Diário de Notícias - Dinheiro Vivo
Não podemos voltar a adiar Portugal
Existem alguns sinais de esperança de uma primavera económica na União Europeia. Existem leituras que sugerem que a atividade pode ter aumentado ligeiramente no primeiro trimestre de 2024, e que pode acelerar de forma mais pronunciada até ao verão, sobretudo se ocorrer um primeiro corte nas taxas por parte do BCE, flexibilização monetária que acompanharia uma descida da inflação, para níveis mais próximos da meta de 2% de estabilidade de preços durante os próximos meses. Um ecossistema com taxas de juro menos agressivas e níveis de preços mais estáveis poderá apoiar o poder de compra e o consumo das famílias, e esta seria uma perspetiva que seria de grande relevância para Portugal, uma economia asfixiada nos últimos anos, condicionada pela sua fragilidade em termos de baixos rendimentos das famílias, pelo elevado nível de fiscalidade sobre salários, e por uma dependência elevada de estruturas de taxas de juro variáveis no que diz respeito ao crédito hipotecário.
No entanto, alguma resiliência e dúvidas que deverão persistir e necessitar de clarificação até que as taxas de juro possam descer dos seus máximos históricos para controlar os preços, e tendo o seu impacto sobre as condições de consumo das famílias e da atividade das empresas. A nível geopolítico o enquadramento continua complexo a nível europeu, e sobretudo para Portugal. A manutenção do conflito militar na Ucrânia é uma das variáveis que ganha maior relevo e pode moldar a definição da política monetária e orçamental na próxima década. Também as eleições europeias podem trazer uma configuração ideológica ao Parlamento Europeu mais exigente em termos de suporte às políticas de coesão europeias.
Estes são fatores que podem criar um exigente cenário do nosso país, que para além da sua fragilidade estrutural a nível económico, terá de lidar com potenciais perdas de relevância no seio da política de coesão europeia. A acrescer às dúvidas da política internacional, o resultado das recentes eleições legislativas deixou um parlamento “enforcado”, e que será mais exigente para implementar uma agenda reformista. Será crucial acelerar o programa de recuperação e resiliência europeu, que está com enorme atraso, e que carece de uma série de reformas administrativas que foram sendo adiadas pelo anterior governo português.
Portugal não pode continuar a alimentar o adiamento de reformas estruturais, e muito menos, voltar, num momento em que a democracia faz 50 anos, à instabilidade política que marcou o final da década de 70. A atual configuração do parlamento evidencia uma nova era, que deve ser tida em consideração, com mais partidos e menos eleitores no tradicional centro político. É preciso, pois, que os partidos consigam chegar a uma maturidade parlamentar onde seja respeitada a legislatura, e dando o palco à discussão em torno do que é o maior interesse da agenda do país. Restaurar a dignidade das instituições e construir um consenso ao centro, para capitalizar na oportunidade que representa o programa europeu de recuperação, são imperativos de interesse nacional, e, no atual contexto de incerteza, acelerar a implementação dos desembolsos deste programa pode ser muito favorável para economias mais expostas aos custos de financiamento externo, e com famílias mais dependentes de taxas de juro com estrutura variável, como é o caso concreto de Portugal.