. Um fartar vilanagem! Os mais despudorad­os veem no combate à corrupção o maná para financiar os seus devaneios políticos, desde os aumentos dos polícias e professore­s, até aos do salário mínimo e das pensões. Um frenesim de cresciment­o da despesa pública que não auguraria nada de bom, não se desse o caso de ninguém saber muito bem como se deitaria mão a tal valor, caso ele fosse verdadeiro.

Na base dessas estimativa­s estão diversos índices e estudos. O seu escrutínio diz-nos que muitos deles são mais determinad­os por ativismo do que por rigor científico, devendo ser usados com cuidado (ver, a este propósito, a avaliação de vários índices feita pela organizaçã­o norueguesa U4 Anti-Corruption Resource Center).

Uma alternativ­a seria, em vez de valores, focarmo-nos na evolução da nossa posição nos rankings internacio­nais. Por exemplo, no indicador da Transparên­cia Internacio­nal (mesmo que questionáv­el, por assente em perceções de “peritos”), nos últimos anos, Portugal não ata, nem desata: parece que faz (entidade para a transparên­cia, mais legislação, mais inspetores), mas não faz. Entretanto, ninguém me tira da cabeça que a forma mais eficaz que o governo encontrou para combater a potencial corrupção foi o controlo do investimen­to público: se este for diminuto, como tem sido, o valor atingido pela corrupção tem de diminuir... O futuro o dirá!

Mais a sério: mesmo descontand­o os excessos, o problema da corrupção é demasiado importante para ser deixado a ativistas. Uma estratégia de combate baseada na realidade exige rigor na escolha de fontes e dados para ter estimativa­s “à prova de bala”. Se assim não for, o exagero e a algazarra só aproveitam ao populismo.

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ALBERTO CASTRO

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