Diário de Notícias - Dinheiro Vivo
Aconselho a experimentar o comboio de 1992
Na semana passada percorri uma linha férrea construída em 1992. Senti-me planar em toda a viagem. É uma sensação boa, devo dizer – ainda que seja eu um fraco connoisseur de comboios que, mal comparado, não distingue entre um bom vinho e um vinho muito bom. Mas esta viagem da capital até ao sul do país foi das melhores que saboreei em alta velocidade, neste caso, não foi só pelo conforto, mas principalmente pelo tempo poupado (que no final de contas é o que mais interessa, ou não?). Ah, desculpe o leitor por só agora mencionar que foi entre Madrid e Sevilha, na mesma linha construída por altura da Expo92 (seis anos antes da nossa Expo98). Este, de facto, não é um pormenor, porque para experimentar a alta velocidade, o mais perto é Espanha, há muito tempo que não cruzamos a fronteira apenas para comprar caramelos. Muito tempo mesmo!
Espanha já tem a segunda maior rede de alta velocidade do mundo (a China lidera). Em 32 anos construíram mais de 3200 km de linhas, ou seja, uma média impressionante de 100 km por ano. Para nós, portugueses, numa viagem que ligue o norte ao sul, passando por Lisboa, estamos a falar de quê, 500 km? Mal comparada, mais uma vez, a dimensão do nosso atraso deve andar, mais coisa menos coisa, em quantos anos?... É fazer as contas, como diria António Guterres. E já que estamos na aritmética, se a velocidade média da alta velocidade em Espanha é de 222 km/h, em quanto tempo percorreríamos o nosso país? Do outro lado da fronteira, e bem, operam estas linhas a Renfe, Avlo (a low cost da Renfe em alta velocidade), Ouigo e Iryo, num vai e vem de comboios, com maior concorrência, melhoria de serviços e preços mais competitivos. O meu comboio chegou a horas, foi impecável, e não acredito que tenha sido sorte minha. Aconselho a experimentar, portanto.
Os espanhóis já fizeram a revolução ferroviária deles e piscam-nos o olho aos nossos carris, vazios ainda de alta velocidade, mas não de promessas. É bom que tenhamos ambição, mas de que vale apregoá-la bem alto se continuamos a acelerar para a nossa (r)evolução a baixa velocidade e com atrasos sistemáticos?
A corrida às legislativas de 10 de março, comparativamente com as anteriores, já trouxe uma franca novidade, que é a importância dada à ferrovia nos programas eleitorais de todos os partidos. Só que é preciso ir mais a fundo na questão, não ficar pela rama. Destacaria dois pontos fundamentais, que vão para lá dos negócios milionários que a ferrovia trará nos próximos anos e do progresso ambiental e social. O primeiro é o impacto na economia nacional, como alertaram numa carta aberta aos partidos um grupo de empresários, engenheiros e professores, da opção técnica da bitola ibérica e tráfego exclusivo para passageiros da linha de alta velocidade entre Porto e Lisboa. Não podemos isolar Portugal, nem torná-lo no país menos competitivo da Europa – e basta olhar para os nossos vizinhos espanhóis. Em segundo lugar, há muito trabalho de infraestruturas por fazer, e decisões por tomar, com coragem e sobriedade política – que têm faltado, de resto. Entre as mais urgentes está a terceira travessia sobre o Tejo, que permita a ligação de alta velocidade para o sul, e avançar depois para Madrid, e o novo aeroporto, que tem de estar ligado ao TGV. A forma como iremos lançar-nos vai ditar o nosso futuro enquanto país europeu.