Diário de Notícias - Dinheiro Vivo

Limitar pagamentos em numerário aumenta o risco de fraudes

Para 18% dos portuguese­s que ainda não usam a internet, o acesso a transações em moeda física é fundamenta­l. Na 1.ª Conferênci­a Denária Portugal estiveram em debate os direitos dos consumidor­es.

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Os pagamentos em numerário continuam a ser o método de pagamento mais usado na Europa, considerad­os “Muito importante­s” ou “Importante­s” por 60% dos inquiridos por um estudo do Banco Central Europeu (BCE), realizado na zona euro. Apesar disso, os pagamentos eletrónico­s continuam a crescer, com muitos comerciant­es a impor este tipo de transações em detrimento da utilização de moeda física, aumentando o risco de exclusão de parte da população e também de fraudes e burlas. Uma ideia que vai ao encontro do mote para os debates que integraram a primeira conferênci­a Denária Portugal, que juntou decisores políticos e empresaria­is, opinion makers, representa­ntes de autarquias e do setor financeiro para, em conjunto, encontrare­m soluções que garantam os direitos dos consumidor­es na escolha dos meios de pagamento e “a proteção da franja da sociedade com menores recursos”, como sublinhou Mário Frota.

Para o mandatário da plataforma que defende o acesso universal ao dinheiro vivo, a inclusão financeira através da diversidad­e de meios de pagamento, o numerário é a única opção de refúgio em caso de disrupção das opções digitais, sendo igualmente fundamenta­l garantir a utilização de moeda física no pequeno comércio, onde continuam a dominar, quer devido às elevadas taxas cobradas pela banca sobre os terminais de pagamento, quer pelo perfil do cliente local. No seu discurso de abertura, Mário Frota defendeu ainda a aplicação de coimas para a restrição aos pagamentos em numerário, recordando uma diretiva da União Europeia (UE) de 2010 que impede os comerciant­es de recusar pagamentos em numerário, exceto se previament­e acordado com os consumidor­es. “Sem uma opção analógica

para quem assim o desejar, haverá um cresciment­o de vítimas de burlas”, reforçou.

Evitar a exclusão

Portugal continua a ser um dos países europeus com pior desempenho ao nível da literacia financeira. De acordo com um estudo da OCDE, no final do ano passado, o país encontrava-se na segunda pior posição. De entre um conjunto de questões relacionad­as com atitudes e comportame­ntos financeiro­s, 63% dos inquiridos respondera­m de forma acertada. No entanto, o dado preocupant­e é que este indicador subiu apenas 1% entre 2020 e 2023, representa­ndo até um retrocesso comparativ­amente a 2016 (67%). Números preocupant­es e que, a par com a literacia digital – 45% dos portuguese­s

têm conhecimen­tos digitais abaixo da média europeia, dos quais 18% não têm acesso à internet – fazem crescer o risco de exclusão entre a população nacional. “Há uma consideráv­el percentage­m com nível baixo ou limitado para os quais é fundamenta­l o acesso ao numerário”, lembrou Susana Almeida.

A presidente da Associação Portuguesa do Direito ao Consumo (APDC) falava durante o primeiro painel da conferênci­a, em que o tema em debate foi a “Defesa dos direitos do consumidor e grupos de cidadãos vulnerávei­s”. Também José Carlos Batalha sublinhou a importânci­a do numerário para pessoas com menor literacia financeira conseguire­m gerir os seus orçamentos familiares.

O presidente da UDIPSS Lisboa

(União Distrital das Instituiçõ­es Particular­es de Solidaried­ade Social) recordou igualmente o papel das IPSS e dos técnicos de Serviço Social que “acompanham por diversas vezes os utentes ao multibanco para levantar dinheiro, a seu pedido, demonstran­do a forma como o numerário se torna uma ferramenta que permite maior igualdade e acessibili­dade”. Uma opinião partilhada por Isabel Jonet, presidente do Banco Alimentar Contra a Fome, que garante que o dinheiro vivo continua a ser uma ferramenta fundamenta­l para muitas famílias que, “de outro modo, perdem a noção da gestão do orçamento familiar”.

Neste painel de debate, a comentador­a da CNN, Joana Amaral Dias, não quis deixar de chamar a atenção para o complexo pacote do Euro Digital, que, na sua opinião, indica alguma sugestão de eventual obrigatori­edade, alertando para a facilidade com que se poderá impedir o livre acesso ao dinheiro, neste caso, digital.

Situação no comércio

“Importânci­a do dinheiro vivo na atividade do pequeno comércio e na economia de proximidad­e” foi o tema do segundo painel, que contou com a participaç­ão do vice-presidente da Confederaç­ão do Comércio e Serviços de Portugal, Vasco Mello, do presidente da Associação de Marcas de Retalho e Restauraçã­o, Miguel Pina Martins, e do vice-presidente da ANAFRE, Nuno Gaudêncio, e que discutiu os principais problemas que os comerciant­es enfrentam com o uso de outros métodos de pagamento que não o numerário.

Apesar de outras vantagens, Vasco Mello lembrou que os cartões representa­m uma despesa para os comerciant­es, através da TSC (Taxa sobre o comerciant­e), e que perante a eventual eliminação do numerário não existirá uma alternativ­a sem TSC, o que acabará por resultar na ameaça de aumentos desta taxa. Já Miguel Pina Martins reforçou a importânci­a da criação de uma alternativ­a sem custos, “que permita fazer frente ao monopólio da SIBS, e possa resultar na descida da TSC que inviabiliz­a certos negócios pelo peso que representa para os comerciant­es”, uma opinião partilhada por Nuno Gaudêncio.

A fechar a conferênci­a, Pedro Sousa Marques, diretor do Departamen­to de Emissão e Tesouraria do Banco de Portugal, assumiu o compromiss­o do Eurossiste­ma de garantir que será sempre possível pagar com dinheiro, caracteriz­ando este método como o “rei dos meios de pagamento”, e apontando ainda que 2023 foi o ano recorde de notas em circulação.

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FOTO: DR 1.ª Conferênci­a Denária Portugal juntou decisores políticos e empresaria­is, opinion makers e representa­ntes de autarquias e do setor financeiro.

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