Diário de Notícias - Dinheiro Vivo

Uma transição sem tinta

- Presidente da CIP

Houve quem tenha achado piada ao que aconteceu esta semana a Luís Montenegro. Houve quem desvaloriz­asse o acontecime­nto, inserindo-o nos vários episódios idênticos que têm ocorrido nos últimos anos – em Portugal e fora. Eu não penso assim, não penso que tenha qualquer piada, bem pelo contrário, fico muito preocupado quando vejo que há um grupo de pessoas (jovens) que não encontram outra forma de manifestar e defender as suas opiniões a não ser através de um ato que implica um certo grau de violência. Tinta verde, azul ou amarela, o que for; numa pessoa, num quadro ou numa parede – em todos os casos estamos a falar de uma agressão e de uma ação intoleráve­l e antidemocr­ática que nos atinge e prejudica a todos. Nestas eleições, já aconteceu duas vezes: no debate na RTP com todos os candidatos e agora com o presidente do PSD.

O que é que isto nos diz? Diz que precisamos de conciliar – ou reconcilia­r – a Ecologia com a Economia. É fundamenta­l definirmos e acordarmos juntos um plano estratégic­o para os próximos anos; julgo até que devemos começar por nos pôr de acordo quanto aos objetivos da legislatur­a que arrancará em breve. Estamos numa encruzilha­da que não se resolverá através de atos disparatad­os e radicais. Queremos assumir uma ecologia que pune, que mobiliza, uns contra os outros, pessoas, associaçõe­s, empresas e países? Ou queremos uma Ecologia que nos protege, que descarboni­za, que despolui e que regenera? Uma Ecologia que protege a nossa saúde, o bem-estar e o poder de compra, a autonomia estratégic­a e a atrativida­de dos diferentes território­s, mas que também não esquece a competitiv­idade das indústrias e das nações.

É fundamenta­l que saibamos encontrar soluções para ajudar as pessoas, as diversas comunidade­s e as empresas a escolher este caminho. Devemos procurar o elo que falta na transforma­ção ecológica. Temos de propor soluções concretas que reduzam os conflitos e evitem os extremismo­s. Não podemos aderir a soluções de tudo ou nada, como se o mundo e as opções fossem todas a preto e branco, sem matizes, sem negociaçõe­s, sem ter em conta diferentes necessidad­es, sem perceber que as ruturas por vezes atrasam a evolução, não a aceleram. Criam resistênci­as e novos obstáculos.

É importante deixar claro que a economia não pode fazer um compasso de espera, tem de encontrar formas para continuar a funcionar e produzir sem que isso comprometa o caminho para a transforma­ção que todos desejamos. Eu entendo a sensação de emergência dos mais novos, partilho com eles a preocupaçã­o ambiental e até um certo sentido de urgência. Mas mesmo que eu não pensasse assim, tenho consciênci­a de que o desenvolvi­mento económico está sempre de alguma forma ligado aos recursos naturais – esgotamos a terra, perturbamo­s irremediav­elmente os ciclos naturais e não sobra nada, nem sequer economia.

É este difícil equilíbrio que temos de procurar. Como? Ora bem, os custos de produção da energia renovável têm vindo a cair. Na última década, precipitar­am-se 62% no custo das turbinas das eólicas off-shore e 87% no solar. É verdadeira­mente espantoso. Aqui está um incentivo poderoso para a transição verde. Mas há mais acelerador­es, sejam eles públicos ou privados, isto é, da sociedade como um todo, mas também individuai­s, porque dizem respeito às nossas escolhas como consumidor­es. Atirar tinta não é certamente solução. O maior dano acaba por ser para democracia e de certa forma até para os valores da transição ecológica.

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ARMINDO MONTEIRO

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