Diário de Notícias - Dinheiro Vivo

Contrato com a ANA é muito condiciona­dor e está montado para favorecer os seus lucros”

Coordenado­ra da Comissão Técnica Independen­te alerta que renegociaç­ão do contrato de concessão com a ANA Aeroportos deve ser prioridade de Luís Montenegro por ter “custos gigantes para os contribuin­tes”.

- Texto: Rute Simão e Ana Maria Ramos (TSF) Possivelme­nte, assim como Beja. www.dinheirovi­vo.pt

Chegou ao fim o mandato do grupo de trabalho liderado por Maria do Rosário Partidário, cuja missão foi a de avaliar as opções estratégic­as para aumentar a capacidade aeroportuá­ria da região de Lisboa. Ao novo governo deixa a recomendaç­ão de renegociar o contrato com a concession­ária dos aeroportos nacionais, a quem não poupa críticas. Maria do Rosário Partidário garante que o documento não defende o interesse público e “tem custos gigantes para os contribuin­tes”. Sobre Santarém, atesta que se a avaliação não fosse obrigatóri­a, a opção teria caído à priori tal como Beja. Análise foi feita por “uma questão de conforto” para a região. Já sobre o Montijo está confiante que o chumbo da Agência Portuguesa do Ambiente à declaração de impacte ambiental seja o ponto final na discussão sobre a opção. E, relativame­nte à falta de uma solução de curto prazo, diz que objetivo nunca foi o de resolver o estrangula­mento momentâneo na Portela, mas sim, olhar para um aeroporto de futuro.

Foram 16 meses de trabalho e 2,5 milhões de euros de orça

mento. Foi suficiente ou se houvesse mais tempo e mais dinheiro teria sido possível fazer mais avaliações?

Não chegámos a gastar os 2,5 milhões – que ainda incluíram 300 mil euros de IVA. Gastámos 2,1 milhões. Só tivemos cinco meses para realizar os estudos, isto porque os contratos se atrasaram muito. Se tivéssemos tido a hipótese de contratar a partir de janeiro tínhamos feito os trabalhos com mais calma. Fizemos tudo na mesma, mas em contra-relógio.

Há quem defenda que o país não precisa de um novo aeroporto. Teria feito sentido procurar alternativ­as antes de estudar localizaçõ­es?

Fizemos isso, a primeira fase foi de reflexão. Fomos ver a evolução nas exportaçõe­s e, na última década, enquanto que na Europa a tendência foi, em geral, para uma crise, Portugal continuou a aumentar. Portugal tem estado sempre a pensar no tráfego aéreo para o turismo e não para outras atividades económicas. 90% do transporte de carga vem em aviões de passageiro­s, o transporte de carga per si acaba por não ser muito utilizado, mas poderia ser mais se realmente houvesse essa dinamizaçã­o. Quem acha que não precisamos de um aeroporto é porque pensa no aeroporto de Lisboa para receber turistas em Lisboa e se calhar acha que os turistas vão para Madrid e, depois, quando houver uma linha de alta velocidade, vêm de Madrid para aqui. Porque a ferrovia em Portugal vai ser importante com a linha de alta velocidade e com a melhoria da linha do Norte. Nas pastas de transição entre os governos, a ferrovia está lá bastante desenvolvi­da, com várias linhas a desenvolve­r no Alentejo, no Algarve, no Norte, na Beira, em todo o lado. Só que isso é algo que já precisamos há 50 anos. Tal como o aeroporto.

Esteve tudo parado. Uma das coisas que concluímos é que todas as capitais europeias, praticamen­te, com exceção de Varsóvia, que tem agora em construção um novo aeroporto, todos os outros já foram feitos. Não há capital europeia que tenha um aeroporto no centro da cidade. E nós já o devíamos ter feito há pelo menos há 15 anos, quando já houve uma via favorável para um aeroporto no Campo de Tiro de Alcochete, a que a ANA resolveu não dar sequência. Não tem havido investimen­to nem no setor aeroportuá­rio, nem na ferrovia. Portanto, estamos com anos de atraso e o que temos agora de fazer é compensar esse atraso.

A renegociaç­ão do contrato com a ANA é uma das recomendaç­ões do grupo de trabalho que liderou. Deve ser uma das prioridade­s de Luís Montenegro?

Deve. Porque o contrato da ANA é muito condiciona­dor de todas as opções que se vierem a fazer, sobretudo se for aplicado diretament­e como está. Tem custos gigantes para os contribuin­tes e para o país, porque está montado para favorecer os interesses privados da ANA e não para defender os interesses públicos do país. É tudo desenhado para favorecer os lucros da ANA, de tal maneira que o cálculo de uma eventual resolução de contrato implicaria ter de pagar todas as taxas que a ANA deixasse de receber.

Que aspetos deveriam ser renegociad­os?

Um contrato assume que há duas partes e, normalment­e, tem de ter equilíbrio de interesses entre as partes e o concedente tem por obrigação assegurar o interesse público.

Isso deveria ter sido feito em 2012?

Em 2012. Mas, lá está, o que me dizem sempre é que o governo estava numa situação economicam­ente muito difícil, dependente de financiame­ntos para poder fazer face à dívida soberana. Mas é preciso ter perspetiva. Uma das principais críticas que tem sido feita ao trabalho da CTI, até pela Confederaç­ão do Turismo de Portugal (CTP), é o facto de não existir uma solução de curto prazo. Portanto, pelo menos durante mais sete ou dez anos, a Portela tem de continuar a recusar voos?

Isso não é verdade. A Portela vai ter de continuar a ser um aeropor

“Objetivo nunca foi o de resolver o estrangula­mento momentâneo na Portela, mas sim olhar para um aeroporto de futuro.”

Se Santarém não constasse da Resolução do Conselho de Ministros “possivelme­nte” seria descartado à partida “tal como Beja”.

to em sistema dual, havendo uma primeira pista já num aeroporto definitivo. Essa primeira pista, no nosso cronograma, se for o Campo de Tiro de Alcochete, são seis anos, se a decisão for tomada já.

Sem referir a declaração de impacte ambiental e restantes procedimen­tos e possíveis atrasos. Sim, mas no caso do Campo de Tiro de Alcochete não se vai partir do zero. Os estudos têm 15 anos.

Como ficará a Portela entretanto?

Quanto ao curto prazo é importante dizer o seguinte: a RCM [Resolução do Conselho de Ministros] não nos pediu qualquer solução para o curto prazo, pediu-nos uma avaliação estratégic­a do aumento da capacidade aeroportuá­ria, tendo em consideraç­ão 50 anos de operação.

O objetivo nunca foi resolver o estrangula­mento momentâneo da Portela?

Momentâneo não, nós é que fizemos essa diligência.

Por iniciativa própria?

Por iniciativa própria. E foi por isso que fomos olhar para o aeroporto Humberto Delgado e para outras possibilid­ades, só nos saiu Tires, não encontrámo­s mais nenhuma solução. Inclusive, tentámos pensar no que seria usar o Montijo com a pista existente, mas, de facto, não dava. Passou-nos tudo pela cabeça para justamente tentar resolver. Não há condições para fazer, porque o aeroporto do Montijo tem um vinte avos dos voos, até menos, de um aeroporto comercial. Não é compatível, não está preparado para estar a receber essa intensidad­e. Além disso, pensámos, e daí também termos sugerido Beja, nomeadamen­te para charters e carga, mas, lá está, a carga vem nos aeroportos de passageiro­s e as companhias aéreas não querem voar para Beja. Beja é o típico exemplo de que não basta construir um aeroporto, tem de haver uma dinâmica económica associada.

Tem ideia de quantos voos é que a Portela terá de recusar até que a primeira pista de Alcochete esteja pronta?

Não, nem quero ter. Porquê?

Porque não quero, quero é que o aeroporto avance. E, portanto, quanto mais depressa avançar, mais depressa temos uma primeira pista para receber esses voos. As obras da ANA estarão prontas em 2027 e, pelas nossas contas, a primeira pista de Alcochete estará pronta em 2030. Um aeroporto não é uma estação de camionagem, não é uma coisa que se faça de um dia para o outro. Não é pôr mais uma banquinha para vender bilhetes e abrir uma porta para entrarem as Ryanair desta vida em que vai tudo ali engalinhad­o. A Confederaç­ão do Turismo de Portugal há muitos anos que sabia que o aeroporto ia esgotar e foi na conversa do Montijo. E ninguém quer saber se há 500 mil pessoas a serem afetadas na sua saúde, com ruído, afetadas psicologic­amente, mais as áreas protegidas que são 30% da importânci­a ornitológi­ca na Europa.

Acredita que o chumbo da Agência Portuguesa do Ambiente à Declaração de Impacte Ambiental do Montijo elimine de vez esta opção?

Tenho fortes esperanças de que sim.

Vai facilitar o trabalho do governo?

Penso que sim. Primeiro, é uma decisão de uma autoridade nacional que faz parte da estrutura governamen­tal. Não vejo qual é a razão da ANA de poder levar a tribunal uma decisão de uma autoridade nacional. Segundo, está baseada em estudos técnicos. Terceiro, está baseada e tem como apoio a Avaliação Ambiental Estratégic­a, que é um instrument­o legal e que foi agora publicado o relatório que demonstra que o Montijo não é uma boa opção nem ambientalm­ente, nem de saúde pública, nem de território, nem de economia e finanças.

Acredita que o governo seguirá as linhas do relatório?

Não sei se vai escolher Alcochete, pode escolher Vendas Novas. O problema de Vendas Novas é que tem menos estudos, mas até está mais bem servido por estruturas de acessibili­dade. Se bem que o Campo Tiro de Alcochete está mais perto de Lisboa. Claro que Vendas Novas tem a vantagem ambiental porque afeta menos as aves migratória­s, tem menos problemas com os recursos subterrâne­os, tem o mesmíssimo problema, ou pior ainda, dos sobreiros. Do ponto de vista de coesão territoria­l para o sul é melhor também, mas não satisfaz tanto aquilo que é a massa crítica da região de Lisboa, do ponto de vista económico e do ponto de vista de desenvolvi­mento.

A ANA pode ser o grande entrave nestas negociaçõe­s ou acredita no entendimen­to na opção recomendad­a?

A ANA já se fez ouvir através do engenheiro Thierry Ligonnière, que está disponível para aceitar a opção que o governo entender.

Mas pode exigir contrapart­idas?

Vai sempre exigir contrapart­idas. Agora, é preciso sublinhar que há um parecer do Tribunal de Contas, de janeiro de 2024, que é muito explícito sobre as condições em que foi realizada a assinatura do contrato de concessão e a compra da ANA. E esse contrato e esse parecer não podem ser esquecidos nas negociaçõe­s.

Santarém foi a surpresa do relatório final, tendo sido considerad­o viável como complement­ar à Portela. O que é que vos fez voltar atrás?

Não voltámos atrás. Volto a repetir: no primeiro relatório preliminar, a avaliação que foi feita foi em relação à capacidade de Santarém se constituir como um hub interconti­nental e foi isso que dissemos, que não tem capacidade.

Mas não avaliaram logo esta possibilid­ade de ser complement­ar à Portela? Porque é que isso só surgiu agora?

Porque vimos todas as soluções duais seguidas de uma única. Porque desde o princípio que assumimos que o aeroporto devia ser único. Vimos todas os duais como evolução para o único: Santarém, Campo de Tiro de Alcochete e Vendas Novas. Em todos fizemos essa leitura e chegámos à conclusão, por via da limitação de espaço aéreo, que se mantém e, aliás, agora demonstrad­íssimo com o ofício do Estado-Maior da Força Aérea. Quando chegámos a essa conclusão, agora para a segunda fase, que havia de facto uma expectativ­a muito grande de Santarém ter um aeroporto, fizemos um raciocínio do género do que já tínhamos feito para Beja. Ou seja, quando eliminámos Beja na primeira fase, Beja aceitou que não podia ter um aeroporto, mas pediu-nos que disséssemo­s algumas palavras que apoiassem a revitaliza­ção do aeroporto de Beja.

Então com Santarém foi mais uma questão de conforto?

Foi de conforto para dar alguma importânci­a à coesão territoria­l a nível nacional, ao facto de eles terem alguma procura justificad­a pela procura de Fátima, de ter, eventualme­nte – se houvesse condições para isso, o que não nos parece que haja do ponto de vista económico, de fazer dois aeroportos –, um privado que quisesse construir, isso poderia, eventualme­nte, até ajudar a resolver. Repare, este processo de negociação com a ANA não se sabe quanto tempo vai levar, pode levar até cinco anos. Ora, em cinco anos, Santarém faz um aeroporto privado e aí, se calhar, pode ajudar à negociação com a ANA. E essa foi outra das razões para recuperarm­os Santarém com complement­ar.

Se Santarém não constasse da RCM teriam descartado esta opção à partida?

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