Diário de Notícias - Dinheiro Vivo
“A questão fiscal poderia ser melhor usada para quem comprasse seguros de saúde privados”
Presidente da Associação Nacional de Agentes e Corretores de Seguros defende benefícios no IRS e IRC às famílias e às empresas pela subscrição de seguros que venham “aligeirar” o recurso ao Serviço Nacional de Saúde. Texto:
Oseguros de saúde dispararam 17% no último ano e duplicaram desde a pandemia, sendo previsível que ainda em 2024 ultrapassem o ramo automóvel, segundo as previsões do presidente da Associação Nacional de Agentes e Corretores de Seguros (APROSE). Em relação aos seguros de vida, David Pereira garante que o setor não vai desistir de reivindicar junto do futuro governo liberdade de escolha da seguradora no momento de contratar crédito à habitação. Nas prioridades do futuro governo deve estar, na voz da APROSE, melhor regulamentação e um seguro obrigatório para a utilização de meios de micro mobilidade, como as trotinetes.
A escalada de preços tem trazido impactos transversais nos custos dos produtos e serviços, incluindo dos seguros. Face ao quadro de incerteza nacional e internacional e já depois do vosso congresso, que retrato faz do setor em Portugal?
O diagnóstico é exatamente como referiu, há uma grande incerteza, há uma grande volatilidade de preços, não só nos prémios de seguros, como nos custos a pagar pela cobertura de riscos, chamados vulgarmente sinistros. Tudo encareceu subitamente, após o início da guerra e após a pandemia, foi assim um evoluir desenfreado de custos e que leva naturalmente a tudo adaptar-se, quer os prémios das seguradoras, quer os custos a pagar na gestão dos sinistros e na regularização dos sinistros.
Mas há uma avaliação desse agravamento em Portugal?
Sabe-se que tem evoluído um pouco acima da inflação, mas segundo tenho lido em alguns estudos, as coisas não tendem a aumentar muito mais do que já aumentaram.
O reforço da mediação profissional tem sido uma das vossas bandeiras face a seguros vendidos, por exemplo, aos balcões dos bancos ou dos Correios. No último ano, como é que se distribuíram as vendas?
Também é conhecido, aliás, saiu há poucos dias uma informação, mas todo o mundo, toda a atividade seguradora está atenta, que foi da APS, que é a Associação Portuguesa de Seguradores, e que reflete exatamente a sua pergunta, e que foi a quebra acentuada na venda dos seguros através das mediadoras bancárias. Quando falo na banca, não falo na atividade bancária, no core business da banca, falo na atividade de mediadores de seguros bancários, que são, tal como nós, mediadores de seguros. Essa atividade entrou em retrocesso em 2023, se não me falha à memória, teve uma redução significativa entre os 15% e os 17%. Enquanto a mediação teve uma evolução positiva de cerca de 8% nas vendas dos produtos de seguros transversalmente – não só a nível de vida, como a nível dos ramos patrimoniais, reais, como nós designamos, ramos reais. Defendem também a liberdade de escolha das famílias na contratação de seguros no ato de
contratação de crédito à habitação, sem agravamento de e sem condicionamento na aprovação do crédito. Vão insistir nesta reivindicação junto do futuro governo?
Sim, não vamos desistir, porque é da mínima justiça. O povo português sabe, os clientes bancários sabem, todos os consumidores do crédito à habitação sabem que a banca força fazer seguros independentemente do preço que aplicam aos seus produtos. Mas o cliente precisa é do crédito bancário. Ao precisar do crédito bancário, acaba por aceitar tudo o que lhe impõem, nem discute. É indefensável.
Qual é o prejuízo direto?
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A APROSE fez as contas, encomendou um parecer, e chegámos à conclusão que os seguros de vida associados ao crédito, se forem vendidos por mediadores profissionais, chegam a ser metade do preço praticado pela banca, e o resultado disto... Só se todos de repente mudassem o seguro para a mediação profissional ultrapassava, só esta diferença, uma poupança de 300 milhões de euros/ano. Se tivermos em conta que um crédito tem 15, 20, 30 anos, isto é uma renda escondida, disfarçada numa história e numa ameaça chamada
Quanto à cobertura de risco sísmico, cheias, ou outras catástrofes como incêndios – outra bandeira da APROSE –, acredita que terá andamento a proposta de criação deste fundo, como o governo tinha pedido ao regulador?
Claro que acho possível. Já nos anos 1990 a APROSE falava na necessidade da criação de um fundo sísmico. Fomos desmoronando, porque pensamos sempre que sismos não existem em Portugal, embora historicamente saibamos que não é verdade. Desde 2010 começámos novamente a trazer à baila essa conversa, vamos sempre falando nele porque sentimos que é uma necessidade e depois, em termos de venda de seguros, há uma discriminação de zonas sensíveis sísmicas. Infelizmente, as seguradoras não querem aceitar, porque é um risco que nem o preço paga esse risco.
“Há uma grande volatilidade de preços, não só nos prémios de seguros, como nos custos a pagar pela cobertura de riscos, chamados vulgarmente sinistros.”
Mais no sul do país?
Geograficamente mais na região sul, em Lisboa e Vale do Tejo, mas também na Baixa do Porto – não é exclusivo a Lisboa. Mas vimos alertar para a criação desse fundo neste momento. Já temos boas notícias, a Associação Portuguesa de Seguradores também já refletiu nos seus escritos esta importância de se pensar num fundo sísmico e
“Os seguros de vida associados ao crédito, se forem vendidos por mediadores profissionais, chegam a ser metade do preço praticado pela banca [diferença que representa 300 milhões de euros/ano].”
já a própria supervisora já está a estudar a forma e como há de ser capitalizado esse fundo.
Mas cabe ao setor privado garantir a maior parte do fundo? Ou o Estado deve assumir essa responsabilidade?
A atividade seguradora é mutualista em que todos pagam para alguns, mais tarde, virem a usufruir, no caso de haver danos garantidos pelas apólices de seguro. Partindo desta base, que me parece muito democrática até, todos devem intervir para encher o saco desse fundo: o Estado português, as seguradoras, o consumidor em geral, cada um à sua maneira, integrado nos meios disponíveis ao consumidor, através dos seguros que paga, algum valor para o fundo sísmico, ou fundo de catástrofes, se quisermos alargar a outro tipo de intempéries como as inundações que ocorrem regularmente ou tornados, outra coisa, não tornar novos em Portugal riscos antigos noutras partes do mundo.
Passando aos seguros de saúde, este tem sido um ramo a crescer muito mais rapidamente do que os outros. Porquê?
Entre a pandemia e os dias de hoje, os seguros de saúde duplicaram, ou mais que duplicaram. Neste momento, estima-se que três milhões e cem mil pessoas usufruem de seguros de saúde. Portanto, foi naturalmente, consequência da pandemia, uma maior consciencialização das pessoas, sobre a sua própria saúde e do acesso a essa saúde, que as levou a contratar, paralelamente ao Serviço Nacional de Saúde, seguros de saúde. Mas também não esteve alheio, convenhamos dizer, todas estas situações que vão ocorrendo, que se leem nos jornais, que se vê na televisão, com o Serviço Nacional de Saúde.
Acha que há uma desacreditação no Serviço Nacional de Saúde?
Eu não quero dizer isso, porque eu confio muito no Serviço Nacional de Saúde e acho que nunca poderá, de alguma maneira, desaparecer. De qualquer forma, uma coisa complementa a outra. Não se sobrepõem. São necessários ambos os lados da saúde, o privado e o público.
São cada vez mais também as marcas ou os serviços que disponibilizam seguros de saúde. Por exemplo, há cartões que estão associados a serviços de saúde e que estavam associados à grande distribuição, aos hipermercados. A APROSE está contra?
A APROSE está contra. Isso não pode ser vendido nas televisões, nos horários nobres em que se sabe quem são os consumidores das televisões. E sabe-se quem compra. E ainda por cima obrigam a fidelização, que é uma coisa que nos seguros não existe. Fique claro, não são seguros de saúde. São cartões de preços com consultas limitadas, com tratamentos limitados. Mas é apenas um logro que está a ser vendido a pessoas já com uma certa idade e que depois querem sair e não conseguem porque têm uma fidelização às costas.
Dizia há pouco que a pandemia fez mais do que duplicar o número de seguros de saúde contratados. As seguradoras também carregaram nos preços, na verdade. É de prever que o ramo saúde ultrapasse o seguro automóvel?
Penso que se tudo correr bem para o lado da saúde, este ano irá ultrapassar. O ramo de saúde está muito nivelado com o ramo automóvel e, como a venda dos automóveis não tem tido tão grande dinâmica, o de saúde, facilmente, em 2024, ultrapassará o ramo automóvel.
E porquê esta subida de preços?
Não sei se estão muito inflacionados pelos operadores que atuam no mercado, porque as companhias compram os serviços a quem? Aos hospitais, às clínicas, aos médicos. Todo este ecossistema da atividade médica, até os próprios consumíveis médicos evoluíram de preço. Muitos são importados. Há uma grande evolução e agora vem acrescentar-se a crise da energia no Canal do Suez. Tudo aumenta, já é por causa da guerra que se está a verificar em Israel e em Gaza. Portanto, há aqui várias razões que levam ao aumento e isso por correspondência, leva também a um aumento do prémio de seguro. Tudo tem a ver com tudo. As seguradoras, como disse há pouco, são mutualistas, mas têm de pagar os custos da própria medicina contratada e dos sistemas de saúde contratados e, em contrapartida, aumenta-se o prémio de seguro.
O Ministério das Finanças reconhece que a concorrência no setor dos seguros vai intensificar-se fortemente e que será imperativo que as empresas do setor reforcem a sua competitividade e que o Estado lhes proporcione um enquadramento legal e fiscal favorável à realização desse objetivo. Faz a mesma leitura?
Portugal é um país pequeno, os prestadores também não são muitos. De forma genérica, todos usam os mesmos prestadores, hospitais, clínicas, médicos. Portanto, a questão fiscal poderia ser melhor usada para quem comprasse seguros de saúde privados, porque está de certa maneira a aligeirar, a tornar menos solicitado o Serviço Nacional de Saúde. Devia haver uma redução em termos de IRS e IRC às famílias e às empresas, como um benefício fiscal. Podia ser um bom caminho e tornava a vida mais fácil ao Serviço Nacional de Saúde.
Gostaria que fizesse também uma análise aos novos tipos de mobilidade nas cidades, com a chegada daquilo a que chamamos mobilidade leve. O setor dos seguros enfrenta desafios
neste caso com maior número de trotinetes, de ciclovias para se usar a bicicleta…?
Eu acho que devia ser mais regulamentado. Os seguros adaptam-se a qualquer coisa. As seguradoras produzem qualquer coisa, fabricam qualquer produto, porque é a missão delas. E o mediador vende esses produtos. Agora, as cidades têm, sem grande regulamentação, usado na via pública trotinetes, bicicletas, todo tipo de instrumentos para tornar mais leve a mobilidade, acabando por resultar em graves, graves sinistros. Poucas pessoas sabem que as trotinetes vieram com uma boa intenção, mas resultaram muito mal na sinistralidade de atropelamento de pessoas, acidentes com automóveis, acidentes com outras trotinetes, enfim. E não eram obrigadas a seguro. Isto é que não devia nunca ter acontecido. Proteger a mobilidade humana, melhorá-la, torná-la mais limpa, muito bem. Todos de acordo, mas com regulamentação.
Ao nível da dimensão das empresas, os movimentos de concentração do setor representam uma mais-valia ou constrangimento?
Diminui a concorrência, naturalmente. Isso é o peso da concentração. Diminui a oferta, diminui a escolha, diminuem as possibilidades que temos para oferecer aos consumidores de seguros.
Assistimos, há uns meses, a mais uma aquisição no mercado português, a Liberty foi adquirida pela Generali. Nos últimos anos várias companhias foram adquiridas (AXA, Tranquilidade, Açoreana, Global, Ocidental, etc). É de prever que esta onda de consolidação vá continuar? Ainda existe espaço para isso?
Penso que já não existem seguradoras. Sempre existirão algumas. Algumas protagonistas dessas aquisições e dessas fusões e junções e aquisições tornam-se muito grandes. Grandes impérios económicos, sem dúvida nenhuma. E que estarão sempre disponíveis para adquirir alguma mais pequena. Haverá certamente um ou outro caso, mas não como aconteceu, não sei, no princípio do século em que toda a gente adquiriu toda a gente.