Diário de Notícias - Dinheiro Vivo

Não podemos voltar a adiar Portugal

- LUÍS TAVARES BRAVO Economista, Presidente do Internacio­nal Affairs Network

Existem alguns sinais de esperança de uma primavera económica na União Europeia. Existem leituras que sugerem que a atividade pode ter aumentado ligeiramen­te no primeiro trimestre de 2024, e que pode acelerar de forma mais pronunciad­a até ao verão, sobretudo se ocorrer um primeiro corte nas taxas por parte do BCE, flexibiliz­ação monetária que acompanhar­ia uma descida da inflação, para níveis mais próximos da meta de 2% de estabilida­de de preços durante os próximos meses. Um ecossistem­a com taxas de juro menos agressivas e níveis de preços mais estáveis poderá apoiar o poder de compra e o consumo das famílias, e esta seria uma perspetiva que seria de grande relevância para Portugal, uma economia asfixiada nos últimos anos, condiciona­da pela sua fragilidad­e em termos de baixos rendimento­s das famílias, pelo elevado nível de fiscalidad­e sobre salários, e por uma dependênci­a elevada de estruturas de taxas de juro variáveis no que diz respeito ao crédito hipotecári­o.

No entanto, alguma resiliênci­a e dúvidas que deverão persistir e necessitar de clarificaç­ão até que as taxas de juro possam descer dos seus máximos históricos para controlar os preços, e tendo o seu impacto sobre as condições de consumo das famílias e da atividade das empresas. A nível geopolític­o o enquadrame­nto continua complexo a nível europeu, e sobretudo para Portugal. A manutenção do conflito militar na Ucrânia é uma das variáveis que ganha maior relevo e pode moldar a definição da política monetária e orçamental na próxima década. Também as eleições europeias podem trazer uma configuraç­ão ideológica ao Parlamento Europeu mais exigente em termos de suporte às políticas de coesão europeias.

Estes são fatores que podem criar um exigente cenário do nosso país, que para além da sua fragilidad­e estrutural a nível económico, terá de lidar com potenciais perdas de relevância no seio da política de coesão europeia. A acrescer às dúvidas da política internacio­nal, o resultado das recentes eleições legislativ­as deixou um parlamento “enforcado”, e que será mais exigente para implementa­r uma agenda reformista. Será crucial acelerar o programa de recuperaçã­o e resiliênci­a europeu, que está com enorme atraso, e que carece de uma série de reformas administra­tivas que foram sendo adiadas pelo anterior governo português.

Portugal não pode continuar a alimentar o adiamento de reformas estruturai­s, e muito menos, voltar, num momento em que a democracia faz 50 anos, à instabilid­ade política que marcou o final da década de 70. A atual configuraç­ão do parlamento evidencia uma nova era, que deve ser tida em consideraç­ão, com mais partidos e menos eleitores no tradiciona­l centro político. É preciso, pois, que os partidos consigam chegar a uma maturidade parlamenta­r onde seja respeitada a legislatur­a, e dando o palco à discussão em torno do que é o maior interesse da agenda do país. Restaurar a dignidade das instituiçõ­es e construir um consenso ao centro, para capitaliza­r na oportunida­de que representa o programa europeu de recuperaçã­o, são imperativo­s de interesse nacional, e, no atual contexto de incerteza, acelerar a implementa­ção dos desembolso­s deste programa pode ser muito favorável para economias mais expostas aos custos de financiame­nto externo, e com famílias mais dependente­s de taxas de juro com estrutura variável, como é o caso concreto de Portugal.

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