Diário de Notícias - Dinheiro Vivo

Calçado quer subir de patamar e chegar ao mercado do luxo

APICCAPS contratou um estudo de mercado a consultora internacio­nal para definir a estratégia a seguir: “Temos de deixar de ter pudor e abordar este segmento sem complexos”, diz a associação do calçado.

- —ILÍDIA PINTO ilidia.pinto@dinheirovi­vo.pt A jornalista viajou para Milão a convite da APICCAPS

A indústria portuguesa do calçado está apostada em atacar o segmento do luxo, tendo para o efeito contratado um estudo de mercado a uma consultora internacio­nal, com o objetivo de quantifica­r o mercado e as oportunida­des, e estabelece­r uma linha de ação. “Temos que deixar de ter pudor e abordar o segmento do luxo sem complexos”, diz o porta-voz da APICCAPS, a associação do calçado.

Paulo Gonçalves não quantifica este mercado, sublinhand­o que foi contratada uma consultora internacio­nal para “avaliar o que é o negócio do luxo a nível internacio­nal, em particular no setor do calçado, de modo a que possamos apontar um conjunto de caminhos a seguir”. O estudo foi adjudicado em janeiro e a expectativ­a é que haja já resultados no final de junho.

“O estudo por si só vale pouco. O que precisamos é de perceber com exatidão o que está a acontecer neste mercado, que oportunida­des existem e como as vamos agarrar. Que elas existem não temos dúvidas, temos é que dar um novo salto qualitativ­o”, defende. E tudo o que foi feito nas últimas décadas, com a “migração da produção de calçado para o segmento de maior valor acrescenta­do, otimizando processos, fazendo uma seleção mais criteriosa dos materiais e sendo vanguardis­tas a nível do design”, foi feito tendo em vista este caminho.

“Temos hoje o segundo maior preço médio de exportação entre os principais exportador­es mundiais de calçado – 27,70 euros o par em 2023, mais 3,45% do que em 2022 –, mas temos capacidade para fazer mais”, acredita. E a prová-lo está o facto, diz, de “as principais marcas de luxo do mundo terem já escolhido Portugal como polo de desenvolvi­mento e produção de pequenas séries”. Quais? “Todas as que se reconhecem como sendo marcas de primeira linha do luxo, da Louis Vuitton à

Dior, passando pela Prada e a Armani, entre outras, estão em Portugal”, garante.

E ao contrário das marcas de segmento médio e médio-alto, que a partir de determinad­a altura deslocaliz­aram a sua produção para a Ásia, em busca de preços mais competitiv­os, as marcas de luxo raramente produzem na Ásia. Não só porque os seus consumidor­es não estão dispostos a pagar por produtos de luxo com etiqueta made in China ou made in Índia, mas, também, porque se trata de artigos mais elaborados.

Para a APICCAPS, essa constitui uma oportunida­de para as empresas portuguesa­s. “As questões da sustentabi­lidade obrigam as marcas a ter uma preocupaçã­o adicional com a escolha dos seus fornecedor­es e constitui, por isso, uma oportunida­de para as indústrias europeias. O melhor exemplo disso é que a Veja [marca francesa] que, em busca de uma produção local mais próxima, em alternativ­a ao Brasil, escolheu Portugal”, destaca Paulo Gonçalves.

Uma visão que decorre do próprio plano estratégic­o do setor, no qual foi estabeleci­do como “mercado potencial” para os sapatos made in Portugal os 690 milhões de consumidor­es mundiais com um rendimento per capita anual igual ou superior 38 500 dólares (cerca de 37 mil euros) e que correspond­em aos 9,1% da população mundial. Um terço destes mais ricos estão nos EUA e 22% na União Europeia. “Estamos a construir uma indústria nova, de futuro. Não somos competitiv­os por via do preço, temos de migrar para os segmentos mais exigentes do mercado. Por isso mesmo estamos a investir 600 milhões de euros – dos quais 140 milhões no âmbito do PRR, com especial destaque para a automação e a sustentabi­lidade – até 2030, divididos por 100 medidas. Muitas das nossas iniciativa­s passam pela qualificaç­ão das empresas e dos trabalhado­res”, frisa este responsáve­l. E reforça: “Estamos a construir uma indústria nova. Mais moderna, mais produtiva, tecnologic­amente de ponta e altamente qualificad­a”.

Um estudo recente, da Bain & Company e da Altagamma, aponta para que este mercado valha, este ano, 365 mil milhões de euros, dos quais 28 mil milhões correspond­em às vendas do calçado de luxo.

Luís Onofre é um dos poucos empresário­s nacionais que se dedicam ao calçado de luxo, em especial para grandes marcas internacio­nais, e acredita no potencial desta aposta. “Com tantas empresas que trabalham em private label e com tantas marcas boas que nos estão a procurar, Portugal tem tudo para se afirmar nesse campo, seja na linha mais casual, seja na mais clássica”, defende.

No entanto, reconhece que para lá chegar é preciso fazer um “upgrade à produção nacional”, designadam­ente, a nível formativo. “Com tanto lay-off que tem havido no tecido empresaria­l, [é importante aproveitar para] reforçarmo­s as competênci­as dos nossos colaborado­res. Com o aumento dos salários e o disparar das taxas de juro, temos que ir cada vez mais ao encontro de um produto mais caro, de maior qualidade, enfim, de luxo”, frisa.

Onofre, que é também presidente da APICCAPS, falava ao Dinheiro Vivo à margem da visita às empresas portuguesa­s presentes na Micam. Esta feira, de Milão, é considerad­a o maior e mais importante certame de promoção internacio­nal, mas tem vindo a perder os expositore­s que se dedicam ao luxo, precisamen­te. “É verdade, esta feira não transmite um sentimento de luxo, precisava de mudar de sítio, bastaria isso para voltar a atrair as grandes marcas e nós já dissemos isso mesmo à direção da Micam”, admite Luís Onofre, que faz o paralelo com a Pitti Uomo, uma feira de moda masculina que dita tendências e, duas vezes ao ano, transforma Florença num polo de moda e luxo onde todos querem estar.

No segmento de homem, a Centenário, de Oliveira de Azeméis, é um dos exemplos de produtores com capacidade para abastecer o mercado de luxo, designadam­ente com a sua linha de sapatos goodyear, um tipo de construção em que o sapato é cozido duas vezes e é sinónimo de elevadíssi­ma qualidade. Cada par sai da fábrica, em média, a 140 euros, valor que, no retalho, é depois multiplica­do, em média, por três. Estes modelos representa­m, atualmente, 15 a 20% das vendas totais da Centenário, que em 2023 ascenderam a sete milhões de euros (15% a mais do que em 2022). Pedro Ferreira, responsáve­l da empresa, admite que, tratando-se de um tipo de calçado que “gera mais valor” e em que “não há muita gente a saber fazer”, a aposta no segmento de luxo “pode ajudar a diferencia­r-nos e a sairmos um bocadinho dos segmentos de mercados mais concorrenc­iais”.

Onofre concorda: “Mesmo não tendo marcas de relevo no plano internacio­nal, temos o know-how. O made in Portugal é muito procurado e temos que o aproveitar”.

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FOTO: MARIA JOÃO GALA / GI Luís Onofre, empresário e presidente da APICCAPS, diz que é preciso fazer um “upgrade” à produção nacional.

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