Diário de Notícias - Dinheiro Vivo
Não querendo ser mais dramático do que a realidade
tarde demais quando já não há esperança. E na habitação, ressurge um certo otimismo de muitas famílias agora que, pela primeira vez desde março de 2022, a taxa de juro implícita no conjunto dos contratos de crédito da casa desceu, mas pouco – ainda está nos 4,641% e a prestação média mantém-se acima dos 400 euros, que é uma fasquia recorde, bastante penalizadora, alcançada em dezembro. O problema é grande para quem nos últimos dois anos suportou o brutal aumento da prestação da casa, e tornou-se desolador também para quem quis fazer o investimento de uma vida. Como damos conta nesta edição, as dificuldades das famílias provocaram uma queda de 20% na venda das casas. Já era esperado. Não são só os preços elevados que preocupam as famílias, muitas não têm acesso a crédito aos valores atuais. E muitas, com certeza, perderam grande parte da esperança na compra de habitação – não querendo ser mais dramático do que a realidade.
Luís Montenegro, indigitado esta semana primeiro-ministro, tem de atacar o problema da habitação desde cedo, se quer realmente que o seu Governo esteja à altura da mudança – será tarde demais quando já não houver de facto esperança. Se o PS não foi eleito, em parte se deve à ineficácia das políticas públicas na habitação e à falta de resposta imediata para um problema que está há muito identificado, para uma realidade que não podia ser mais dramática e que deixa as pessoas descontentes. E é com esta observação da realidade que deve agir o próximo Governo, até porque as medidas nunca serão tão céleres quanto as pessoas gostariam que fossem. E todos sabemos que o otimismo com a descida das taxas de juro na habitação não faz com que elas desçam mais depressa – porque ainda será lenta a descida. Se a compra de habitação está dificultada, o mercado do arrendamento fica mais pressionado.
“O rendimento disponível real das famílias sobe 4% em 2024 e 1,9% em 2025-26 [e o salário médio deve crescer 4,4% este ano e 3,8% nos próximos dois], beneficiando da descida da inflação e das expectativas de redução da taxa de juro, da dinâmica dos salários e das prestações sociais, e da redução dos impostos diretos”, prevê o boletim do Banco de Portugal (BdP). A economia deverá crescer 2% em 2024, em vez dos 1,2% previstos no boletim de dezembro. Acontece que o primeiro-ministro indigitado não se pode contentar apenas com estes ganhos previstos de rendimento dos portugueses e do aumento das poupanças entre 2024 e 2026, que ajuda, com o crescimento do consumo privado, a estimular a economia, é certo. Só que isto não resolve todos os problemas das famílias – o aperto é tão grande que um pequeno alívio beneficia os cofres do Estado, mas pouco ou nada ajuda na resolução de problemas reais como o do acesso à habitação – este não vai lá com paninhos quentes.
Com a habitual prudência, o governador do BdP, Mário Centeno, não antecipa o próximo corte de juros do BCE. A atual conjuntura económica internacional está longe de dissipar o clima de incerteza. O que é mais do que suficiente para um otimismo tímido.