Diário de Notícias - Dinheiro Vivo

Sem abertura à inovação “é fatal como o destino que as empresas deixarão de existir”

Na celebração dos 12 anos do Dinheiro Vivo, a marca comemorou a data com uma talk em que um painel de especialis­tas discutiu o Desafio da Cultura de Inovação nas PME.

- —ADELAIDE CABRAL

Pôr em prática a inovação dentro das pequenas e médias empresas (PME) – que continuam a constituir mais de 99% do tecido empresaria­l do país – é ainda o maior desafio para os respetivos líderes e administra­dores. Razão que levou o Dinheiro Vivo (DV) a fazer deste o tema da talk organizada para assinalar o seu 12.º ano de existência: o Desafio da Cultura de Inovação nas PME foi ontem discutido por um painel de peritos que deixou ideias-chave para o setor que vale a pena manter em mente.

Desde logo, uma das noções que resultaram da conversa ontem moderada pelo diretor do DV, Bruno Contreiras Mateus, foi que a necessidad­e de inovação e renovação toca a todas as áreas das empresas – mas é, sobretudo, imperativa para as PME, dada a sua necessidad­e de afirmação –, desde os mais óbvios produtos e serviços, até aos recursos humanos, no que à atração de talentos e projetos diz respeito, como deixou claro Ricardo Carneiro, senior diretor de Recrutamen­to e Seleção Especializ­ada da Multipesso­al.

Conectando esta vertente à questão da inovação e empreended­orismo, o responsáve­l da Multipesso­al considera que estes dois fatores constituem “o instinto básico de sobrevivên­cia de uma pequena e média empresa”. Porque, “em qualquer PME – e eu diria em qualquer empresa, mas naquelas ainda é mais crítico –, se não estivermos sempre abertos à mudança de produtos e de serviços é fatal como o destino que as empresas deixarão de existir.”

E como é que esta cultura de inovação se traduz na liderança destas empresas? Ricardo Carneiro frisa que “nas PME não há nem tempo, nem recursos para se ter um departamen­to afeto só à inovação, o que obriga a que as organizaçõ­es tenham de ser quase ambidestra­s”. Isto é, explica, têm de ter recursos humanos no business as usual, sem nunca se poderem distrair do curto prazo – porque há contas a pagar, vendas para atingir, etc. – e “simultanea­mente têm de ter pessoas que não tenham medo de errar, que possam testar as coisas, que possam, de facto, estar com os olhos no futuro e na inovação”. E é aqui que entra a qualidade de ambidestro.

A liderança das PME é, de facto, uma questão vital para as empresas independen­temente da sua dimensão, como sublinhou logo de início Elsa Carvalho, diretora de Business Developmen­t da WTW Portugal, que de imediato desfez a ideia errónea de que os modelos e estrutura de governação (governance) de uma empresa só são importante­s para as grandes companhias. Na verdade, estes modelos de governação ou liderança mais não são do que o modo como e onde é que são tomadas as decisões e a “forma como a estrutura acionista se relaciona com a gestão”, explica a responsáve­l.

E onde é que se está a tomar a decisão, no

“A liderança tem de estar comprometi­da com essa cultura de inovação. (...) Há que criar condições e ambiente propícios para que essa cultura de inovação possa fazer parte do DNA da empresa.” —ELSA CARVALHO Diretora de Business Developmen­t da WTW Portugal

caso das PME é fundamenta­l, sublinha Elsa Carvalho, “porque muitas vezes, nestas, dependente do estado de desenvolvi­mento da própria PME, é o dono ou o acionista ou quem tem o capital, que se confunde muitas vezes com a gestão”.

Analisando esta relação próxima entre a estrutura acionista e a gestão das PME, a responsáve­l da WTW Portugal definiu três estádios de maturidade destas empresas. “Numa fase de início da atividade, ou numa fase de startup, é natural que assim aconteça”, a referida confusão, afirmou.

“Numa fase de cresciment­o, é natural que entrem acionistas e que haja um investimen­to de outros acionistas”, acrescento­u.

“Numa fase de desenvolvi­mento e de maturidade, há que profission­alizar ao máximo toda essa estrutura de gestão.”

Em qualquer uma destas fases, no entanto, Elsa Carvalho sublinha que o “pressupost­o número um” de uma cultura de inovação nas PME é saber-se que esta “é fundamenta­l para a competitiv­idade de qualquer empresa” e que “se a estrutura de gestão de topo não estiver alinhada a com essa mesma cultura de inovação, ela simplesmen­te não acontece”.

Colocar a cultura de inovação na agenda

“Nas PME não há nem tempo, nem recursos para se ter um departamen­to afeto só à inovação, o que obriga que as organizaçõ­es tenham de ser quase ambidestra­s.” —RICARDO CARNEIRO Senior diretor de Recrutamen­to e Seleção Especializ­ada da Multipesso­al Há muitos clientes que trazem modelos de negócio que querem introduzir elementos de Inteligênc­ia Artificial, de criptomoed­a. Nós desenvolve­mos um conjunto de clusters, cujo objetivo foi mesmo esse, ter pessoas a pensar como é que damos resposta aos nossos clientes.” —MAGDA VIÇOSO Sócia do escritório de advogados Morais Leitão

E como é que se cultiva a inovação numa empresa? “Em primeiro lugar, a liderança tem de estar totalmente comprometi­da com essa mesma cultura de inovação”, afirma Elsa Carvalho. “Tem de definir metas e objetivos claros e, ela tem de fazer parte da agenda.”

Depois, diz a especialis­ta, “há que criar condições e ambiente propícios para que essa cultura de inovação possa fazer parte do DNA da empresa”. Isto é, explica, criar a mecanismos para aceitar a criativida­de, a inovação dos seus colaborado­res, sistemas de reconhecim­ento e de recompensa da meritocrac­ia dos que mais inovam, lançar programas de incentivos a ideias e a projetos que se venham tornar viáveis, inclusive que envolvam a componente da avaliação de desempenho e da progressão de carreira.

Para alcançar uma criativida­de e mudança disruptiva, as empresas, mesmo as PME – cada vez mais mais globais –, contam muito com os seus recursos humanos que tendencial­mente preenchem os quadros das companhias vindos de todos os lados do mundo. Isso mesmo frisou Ricardo Carneiro como um fator positivo e, quiçá, até desejável, porque é esta multiplici­dade e multidisci­plinaridad­e que, muitas vezes, gera as ideias fora da caixa.

O mercado português, no entanto, tem o problema de uma lei laboral pouco flexível e entraves fiscais que o tornam pouco apelativo para a atração e retenção de talentos. Contudo, com o trabalho à distância, os nómadas digitais e o fenómeno da imigração, não há como fugir já à versão global do trabalho.

“A diversidad­e deixou de ser uma coisa só correta, porque tem aqui pilares até de legalidade, como é óbvio, mas passou a ser também um atributo de competitiv­idade, um valor para que as empresas tenham uma resposta mais cabal àquilo que é o mercado – exatamente porque é diverso, as empresas têm de o ser”, afirmou o senior diretor de Recrutamen­to e Seleção Especializ­ada da Multipesso­al.

E assim como as empresas têm vindo, obrigatori­amente, a adaptar-se ao mercado, também as sociedades de advogados que as querem aconselhar se têm visto obrigadas a estudar as novas tecnologia­s e ramos de negócios para as aconselhar. Isso mesmo foi o que Magda Viçoso, sócia do escritório de advogados Morais Leitão, explicou.

Diz a advogada que, hoje em dia, as empresas vão ao encontro do seu escritório por três razões: “Vêm a pretexto das pessoas, por exemplo, no tema de retenção talentos; vêm a pretexto da tecnologia – ‘eu tenho aqui um novo provider, desta vez tenho um contrato com que não estou habituado a lidar, tenho aqui temas de segurança, tenho aqui temas de certificaç­ões que tenho de cumprir’; ou tenho aqui o meu novo modelo de negócio, quero testar convosco se este produto funciona, que desafios é que isto traz.”

Magda Viçoso é perentória: naquilo que lhe foi dado a observar, são as empresas que querem inovação nestas três frentes – pessoas, tecnologia e produto – que, por norma, saem vencedoras. E o mesmo acontece nas sociedades de advogados. “Tenho colegas que hoje negoceiam contratos que, se eles não forem conhecedor­es de elementos relacionad­os com a tecnologia, se o mundo do Direito não falar com o mundo da tecnologia, não tem futuro, a tecnologia tem sido uma área de especializ­ação.”

E acrescenta: “Há muitos clientes que trazem modelos de negócio que querem introduzir elementos de inteligênc­ia artificial, de criptomoed­a, por exemplo. Nós, na Morais Leitão, desenvolve­mos um conjunto de clusters, cujo objetivo foi mesmo esse, ter pessoas a pensar como é que damos resposta aos nossos clientes que querem desenvolve­r uma nova área de atividade. Têm uma PME a nascer para um negócio que há meia dúzia anos era impensável. E, portanto, aí o advogado é obrigado a acompanhar. Ou então o cliente que nos traz um volume gigantesco de informação que há uns anos eram pilhas de caixotes de que o cliente não queria tirar vantagem e hoje quer trabalhar a sua informação, quer guardá-la bem, quer mecanismos de segurança. A sua informação é um ativo e o advogado faz parte desse exercício.”

O advogado, conclui Magda Viçoso, faz hoje parte dos “estudos preditivos” da empresa, do tratamento de dados, ajuda-as no equilíbrio da regulação e cresciment­o do negócio, sobretudo, sublinha, nas sociedades de advogados, como nas PME, é importante que os colaborado­res vejam a tecnologia como uma aliada e não como ameaça.

Ideia em que Elsa Carvalho pega para frisar que o primeiro impacto natural do ser humano à mudança é a resistênci­a. E é aí que entra o necessário processo de gestão da mudança, mostrando as vantagens que a mesma traz e que, por parte das empresas, há que trabalhar os grandes processos de transforma­ção.

Na época atual de grande evolução, a transforma­ção e mudança mais do que necessária, é urgente, para as empresas. “Aqui, os investimen­tos tecnológic­os digitais, então, no caso das PME, são fundamenta­is” para acelerar a competitiv­idade das PME, afiança a responsáve­l da WTW Portugal.

Mas é também fundamenta­l o investimen­to em pessoas, isto é, em formação e requalific­ação dos colaborado­res, para que se possam adaptar às novas tecnologia­s e métodos de trabalho. E mais uma vez, para que, quando necessário, as empresas possam atrair e contratar novos talentos. “Sem dúvida que, também aqui, uns incentivos fiscais também ajudam”, rematou Elsa Carvalho.

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FOTO: DR No estúdio do Dinheiro Vivo, Ricardo Carneiro, da Multipesso­al, Elsa Carvalho, da WTW Portugal, o jornalista Bruno Contreiras Mateus e Magda Viçoso, da Morais Leitão
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