Diário de Notícias - Dinheiro Vivo
INTERMEDIÁRIOS DIZEM QUE JÁ COMERCIALIZAM MAIS DE 70% DO CRÉDITO À HABITAÇÃO DOS GRANDES BANCOS
Associação garante que, mais do que nunca, as instituições bancárias estão empenhadas em captar intermediários de crédito, com o objetivo de ganhar negócio e reduzir custos. Setor emergiu como pilar para a estabilidade financeira das famílias, nomeadament
O vazio deixado pela progressiva redução das agências bancárias, aliado à crescente procura por serviços financeiros, têm impulsionado o papel dos intermediários de crédito junto da população. Empenhados em prestar serviços que vão desde a intermediação entre clientes e bancos ao aconselhamento especializado, estes profissionais estão a conquistar cada vez mais terreno, sendo já responsáveis por comercializar entre 70% e 90% do crédito à habitação dos principais bancos em Portugal, nomeadamente Caixa Geral de Depósitos, Santander, Novobanco e BPI, garante ao Dinheiro Vivo o presidente da Associação Nacional de Intermediários de Crédito Autorizados (ANICA).
Em entrevista, Tiago Vilaça afirma que, nos últimos tempos, “as instituições bancárias foram-se organizando com departamentos de parceria, estando agora decididas a captar intermediários, porque sabem que, ao fazê-lo, conquistam mais negócio”. E as vantagens, explica, compensam: apesar de fazerem “um investimento à cabeça” – assumindo, por exemplo, despesas de transferência, escritura ou avaliação –, os bancos acabam por recuperá-lo a prazo, na medida em que deixam de ter custos fixos, como colaboradores e pontos de venda, para passar a ter uma despesa variável.
Questão meramente comercial, as comissões pagas pelas instituições bancárias aos intermediários são, em 90% dos casos, fixas e por operação, rondando em média 1% ou 1,5% sobre o montante financiado, clarifica o responsável. Note-se que este setor se encontra subdividido por três categorias: intermediários vinculados, que podem trabalhar com vários mutuantes, isto é, entidades habilitadas a conceder financiamento, não cobrando ao cliente pelos serviços; não vinculados, que não possuem contratos de vínculo e podem prestar e cobrar serviços de consultoria para os clientes; e a título acessório, que estão, por norma, inseridos dentro de estruturas, tendo em vista a venda dos bens ou serviços por si oferecidos. Enquanto os segundos têm uma presença pouco expressiva ao nível nacional, os terceiros representam a esmagadora maioria.
Das cerca de seis mil entidades registadas no Banco de Portugal (BdP) para o efeito, cerca de 1500 têm como atividade principal a intermediação de crédito, ou seja, são vinculadas. E destas, mais de 200 são associadas da ANICA, sendo o seu principal foco a venda de produtos no âmbito da habitação, automóvel e consumo. O presidente da associação – que nasceu há cerca de quatro anos para representar o setor da intermediação de crédito –, atesta que a grande missão destes profissionais “é atuar de forma diligente e transparente, informando o consumidor” – a promoção da literacia financeira é uma
das bandeiras defendidas – e negociando em seu nome para “obter a melhor proposta possível”.
Transferências compensaram quebras no crédito da casa
Ora, se 2022 foi um ano “supranormal”, com muita liquidez no mercado, que resultou no aumento do consumo das famílias e no crescimento do crédito à habitação, em 2023, o cenário configurou-se de forma diferente. A inflação e a subida abrupta das taxas de juro causaram um arrefecimento do mercado hipotecário, levando os novos créditos à habitação a registar quebras de 30% a 40%, segundo a informação apurada juntos dos bancos pela ANICA. Contudo, para os intermediários de crédito, este abrandamento não implicou necessariamente uma redução do negócio, já que o mercado das transferências aumentou exponencialmente: “Passou a ser uma preocupação dos portugueses baixar a prestação da casa e garantir a fixação da taxa de juro do empréstimo, para que a mensalidade não volte a sofrer uma subida expressiva.”
“Todos os dias recebemos pedidos de clientes para analisar os processos de crédito à habitação”, indica Tiago Vilaça. No entanto, um abrandamento das transferências tem-se feito sentir desde o arranque do ano. Sucede que “o tema é sensível ao momento”, ou seja, se a Euribor baixa, “as pessoas tendem a desvalorizar o problema e já não tomam decisões” – por outro lado, quando sobe, “apressam-se a recorrer aos intermediários para que as ajudem a estancar a subida, estabilizar e criar segurança financeira”. A concorrência entre os bancos tem ajudado neste sentido, na medida em que, “se um deles oferece uma taxa mais interessante, outros vêm de seguida cobri-la porque não querem perder quota de mercado”.
Os serviços mais procurados atualmente são a transferência de empréstimo à habitação e o crédito consolidado, uma opção que permite aos consumidores acumular várias prestações numa só, resultando sempre num valor total inferior ao que pagavam. Na perspetiva do responsável, o trabalho que os intermediários desempenham, na ótica de redução de encargos, “é de excelência”. Em prol das famílias sobre-endividadas, às quais “os bancos muitas vezes não estão preparados para prestar ajuda”, uma vez focadas no crédito novo, estes profissionais foram desenvolvendo ferramentas por necessidade – como só são remunerados pelos mutuantes se obtiverem uma taxa de sucesso, “a motivação em resolver o problema é maior”.
Maior flexibilidade no seguro de vida
Para 2024, a ANICA antecipa um ano desafiante para os profissionais de intermediação de crédito, não só ao nível do consumo, que “deverá estabilizar ou reduzir-se ligeiramente”, mas também em termos de legislação e do regulador, que tem vindo a fiscalizar fortemente o mercado, medida que a associação subscreve e considera que contribui para dignificar a profissão. Por outro lado, “há temas sobre os quais ainda não foi alcançada convergência e que o BdP deve clarificar”, nomeadamente no que respeita à liberdade de atuação na forma como os intermediários captam clientes nos canais digitais: “O regulador entende que temos de estar sentados à espera que o cliente bata à porta. Uma visão que não se compreende na época em que vivemos.”
Tiago Vilaça enfatiza também a necessidade de uma maior flexibilidade na contratação de seguros de vida no processo de crédito à habitação, salientando o peso “muito expressivo” que assumem, especialmente para pessoas com idades compreendidas entre os 50 e os 60 anos. Para o presidente da associação, os consumidores deveriam ter mais liberdade para escolher onde contratar esses seguros, porque, ao fazê-lo fora do banco, podem obter uma vantagem significativa. “O que temos vindo a observar é que as propostas das instituições bancárias são menos competitivas em termos de coberturas e mais caras”, refere.
Em vários casos, faz ainda saber, os bancos penalizam mesmo os clientes que optam por fazer os seguros de vida com outras entidades, oferecendo spreads bonificados apenas para aqueles que contratam diretamente consigo. Devido ao volume de negócios que representam para o setor bancário – “uns largos milhões” –, os intermediários de crédito geralmente conseguem contratar esse serviço fora do banco, negociando ainda assim taxas mínimas de spread, mas se o consumidor for ao balcão por sua conta e risco, “não consegue fazê-lo”, explica o dirigente.
Expectativas reservadas para 10 de março
O responsável saúda as medidas criadas pelo Governo para “flexibilizar todo o processo de licenciamento” e que vieram permitir a compra e venda de imóveis que não têm licença de utilização dentro de determinadas regras. Igual com a possibilidade de transformação de espaços comerciais em habitação – “são francamente positivas, pois permitem trazer mais casas para o mercado, de forma mais rápida e barata”. Por outro lado, comenta, as medidas de apoio diretas às famílias “são muito reduzidas”.
Sobre as eleições que se realizam a 10 de março, e embora diga preservar boas relações institucionais com os dois principais partidos, o presidente da ANICA confessa ter expectativas reservadas no âmbito de transformações céleres para o setor. “Como associação jovem que somos, compreendemos que é exatamente do lado da Assembleia que conseguimos clarificar algumas temáticas. No entanto, sempre que há mudanças, alteram-se as equipas e temos de voltar a fazer toda a nossa peregrinação, falando novamente com uma série de interlocutores”, comenta Tiago Vilaça, afirmando, contudo, que a associação continuará a fazer o seu trabalho de “dialogar com as instituições e insistir naquilo que é importante”, independentemente do resultar das urnas.
“As instituições bancárias foram-se organizando com departamentos de parceria, estando agora decididas em captar intermediários, porque sabem que, ao fazê-lo, conquistam mais negócio.” —TIAGO VILAÇA Presidente da Associação Nacional de Intermediários de Crédito Autorizados