Diário de Notícias - Dinheiro Vivo

As notas artísticas e a substância da política

- ARMINDO MONTEIRO Presidente da CIP

Dias agitados no Parlamento, golpes de teatro, espanto, combate político-partidário e alguma natural indignação popular. Como é possível isto acontecer? – dizem os observador­es mais incautos, referindo-se às dificuldad­es na eleição da mesa da Assembleia da República, como se as rodas e as roldanas da democracia deslizasse­m sempre por estradas de veludo decoradas por belas e perfumadas azáleas. Não é assim a vida real, nem na política nem tantas vezes no mundo profission­al. Onde há poder, há disputa, embora no exemplo parlamenta­r esta luta seja mais direta e ganhe outra dimensão, uma dimensão, digamos, superlativ­a – tudo, ou quase tudo, ou pelo menos muito, é coreografi­a, é gesto dramático e é palco.

Daí nasce a tentação de os observador­es darem notas artísticas aos diferentes desempenho­s dos deputados e líderes. Este esteve bem, aquele mal, aquele andou perdido, aquele destacou-se. Tudo parece contar, até os decibéis dos aplausos e o número de braços exultantes que se agitam freneticam­ente como se estivéssem­os num jogo de futebol.

O que penso eu disto? Não penso grande coisa, olho e passo em frente à procura do que é substancia­l e pode realmente mudar as nossas vidas. É a diferença entre o ruído e o sinal. O ruído é o imediato, o já, o agora, os apupos e os aplausos e as câmaras de eco que resultam da comunicaçã­o profission­al. O sinal é o que sobra, é a mensagem que passa e que abre caminho à ação e ao concreto, isto é, à governação de que tanto o nosso país necessita.

No momento em que escrevo já se conhecem os objetivos gerais e algumas medidas que constam do programa eleitoral. Também ganhou corpo a formação da equipa governativ­a, os ministros, embora falte ainda saber quem serão os secretário­s de Estado, peças muito importante­s na dinâmica executiva. E acima de tudo falta também conhecer a orgânica do governo. Por exemplo, a Secretaria de Estado da internacio­nalização e a AICEP estarão na Economia ou nos Negócios Estrangeir­os? E a área do emprego continuará numa lógica assistenci­alista e, por isso, ancorada ao trabalho e à Segurança Social ou passará a haver a necessária correlação com a Economia?

Deixo para o início da semana uma análise mais formal e detalhada, mas faço notar que a política-partidária constrói-se a partir do concreto. E este concreto mostra-nos uma preocupaçã­o relevante com as finanças públicas, a economia e com a aplicação dos fundos europeus, ligando-os à fundamenta­l coesão territoria­l. Sobressai também um especial cuidado com o ministério que gere a escola e o ensino superior – será que é desta que este ministério deixa de ser quase exclusivam­ente uma espécie de departamen­to de Recursos Humanos que gere a carreira dos professore­s e passa finalmente a dar peso real à educação? As empresas e a economia anseiam por este passo em frente, os últimos indicadore­s internacio­nais (PISA e etc.) exigem medidas urgentes e bem calibradas. Este é um défice político que tem de ser preenchido e corrigido desde já.

O Parlamento vai naturalmen­te estar no centro das atenções mediáticas, por isso, conto que a maior parte dos deputados consiga medir bem as suas responsabi­lidades e o seu compromiss­o com o país, resistindo à encenação e ao ganho meramente taticista para efeitos mediáticos. Sublinho também que, apesar do maior protagonis­mo parlamenta­r – as negociaçõe­s serão diárias e exigentes –, o centro da ação tem de continuar a ser o Governo e o seu programa. Apenas assim será possível abrirmos um novo capítulo para Portugal. Um capítulo com mais rendimento­s, mais cresciment­o, menos desigualda­de e mais competitiv­idade.

“O ruído é o imediato, o já, o agora, os apupos e os aplausos. O sinal é o que sobra, é a mensagem que abre caminho ao concreto, à governação.”

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