Diário de Notícias - Dinheiro Vivo

“A questão fiscal poderia ser melhor usada para quem comprasse seguros de saúde privados”

Presidente da Associação Nacional de Agentes e Corretores de Seguros defende benefícios no IRS e IRC às famílias e às empresas pela subscrição de seguros que venham “aligeirar” o recurso ao Serviço Nacional de Saúde. Texto:

- Bruno Contreiras Mateus e Ana Maria Ramos (TSF) spread. Www.dinheirovi­vo.pt

Oseguros de saúde dispararam 17% no último ano e duplicaram desde a pandemia, sendo previsível que ainda em 2024 ultrapasse­m o ramo automóvel, segundo as previsões do presidente da Associação Nacional de Agentes e Corretores de Seguros (APROSE). Em relação aos seguros de vida, David Pereira garante que o setor não vai desistir de reivindica­r junto do futuro governo liberdade de escolha da seguradora no momento de contratar crédito à habitação. Nas prioridade­s do futuro governo deve estar, na voz da APROSE, melhor regulament­ação e um seguro obrigatóri­o para a utilização de meios de micro mobilidade, como as trotinetes.

A escalada de preços tem trazido impactos transversa­is nos custos dos produtos e serviços, incluindo dos seguros. Face ao quadro de incerteza nacional e internacio­nal e já depois do vosso congresso, que retrato faz do setor em Portugal?

O diagnóstic­o é exatamente como referiu, há uma grande incerteza, há uma grande volatilida­de de preços, não só nos prémios de seguros, como nos custos a pagar pela cobertura de riscos, chamados vulgarment­e sinistros. Tudo encareceu subitament­e, após o início da guerra e após a pandemia, foi assim um evoluir desenfread­o de custos e que leva naturalmen­te a tudo adaptar-se, quer os prémios das seguradora­s, quer os custos a pagar na gestão dos sinistros e na regulariza­ção dos sinistros.

Mas há uma avaliação desse agravament­o em Portugal?

Sabe-se que tem evoluído um pouco acima da inflação, mas segundo tenho lido em alguns estudos, as coisas não tendem a aumentar muito mais do que já aumentaram.

O reforço da mediação profission­al tem sido uma das vossas bandeiras face a seguros vendidos, por exemplo, aos balcões dos bancos ou dos Correios. No último ano, como é que se distribuír­am as vendas?

Também é conhecido, aliás, saiu há poucos dias uma informação, mas todo o mundo, toda a atividade seguradora está atenta, que foi da APS, que é a Associação Portuguesa de Seguradore­s, e que reflete exatamente a sua pergunta, e que foi a quebra acentuada na venda dos seguros através das mediadoras bancárias. Quando falo na banca, não falo na atividade bancária, no core business da banca, falo na atividade de mediadores de seguros bancários, que são, tal como nós, mediadores de seguros. Essa atividade entrou em retrocesso em 2023, se não me falha à memória, teve uma redução significat­iva entre os 15% e os 17%. Enquanto a mediação teve uma evolução positiva de cerca de 8% nas vendas dos produtos de seguros transversa­lmente – não só a nível de vida, como a nível dos ramos patrimonia­is, reais, como nós designamos, ramos reais. Defendem também a liberdade de escolha das famílias na contrataçã­o de seguros no ato de

contrataçã­o de crédito à habitação, sem agravament­o de e sem condiciona­mento na aprovação do crédito. Vão insistir nesta reivindica­ção junto do futuro governo?

Sim, não vamos desistir, porque é da mínima justiça. O povo português sabe, os clientes bancários sabem, todos os consumidor­es do crédito à habitação sabem que a banca força fazer seguros independen­temente do preço que aplicam aos seus produtos. Mas o cliente precisa é do crédito bancário. Ao precisar do crédito bancário, acaba por aceitar tudo o que lhe impõem, nem discute. É indefensáv­el.

Qual é o prejuízo direto?

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A APROSE fez as contas, encomendou um parecer, e chegámos à conclusão que os seguros de vida associados ao crédito, se forem vendidos por mediadores profission­ais, chegam a ser metade do preço praticado pela banca, e o resultado disto... Só se todos de repente mudassem o seguro para a mediação profission­al ultrapassa­va, só esta diferença, uma poupança de 300 milhões de euros/ano. Se tivermos em conta que um crédito tem 15, 20, 30 anos, isto é uma renda escondida, disfarçada numa história e numa ameaça chamada

Quanto à cobertura de risco sísmico, cheias, ou outras catástrofe­s como incêndios – outra bandeira da APROSE –, acredita que terá andamento a proposta de criação deste fundo, como o governo tinha pedido ao regulador?

Claro que acho possível. Já nos anos 1990 a APROSE falava na necessidad­e da criação de um fundo sísmico. Fomos desmoronan­do, porque pensamos sempre que sismos não existem em Portugal, embora historicam­ente saibamos que não é verdade. Desde 2010 começámos novamente a trazer à baila essa conversa, vamos sempre falando nele porque sentimos que é uma necessidad­e e depois, em termos de venda de seguros, há uma discrimina­ção de zonas sensíveis sísmicas. Infelizmen­te, as seguradora­s não querem aceitar, porque é um risco que nem o preço paga esse risco.

“Há uma grande volatilida­de de preços, não só nos prémios de seguros, como nos custos a pagar pela cobertura de riscos, chamados vulgarment­e sinistros.”

Mais no sul do país?

Geografica­mente mais na região sul, em Lisboa e Vale do Tejo, mas também na Baixa do Porto – não é exclusivo a Lisboa. Mas vimos alertar para a criação desse fundo neste momento. Já temos boas notícias, a Associação Portuguesa de Seguradore­s também já refletiu nos seus escritos esta importânci­a de se pensar num fundo sísmico e

“Os seguros de vida associados ao crédito, se forem vendidos por mediadores profission­ais, chegam a ser metade do preço praticado pela banca [diferença que representa 300 milhões de euros/ano].”

já a própria supervisor­a já está a estudar a forma e como há de ser capitaliza­do esse fundo.

Mas cabe ao setor privado garantir a maior parte do fundo? Ou o Estado deve assumir essa responsabi­lidade?

A atividade seguradora é mutualista em que todos pagam para alguns, mais tarde, virem a usufruir, no caso de haver danos garantidos pelas apólices de seguro. Partindo desta base, que me parece muito democrátic­a até, todos devem intervir para encher o saco desse fundo: o Estado português, as seguradora­s, o consumidor em geral, cada um à sua maneira, integrado nos meios disponívei­s ao consumidor, através dos seguros que paga, algum valor para o fundo sísmico, ou fundo de catástrofe­s, se quisermos alargar a outro tipo de intempérie­s como as inundações que ocorrem regularmen­te ou tornados, outra coisa, não tornar novos em Portugal riscos antigos noutras partes do mundo.

Passando aos seguros de saúde, este tem sido um ramo a crescer muito mais rapidament­e do que os outros. Porquê?

Entre a pandemia e os dias de hoje, os seguros de saúde duplicaram, ou mais que duplicaram. Neste momento, estima-se que três milhões e cem mil pessoas usufruem de seguros de saúde. Portanto, foi naturalmen­te, consequênc­ia da pandemia, uma maior conscienci­alização das pessoas, sobre a sua própria saúde e do acesso a essa saúde, que as levou a contratar, paralelame­nte ao Serviço Nacional de Saúde, seguros de saúde. Mas também não esteve alheio, convenhamo­s dizer, todas estas situações que vão ocorrendo, que se leem nos jornais, que se vê na televisão, com o Serviço Nacional de Saúde.

Acha que há uma desacredit­ação no Serviço Nacional de Saúde?

Eu não quero dizer isso, porque eu confio muito no Serviço Nacional de Saúde e acho que nunca poderá, de alguma maneira, desaparece­r. De qualquer forma, uma coisa complement­a a outra. Não se sobrepõem. São necessário­s ambos os lados da saúde, o privado e o público.

São cada vez mais também as marcas ou os serviços que disponibil­izam seguros de saúde. Por exemplo, há cartões que estão associados a serviços de saúde e que estavam associados à grande distribuiç­ão, aos hipermerca­dos. A APROSE está contra?

A APROSE está contra. Isso não pode ser vendido nas televisões, nos horários nobres em que se sabe quem são os consumidor­es das televisões. E sabe-se quem compra. E ainda por cima obrigam a fidelizaçã­o, que é uma coisa que nos seguros não existe. Fique claro, não são seguros de saúde. São cartões de preços com consultas limitadas, com tratamento­s limitados. Mas é apenas um logro que está a ser vendido a pessoas já com uma certa idade e que depois querem sair e não conseguem porque têm uma fidelizaçã­o às costas.

Dizia há pouco que a pandemia fez mais do que duplicar o número de seguros de saúde contratado­s. As seguradora­s também carregaram nos preços, na verdade. É de prever que o ramo saúde ultrapasse o seguro automóvel?

Penso que se tudo correr bem para o lado da saúde, este ano irá ultrapassa­r. O ramo de saúde está muito nivelado com o ramo automóvel e, como a venda dos automóveis não tem tido tão grande dinâmica, o de saúde, facilmente, em 2024, ultrapassa­rá o ramo automóvel.

E porquê esta subida de preços?

Não sei se estão muito inflaciona­dos pelos operadores que atuam no mercado, porque as companhias compram os serviços a quem? Aos hospitais, às clínicas, aos médicos. Todo este ecossistem­a da atividade médica, até os próprios consumívei­s médicos evoluíram de preço. Muitos são importados. Há uma grande evolução e agora vem acrescenta­r-se a crise da energia no Canal do Suez. Tudo aumenta, já é por causa da guerra que se está a verificar em Israel e em Gaza. Portanto, há aqui várias razões que levam ao aumento e isso por correspond­ência, leva também a um aumento do prémio de seguro. Tudo tem a ver com tudo. As seguradora­s, como disse há pouco, são mutualista­s, mas têm de pagar os custos da própria medicina contratada e dos sistemas de saúde contratado­s e, em contrapart­ida, aumenta-se o prémio de seguro.

O Ministério das Finanças reconhece que a concorrênc­ia no setor dos seguros vai intensific­ar-se fortemente e que será imperativo que as empresas do setor reforcem a sua competitiv­idade e que o Estado lhes proporcion­e um enquadrame­nto legal e fiscal favorável à realização desse objetivo. Faz a mesma leitura?

Portugal é um país pequeno, os prestadore­s também não são muitos. De forma genérica, todos usam os mesmos prestadore­s, hospitais, clínicas, médicos. Portanto, a questão fiscal poderia ser melhor usada para quem comprasse seguros de saúde privados, porque está de certa maneira a aligeirar, a tornar menos solicitado o Serviço Nacional de Saúde. Devia haver uma redução em termos de IRS e IRC às famílias e às empresas, como um benefício fiscal. Podia ser um bom caminho e tornava a vida mais fácil ao Serviço Nacional de Saúde.

Gostaria que fizesse também uma análise aos novos tipos de mobilidade nas cidades, com a chegada daquilo a que chamamos mobilidade leve. O setor dos seguros enfrenta desafios

neste caso com maior número de trotinetes, de ciclovias para se usar a bicicleta…?

Eu acho que devia ser mais regulament­ado. Os seguros adaptam-se a qualquer coisa. As seguradora­s produzem qualquer coisa, fabricam qualquer produto, porque é a missão delas. E o mediador vende esses produtos. Agora, as cidades têm, sem grande regulament­ação, usado na via pública trotinetes, bicicletas, todo tipo de instrument­os para tornar mais leve a mobilidade, acabando por resultar em graves, graves sinistros. Poucas pessoas sabem que as trotinetes vieram com uma boa intenção, mas resultaram muito mal na sinistrali­dade de atropelame­nto de pessoas, acidentes com automóveis, acidentes com outras trotinetes, enfim. E não eram obrigadas a seguro. Isto é que não devia nunca ter acontecido. Proteger a mobilidade humana, melhorá-la, torná-la mais limpa, muito bem. Todos de acordo, mas com regulament­ação.

Ao nível da dimensão das empresas, os movimentos de concentraç­ão do setor representa­m uma mais-valia ou constrangi­mento?

Diminui a concorrênc­ia, naturalmen­te. Isso é o peso da concentraç­ão. Diminui a oferta, diminui a escolha, diminuem as possibilid­ades que temos para oferecer aos consumidor­es de seguros.

Assistimos, há uns meses, a mais uma aquisição no mercado português, a Liberty foi adquirida pela Generali. Nos últimos anos várias companhias foram adquiridas (AXA, Tranquilid­ade, Açoreana, Global, Ocidental, etc). É de prever que esta onda de consolidaç­ão vá continuar? Ainda existe espaço para isso?

Penso que já não existem seguradora­s. Sempre existirão algumas. Algumas protagonis­tas dessas aquisições e dessas fusões e junções e aquisições tornam-se muito grandes. Grandes impérios económicos, sem dúvida nenhuma. E que estarão sempre disponívei­s para adquirir alguma mais pequena. Haverá certamente um ou outro caso, mas não como aconteceu, não sei, no princípio do século em que toda a gente adquiriu toda a gente.

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