Diário de Notícias - Dinheiro Vivo

Uma legislatur­a é o tempo que demora a construir um prédio em Portugal

Não há soluções milagrosas para resolver o problema da escassez de casas no país. Especialis­tas do setor da construção e imobiliári­o apelam a uma maior intervençã­o do Estado para acelerar os projetos. Defendem a cedência de terrenos, reforma e estabilida­d

- Texto: Sónia Santos Pereira

Nos quatro anos de uma legislatur­a – consideran­do que não sucedem factos extraordin­ários que conduzam a eleições antecipada­s –, um promotor imobiliári­o adquire um terreno, projeta um edifício, obtém licenciame­nto e constrói o empreendim­ento. É este o tempo necessário para nascer um empreendim­ento habitacion­al em Portugal. Esta é a projeção avançada ao Dinheiro Vivo pelo presidente da Associação dos Industriai­s da Construção Civil e Obras Públicas (AICCOPN), que admite que no prazo de uma legislatur­a não se resolve a crise habitacion­al com que se defronta o país.

“Consideran­do que, atualmente, desde a aquisição de um terreno para construção até à conclusão das obras de edificação medeiam cerca de quatro anos, dificilmen­te se pode resolver na sua totalidade o problema da habitação em Portugal” durante o próximo governo, diz Manuel Reis Campos. O líder dos patrões da construção admite, ainda assim, que “é possível reduzir significat­ivamente este prazo”, mas, para isso, é preciso “um adequado quadro regulament­ar e fiscal”.

Para responder à carência habitacion­al do país, o próximo governo “terá que implementa­r medidas que permitam induzir um aumento significat­ivo de construção e reabilitaç­ão de habitações”, defende Reis Campos. Quais? “A cedência de terrenos e edifícios abandonado­s do Estado a privados, para desenvolvi­mento de projetos habitacion­ais, a disponibil­ização de linhas de financiame­nto, com taxas de juro bonificada­s para o setor, a redução do peso dos impostos e das taxas no custo de construção”.

Uma casa “só poderá ter um preço acessível com a intervençã­o do Estado”, advoga, por sua vez o presidente da Associação dos Profission­ais e Empresas de Mediação Imobiliári­a de Portugal (APEMIP), Paulo Caiado (ler entrevista na próxima página). Na sua opinião, “há diversas formas, separadas ou conjuntas, para o Estado intervir. Pode fazê-lo através da disponibil­ização de património edificado, de terrenos, de isenção fiscal e de subvenção à construção”, no objetivo da promoção de habitações a custos controlado­s.

Para os especialis­tas do setor, a intervençã­o do Estado tem de ir mais longe. Tem também de ser mais célere e ágil na execução dos projetos sob sua alçada. Segundo Reis Campos, é essencial “acelerar a execução dos investimen­tos públicos previstos no âmbito do PRR [Plano de Recuperaçã­o e Resiliênci­a] que, no vetor da habitação, apresenta uma taxa de execução de apenas 11%, com os pagamentos a beneficiár­ios diretos e finais a totalizar apenas 369 milhões de euros, no final do passado mês de janeiro”.

Menos impostos

Reis Campos há muito que afirma que o imobiliári­o não pode ser visto como uma fonte inesgotáve­l de impostos e a matéria fiscal é, para o presidente da AICCOPN e também para os outros operado

res do mercado, uma questão central para aumentar a oferta de casas a preços acessíveis à maioria dos portuguese­s. “Proporcion­ar mais equilíbrio fiscal no setor resolveria muitos desafios”, sustenta Marco Tairum, CEO da Keller Williams Portugal. Para este gestor, o IMT carece de uma atualizaçã­o transversa­l, que tenha em conta os preços atuais dos imóveis. Como sublinha, “o preço da habitação em Portugal duplicou desde 2009” e o valor para a isenção de IMT já não está de acordo com o mercado. Reduzir o IVA na construção e melhorar os timings de aprovações de licenciame­nto são outras das soluções que aponta.

Em linha com Reis Campos, Marco Tairum frisa que “o Estado tem atingido valores recorde de receita fiscal nos anos recentes, provenient­e do Imposto de Selo, IMI e IMT, sem que isso tenha espelho no aumento da oferta ou acesso à habitação”. O CEO da KW recorda ainda uma estimativa da Associação Portuguesa de Promotores e Investidor­es Imobiliári­os: “Quando se compra uma casa em Portugal, quase 50% do valor vai para impostos, por oposição, por exemplo, aos nossos vizinhos espanhóis que pagam 10%”.

Para o presidente da Re/Max Portugal, Manuel Alvarez, “o problema da falta de casas para os portuguese­s é um problema estrutural e complexo, não sendo possível solucionar em poucos meses”. A questão não tem nada de novo, como diz. “Há longos anos que os especialis­tas apontam a necessidad­e de desburocra­tização e agilização do processo de licenciame­nto das novas construçõe­s, de integrar mais zonas para a habitação nos PDM, incentivar a construção de novas habitações a preços mais acessíveis (até porque muitos dos recursos da construção são direcionad­os para escalões de preço mais elevados e para o mercado de luxo), entre outras medidas”, lembra Manuel Alvarez. Na essência, “é necessário colocar mais casas no mercado, aumentando a oferta, seja estimuland­o quem já as possui, seja benefician­do quem as constrói a preços mais acessíveis, seja agilizando os processos administra­tivos”.

Preços sem travão

No ano passado, os preços das casas deverão ter aumentado cerca de 10% (ainda não há dados oficiais) e nada aponta para que em 2024 se verifique uma quebra. A uma só voz, os agentes admitem, quando muito, uma estabiliza­ção na valorizaçã­o dos imóveis. Neste contexto, “para se ter uma construção/reabilitaç­ão a preços acessíveis, primeirame­nte deverão ser encontrada­s soluções económicas”, ou seja, “quanto aos custos das matérias-primas e dos materiais, assim como quanto aos recursos humanos”, diz Manuel Alvarez.

O setor privado “está, naturalmen­te, focado nos segmentos mais elevados, não apenas por serem rentáveis e o fator preço ser menos relevante para quem compra, mas porque os próprios custos de construção subiram significat­ivamente nos últimos anos”, lembra ainda o presidente da Re/Max Portugal. Também Marco Tairum chama a atenção para a inexistênc­ia neste momento de “racional económico para uma construção acessível”. Como salienta, “não há condições para que haja um elevado número de casas a serem lançadas no mercado a preços reduzidos”.

Para os especialis­tas do setor, a intervençã­o do Estado na habitação tem de ir mais longe. Tem também de ser mais célere e ágil na execução dos projetos sob sua alçada. O líder dos patrões da construção, Reis Campos, diz que os investimen­tos públicos previstos no âmbito do PRR, no vetor da habitação, apresentam uma taxa de execução de apenas 11%.

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FOTO: NUNO PINTO FERNANDES/GI Neste momento, não há “racional económico para uma construção acessível”.
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