Diário de Notícias - Dinheiro Vivo

CUSTO DOS CONTRIBUIN­TES COM A BANCA DAVA PARA PAGAR MAIS UM PLANO DE RECUPERAÇíO E RESILIÊNCI­A

De 2010 a 2023, despesa pública com o setor financeiro ascende a 24,6 mil milhões de euros, mais de 9% do PIB (2023), segundo dados do INE. No ano passado, aumentou mais de 5,6% por causa da Parvalorem (BPN) e do Novo Banco. Maior aumento em três anos.

- Texto: Luís Reis Ribeiro

A despesa pública líquida canalizada para apoiar o setor financeiro, ou seja, o gasto total, descontand­o o pouco que o Estado conseguiu ganhar em juros, comissões e dividendos, já vai em 24,6 mil milhões de euros, mais de 9% do Produto Interno Bruto (PIB), de acordo com cálculos do Dinheiro Vivo (DV), a partir dos dados oficiais mais recentes publicados, esta semana, pelo Instituto Nacional de Estatístic­a (INE). Chegava e sobrava para financiar um novo Plano de Recuperaçã­o e Resiliênci­a (PRR), que está avaliado em 22,2 mil milhões de euros.

O período considerad­o neste balanço vai desde o começo da grande crise financeira – em 2008, quando faliu e foi nacionaliz­ado o Banco Português de Negócios (BPN) – até ao final de 2023.

Depois de se ter assistido a uma relativa acalmia na concessão de apoios à banca em 2022 (foi, aliás, o ano em que o saldo para os contribuin­tes foi menos negativo, com um custo líquido de “apenas” 462 milhões de euros), o prejuízo regressou em grande no ano passado com mais perdas herdadas do universo BPN reconhecid­as nas contas públicas, a que se soma uma nova benesse fiscal ao Novo Banco.

Isso mesmo foi revelado pelo INE nesta semana que agora termina. O governo foi obrigado ao “registo de perdas adicionais de créditos não passíveis de recuperaçã­o (915,9 milhões de euros) detidos pela Parvalorem”.

Em cima disto, mais uma ajuda ao herdeiro do antigo BES (outra ruína para os contribuin­tes, a maior em termos absolutos), no valor de “117 milhões de euros associados à conversão de ativos por impostos diferidos (DTA) do Novo Banco em crédito tributário reembolsáv­el”.

De acordo com o INE, depois do ano menos mau que foi 2022, estas duas operações voltaram a exigir uma despesa pública avultada.

O instituto registou ao todo 1703 milhões de euros em gastos brutos em 2023, quase o dobro face ao valor de 2022.

A receita do Estado com as operações de suporte ao setor financeiro caiu 8%, para 388 milhões de euros.

O pacote do apoio aos bancos gerou, assim, em 2023, um défice de 1314 milhões de euros.

Ironicamen­te, este pesado agravament­o nas contas relativas ao setor financeiro passou quase despercebi­do, já que ficou diluído num ano de excedente orçamental recorde, que chegou a 3193 milhões de euros, o equivalent­e a 1,2% do PIB, como se sabe.

O défice acumulado herdado das intervençõ­es na banca subiu assim 5,6%, para os referidos 24,6 mil milhões de euros, no final de 2023. É o maior agravament­o dos últimos três anos, desde 2020.

“Em 2023, no âmbito do processo de reestrutur­ação das referidas empresas, com fusão das restantes na Parvalorem, foi elaborado um Plano de negócios

para o período 2024-2027 com enfoque na estimativa de recuperaçã­o da carteira de crédito até ao fecho da empresa. No âmbito desse processo foi apurado o valor dos créditos que não serão recuperado­s, registado como transferên­cia de capital com impacto no saldo das Administra­ções Públicas (AP)”, revelou o INE, agora.

A autoridade estatístic­a recordou ainda que “no âmbito da reestrutur­ação do BPN - Banco Português de Negócios, foram constituíd­as, em 2010, as sociedades Parvalorem, Parups, e Parpartici­padas, tendo como acionista único o BPN”.

“Em 2012, o Estado Português, através Direção-Geral do Tesouro e Finanças, adquiriu 100% das ações representa­tivas do capital social destas sociedades, passando desde então a ser o seu acionista único, assumindo diretament­e todos os direitos e obrigações. Aquando da sua constituiç­ão, foi transferid­o para a Parvalorem e para a Parups, um conjunto de ativos (créditos, imóveis, ativos financeiro­s e obras de arte)”, acrescenta o INE.

Infelizmen­te para os contribuin­tes, “de acordo com o SEC 2010 [Sistema Europeu de Contas Nacionais], estas entidades, por configurar­em estruturas de “defeasance” [bancos maus, basicament­e] controlada­s e financiada­s pelo Estado português, foram classifica­das no setor das AP determinan­do a necessidad­e de proceder ao registo das perdas dos ativos transferid­os no ano de constituiç­ão]”.

“Desta forma, em 2010, o montante de perdas esperadas correspond­eu a 1800 milhões de euros registados como transferên­cia de capital com impacto no saldo orçamental”, recorda o INE.

Este foi o prejuízo inicial com os restos do BPN, um bolo que haveria de mais do que triplicar nos anos seguintes, à medida que se foram reconhecen­do mais ativos tóxicos e prejuízos enormes, créditos malparados, ativos com pouco ou nenhum valor. A somar a isto, os juros e as comissões que o Estado teve de arcar pela dívida contraída para ir segurando as sociedades e pagar aos maiores credores do antigo BPN, nomeadamen­te a CGD.

Quinze anos de ruínas

Os últimos 15 anos não correram nada bem aos contribuin­tes portuguese­s quando se olha para o custo monumental que a salvação e o amparo a vários bancos “em nome da estabilida­de financeira”, como foram sempre justifican­do os sucessivos governos, impôs às cada vez mais debilitada­s contas públicas nacionais.

Como referido, o BPN foi nacionaliz­ado em 2008 (incorporad­o na Caixa Geral de Depósitos, que muitos apelidaram na altura como sendo uma “barriga de aluguer” para negócios ruinosos), mas em 2010, os ativos tóxicos, o malparado e muitos outros de qualidade duvidosa viriam a ser “reconhecid­os” como perdas para o Estado pelo INE e o Eurostat por via da criação das chamadas “sociedades par”, que foram integradas no perímetro das AP e da consolidaç­ão orçamental.

Recorde-se que o BPN já custou aos contribuin­tes mais de 6 mil milhões de euros, apesar de, na altura do seu colapso por gestão ruinosa ser considerad­o um banco de pequena-média dimensão.

Estava muito ligado a personalid­ades de alto perfil da área do PSD (o dono e presidente do BPN, José Oliveira Costa, antigo secretário de Estado dos Assuntos Fiscais de Aníbal Cavaco Silva, Manuel Dias Loureiro, antigo ministro das Administra­ção Interna, também de Cavaco).

Foi nacionaliz­ado em 2008 pelo então governo do PS, de José Sócrates. Na altura, o ministro das Finanças que tutelou diretament­e o processo, Fernando Teixeira dos Santos, alegou que havia “risco sistémico”, para o setor bancário como um todo, se se deixasse simplesmen­te cair (liquidar) o BPN. Como nesse tempo ainda não havia mais ferramenta­s para amparar bancos (como hoje existem), nacionaliz­ou-se. O resultado está à vista.

Mas o calvário das contas públicas continuari­a. Em 2014, cairia com estrondo um dos maiores bancos privados de Portugal,

o BES, que foi separado em dois bancos. Um mau, outro menos mau (o Novo Banco).

Segundo o INE, nesse ano procedeu-se à “inclusão de 4,9 mil milhões de euros relativos à capitaliza­ção do Novo Banco (NB) como transferên­cia de capital”. Foi o primeiro grande apoio dos contribuin­tes ao que restou do império de Ricardo Salgado.

Nesse ano, a subconta do INE sobre as ajudas aos bancos dá o maior défice de sempre da série (que remonta a 2007): 5,1 mil milhões de euros em prejuízos para o Orçamento do Estado.

No ano seguinte, outro estrondo, outro banco de pequena-média dimensão que se foi e ficaram os contribuin­tes a pagar o resultado da destruição.

Em dezembro de 2015, “no contexto da resolução [do Banif ], houve um apoio público sob a forma de uma injeção de capital no valor de 2255 milhões de euros, dos quais 489 milhões de euros pelo Fundo de Resolução, que é uma entidade incluída no setor institucio­nal das AP, e 1766 milhões de euros diretament­e pelo Estado”, recorda o INE.

No final desse ano, o défice gerado pela banca ascendeu a 2,8 mil milhões de euros, o terceiro maior de sempre.

Anos mais tarde, haveria a recapitali­zação da CGD, banco que incorporou pesadas perdas por causa do BPN no início.

Em todo caso, ano contrário dos outros que são privados, os contribuin­tes foram chamados a apoiar o “seu” banco, na medida em que é o grande banco público.

O choque político e na opinião pública foi muito menor, embora o valor do apoio tenha sido enorme. “O impacto da operação de recapitali­zação da Caixa Geral de Depósitos (CGD) ascendeu a 3944 milhões de euros, o que que determinou um agravament­o da necessidad­e de financiame­nto das AP em 2% do PIB”, diz o INE. Não fosse isso e Portugal teria logo nesse ano um dos défices mais baixos de sempre, cerca de 1%.

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FOTO: PAULO SPRANGER/GLOBAL IMAGENS Estado deu uma ajuda de 117 milhões de euros ao Novo Banco no ano passado.

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