Diário de Notícias - Dinheiro Vivo
“VOLATILIDADE DOS PREÇOS DOS PRODUTOS ALIMENTARES NÃO PODE SER TOTALMENTE EVITADA”
Da produção à distribuição, o descontentamento é unânime e o dia-a-dia desafiante. Entre as incertezas no contexto internacional e a legislação exigente, “desenhada sem o contributo das partes interessadas”, erguem-se as vozes de quem se vê obrigado a ger
Pressões internas e externas dificultam a vida aos players que integram a cadeia de distribuição alimentar nacional que, da produção à distribuição, lutam para levar os alimentos à mesa dos portugueses, sem constrangimentos, e garantindo a cobertura dos custos inerentes às suas atividades.
Ao longo de três anos, resiliência tem sido a palavra de ordem para quem atua na cadeia alimentar e teve de adaptar-se às consequências dos conflitos armados em curso, às tensões geopolíticas, ao aumento do custo dos fatores de produção, de matérias-primas, da energia e dos transportes que, em conjunto com a evolução das taxas de juro e da inflação tornam desafiante traçar cenários a médio e longo prazo. Constrangimentos que afetam toda a cadeia, de montante, a jusante.
“A volatilidade dos preços dos produtos alimentares é algo que não pode ser totalmente evitado, já que depende de fatores que lhe são externos”, diz Isabel Carvalhais. No entanto, a eurodeputada, membro da Comissão da Agricultura e do Desenvolvimento Rural, reconhece que “muitos destes aumentos de preços são de natureza especulativa, com apostas financeiras em torno dos preços dos alimentos e dos mercados de mercadorias”.
A título de exemplo, Isabel Carvalhais recorda que são apenas quatro as empresas que controlam 70 a 90% do mercado mundial de cereais. “Em 2021-2022, estas empresas obtiveram lucros extraordinários, enquanto os agricultores sofriam a enorme pressão sobre os preços dos fatores de produção que necessitam para as suas culturas”.
A eurodeputada defende, por isso, uma ação forte da União Europeia e dos governos “que devem agir urgentemente para minimizar os riscos de aumentos de preços devido à especulação, aumentando a transparência do mercado”.
Uma política agrícola forte e verdadeiramente comum é, na sua opinião, fundamental para garantir a autonomia alimentar estratégica da Europa, mas também para garantir a estabilidade do abastecimento alimentar a longo prazo. “Isto significa apoiar a transição para sistemas agrícolas mais sustentáveis do ponto de vista ambiental, ou a necessidade para uma revitalização e rejuvenescimento muito urgentes do mundo rural”.
Numa altura em que o contexto internacional continua a não facilitar a definição de estratégias de médio e longo prazo, “os operadores económicos são obrigados a encontrar metodologias assentes na
flexibilidade, na agilidade e numa capacidade de ser eficiente em todas as decisões tomadas, num contexto de perda de confiança do consumidor”, afirma o diretor-geral da Associação Portuguesa das Empresas de Distribuição (APED). Desde a pandemia e dos seus efeitos sobre as cadeias de abastecimento, “a incerteza é o que temos de mais certo”, reforça Gonçalo Lobo Xavier.
Produção nacional “mais forte”
Apoiar devidamente a produção nacional para um funcionamento pleno de todos os elos da cadeia é, na perspetiva da APED, o ponto de partida para resolver o problema da pressão sobre os preços. “Todos ganham com uma agricultura e produção nacional mais forte”. O diretor-geral da associação que representa as empresas de distribuição lembra que a APED tem alertado para a necessidade de olhar e apoiar todos os elos da cadeia de abastecimento. “Não basta, e é redutor, atribuir à distribuição, enquanto elo final, a responsabilidade pela pressão que existe em toda a cadeia, desde a produção até chegar ao consumidor final”, acrescenta.
Um exemplo do que podia ser um apoio à produção para evitar a subida dos preços, mas que, na perspetiva dos representantes dos agricultores, “morre na praia” é o pacto do IVA Zero. “Os apoios chegaram tardiamente, mas foram importantes para ajudar a que os preços não subissem tanto”, afirma Luís Mira, secretário-geral da Confederação dos Agricultores Portugueses (CAP). Contudo, “não garantir que estes apoios se mantêm, e até que sejam reforçados, é um claro constrangimento ao funcionamento da cadeia de abastecimento”.
Os operadores envolvidos na produção, processamento e distribuição de alimentos ao consumidor final esperam que as políticas públicas consigam dar uma resposta mais efetiva e direcionada aos desafios que enfrentam. Nos últimos anos, “não houve preocupação quase nenhuma com o setor agrícola”, aponta Firmino Cordeiro.
Em declarações ao Dinheiro Vivo, o diretor-geral da Associação dos Jovens Agricultores de Portugal (AJAP) critica “a falta de esforço para colmatar situações delicadas”, e uma excessiva burocracia que desmotiva e afasta quem precisa de apoio. E exemplifica: “No caso das secas, recebemos tarde e a más horas, depois de ultrapassar as regras burocráticas que complicam os processos”.
Uma opinião partilhada por Luís Mira que aponta o agravamento geral das condições de produção no país, com reflexo no preço para o consumidor. “Ao contrário do que se passou em Espanha”, diz o responsável, em Portugal, os agricultores não têm sido devidamente
Numa altura em que o contexto internacional continua a não facilitar a definição de estratégias de médio e longo prazo, “os operadores económicos são obrigados a encontrar metodologias assentes na flexibilidade, na agilidade.”
São apenas quatro as empresas que controlam 70% a 90% do mercado mundial de cereais, sublinha a eurodeputada Isabel Carvalhais, membro da Comissão da Agricultura e do Desenvolvimento Rural.
apoiados “para mitigar os graves efeitos da seca recente”. Na opinião do dirigente da CAP, a falta de pagamentos atempados aos agricultores e uma gestão mais eficiente da Política Agrícola Comum (PAC), “também não contribuíram para aliviar a pressão sobre a produção”. Um dos problemas, acrescenta Firmino Cordeiro, é o facto de tradicionalmente o Ministério da Agricultura ser muito limitado e de estar reduzido na sua dimensão. “A pasta da Agricultura é o elo mais fraco na hierarquia do Governo, o que tem prejudicado um setor que produz, que exporta e que alimenta.”
É por isso que o grande desejo do responsável da AJAP é que o setor “não seja submisso ao Ambiente, à Coesão Territorial ou à Economia, que tenha as suas articulações com estes ministérios claras, bem definidas, e de entreajuda quando é necessário, para distribuir os fundos”.
A distribuição aponta entre os desafios que se impõem ao setor – alguns dos quais em comum com a produção –, o tsunami legislativo com epicentro em Bruxelas, que “traz consigo um conjunto de alterações legislativas com impacto para o setor, que suscitam dúvidas e que requerem tempo para haver uma capacidade de adaptação e de ajustamento em termos operacionais”, diz ao Dinheiro Vivo Gonçalo Lobo Xavier.
O diretor-geral da APED acrescenta igualmente as dificuldades colocadas pela realidade legislativa nacional que, muitas vezes, “é desenhada sem integrar contributos das partes interessadas ou sem conceder um período de tempo razoável para o setor se pronunciar”. Uma atuação que, na sua opinião, permitiria acautelar desafios na aplicação prática das normas.