Diário de Notícias - Dinheiro Vivo
Jorge Portugal “Apenas 6% das empresas que se dizem inovadoras colaboram com o setor académico”
Para o diretor-geral da COTEC Portugal, associação empresarial para a inovação, ter doutorados nas empresas é essencial para construir pontes com as universidades, promovendo a mesma cultura e linguagem.
D38 mil empresas que exportam, apenas uma em cada dez têm capacidade de desenvolvimento tecnológico próprio.” É o retrato que nos traça Jorge Portugal, diretor-geral da associação empresarial para a inovação COTEC Portugal, nesta conversa sobre inovação empresarial, olhando para a composição do novo governo e as necessidades mais urgentes para gerar riqueza para o país.
Com o novo governo a iniciar funções, quais são as prioridades que o novo ministro da Economia, Pedro Reis, deverá ter?
Diria que temos de olhar para aquilo que é a situação da economia portuguesa. Comecemos pelo setor exportador, que nos últimos dez anos tem vindo a abrir-se substancialmente do ponto de vista do seu peso do negócio internacional. Em 2010 tínhamos pouco mais de 30%. Hoje temos mais de 50%. Portanto, claramente, essa abertura é um sinal positivo. No entanto, o que sabemos é que das 38 mil empresas que exportam, apenas uma em cada dez têm capacidade de desenvolvimento tecnológico próprio, significa desenvolver produtos e processos de produção inovadores, mais sustentáveis, com menor consumo de recursos, com produtos com melhor ciclo de vida e, por isso, na prática, que respondam às necessidades dos clientes, dos clientes dos clientes e das empresas portuguesas. E é neste senria tido que diria que a primeira prioridade é alargar este núcleo de empresas que têm capacidade de desenvolvimento tecnológico próprio e que, acima de tudo, apostam e investem naquilo que é o balanço intangível, o balanço incorpóreo da empresa. E o que vemos, isto é um estudo recente de investigadores da Universidade de Coimbra, é que ao longo destes dez anos o investimento incorpóreo das empresas portuguesas não tem acompanhado esta abertura da economia. Portanto, há aqui, aparentemente, um desalinhamento entre aquilo que é o investimento que garante as margens, que garante a competitividade internacional, que garante que é possível vender com valor acrescentado e, por essa via, conseguir sustentar a função de inovação, o investimento, os jovens talentosos, fixá-los em Portugal e nas empresas portuguesas.
Mas como financiar essa inovação?
Isto é outro problema. É importante. Tradicionalmente, vemos que as empresas competitivas, que chamamos as inovadoras, estão em todas as áreas de atividade, principalmente no setor industrial, no setor transformador, espalhadas por todo o país. Quando se fala da coesão do país, vemos a importância de muitas PME que são grandes empresas a nível local porque são exportadoras, porque são altamente produtivas. E, nessa perspetiva, temos empresas que estão em crescimento, mas também temos empresas que, de facto, precisam de financiamento para crescer. E aqui há soluções que têm de vir de várias fontes. A primeira é, naturalmente, os capitais próprios. É os empresários perceberem que, para poderem crescer mais depressa e não tendo esse capital, têm de o ir buscar a algum lado, e, portanto, ir buscar investidores que possam acelerar a base de capitais próprios. O segundo é claramente a banca. A banca tem aqui um papel de financiamento da economia e, portanto, não deve ser exclusivo, mas é um papel importante. Terceiro, mas não deve aparecer como um fator de condição necessária, é um fator que adiciona, principalmente em áreas de maior risco como são, por exemplo, muitas das áreas associadas com a sustentabilidade, com novos processos produtivos, com a utilização de novas formas de inovação, de tecnologia, aí os fundos públicos têm um papel a desempenhar.
E acha que a aplicação dos fundos de financiamento público está direcionada para a inovação ou era preciso fazer muito mais e melhor?
O direcionamento dos fundos públicos, nomeadamente dirigidos ao investimento em investigação e desenvolvimento, portanto, em desenvolvimento de novas tecnologias que depois possam ser aplicadas no negócio, têm vindo a impulsionar um aumento significativo. Estamos a falar, nos últimos anos, de cerca de 15% ao ano do investimento em I&D das empresas e, portanto, agregado. O que vemos é uma grande disparidade. Vemos um núcleo muito pequeno de empresas que investem muito em investigação e desenvolvimento, voltamos aos tais um em cada dez exportadores, e depois vemos o resto das empresas que investem muito pouco. Portanto, há que trazer mais empresas, criar capacidade de investimento em investigação e desenvolvimento e, sim, exigir que esses fundos não sejam apenas considerados do ponto de vista do instrumento de política pública, apenas como uma despesa que a empresa tem de cumprir, mas a empresa deve prestar contas sobre exatamente como é que esse apoio foi transformado em exportações e em produtos e serviços comercializáveis no mercado internacional de médio ou alto valor.
E qual será o grande desafio do novo titular das Infraestruturas, Miguel Pinto luz?
Dentro do quadro da inovação, dias que um dos temas que é importante tem a ver com a digitalização das empresas e, portanto, a infraestrutura. Nos últimos 20 anos, Portugal foi um dos países onde as telecomunicações e as infraestruturas, portanto, a banda larga e as infraestruturas de telecomunicações, quer fixas, quer móveis, estiveram sempre na linha da frente. E temos dois associados no setor, neste caso a NOS e a Altice, que têm sido pródigos em investimento sucessivo nas várias gerações em termos de infraestruturas digitais. Esse, entre outros, será um dos temas, que a infraestrutura portuguesa continue competitiva do ponto de vista das telecomunicações e do digital. Diria que há outra questão que é a energia, porque hoje vamos crescer cada vez mais com um modelo que tem vindo a ser desenvolvido de um mix de energia, já com um pendor renovável bastante acentuado e, portanto, nesse aspeto é um fator de competitividade para a economia portuguesa.
Que contributo podem dar grandes obras públicas como o novo aeroporto ou o TGV?
“Quando se fala da coesão do país, vemos a importância de muitas PME que são grandes empresas a nível local porque são exportadoras, são altamente produtivas.”
O aeroporto e o TGV são questões recorrentes. Não vos queria maçar, nem os ouvintes, com mais uma opinião, mas, obviamente, sabemos quão importantes são as infraestruturas aeroportuárias para uma indústria que é fundamental para Portugal, que é o turismo. Também entendemos que, relativamente aos países da Europa, que estamos atrás na ferrovia de alta velocidade.
Neste governo existe o Ministério da Educação, Ciência e Inovação, mas a inovação toca muitos outros ministérios. Esta nova formação do governo compromete de alguma forma aquilo que é o investimento das empresas em investigação e desenvolvimento? De
facto, a pergunta que me faz tem toda a pertinência, porque se é relevante a política de inovação para a política de competitividade, para a competitividade das empresas, há que ter noção de que os fatores hoje modernos para a economia de inovação, portanto, os fatores contemporâneos que contribuem para a competitividade, são o capital humano avançado, e aqui não estamos a falar, note-se, de licenciados e mestrados. Estamos a falar já num nível avançado que são doutorados. A COTEC tem desenvolvido e lançou há pouco tempo uma plataforma a que chamou Programa D100<->E100, exatamente para colocar 100 doutorados em 100 empresas. Porque entendemos que é absolutamente essencial – não só a capacidade de um doutorado de poder resolver problemas concretos, de poder aprender mais rapidamente porque está treinado para isso, numa lógica mais abrangente do que o licenciado que tem uma formação mais específica, e de construir uma ponte e pontes com a mesma cultura e a mesma linguagem com a academia. Se calhar ficam surpreendidos de saber que, do ponto de vista de colaboração com as universidades, apenas 6% das empresas portuguesas que se dizem inovadoras colaboram com o setor académico. Houve aqui também um processo, ao longo destes anos, e começou há bastante anos, [por parte da COTEC] de chamar a atenção da banca, dos gestores de risco, dos gestores comerciais, exatamente de que é preciso olhar para o investimento das empresas no intangível, perceber qual é o papel do conhecimento, das marcas, dos modelos de utilidade. O Inovadora COTEC também tem tido esse papel e este ano é o quarto ano, já batemos os recordes, temos mais de 1300 empresas, posso anunciar aqui em primeira mão, e esperamos acabar nas 1500 ou 1600 candidaturas, o que significa que, sem fazer prognósticos antes do fim do jogo, teremos claramente mais de mil empresas em Portugal com o certificado e estatuto Inovadora.
Uma bandeira vossa, além da inovação, é a sustentabilidade.
E na sustentabilidade vamos lançar ainda este ano às inovadoras a possibilidade de poderem reportar o seu perfil de sustentabilidade. É um modelo mínimo que foi desenvolvido por uma entidade europeia e recomendado para as empresas que não têm que obrigatoriamente reportar, mas como estão integradas em cadeias de abastecimento em que os seus clientes já vão ser obrigados a reportar, de alguma forma vão ser interpeladas para estas questões de sustentabilidade. E aqui estamos a falar de reporting, porque há muitas empresas que são inovadoras e que já estão a trabalhar nesta questão da sustentabilidade, na eficiência dos recursos, nos resíduos, no aproveitamento dos subprodutos, no ciclo de vida do produto, etc.. Portanto, elas já são sustentáveis e do ponto de vista social, digamos, acidentes, minimização de acidentes de trabalho, condições de trabalho do ponto de vista de doenças a longo prazo muito menores, do ponto de vista da sua governance interna, portanto, são empresas, e estamos a falar de PME, que foram construídas para durar. Agora, a questão é que precisam também de olhar, e é esse também o incentivo do Inovadora Evolution, é assim que lhe vamos chamar, para poderem ir começando a olhar para estes indicadores mínimos e poderem reportar e dar visibilidade também a esses indicadores, para que o mercado, a banca, os seus clientes, possam saber.
O ano de 2024 marca o início, precisamente, da terceira temporada de existência da COTEC. O que é que definiram neste vosso plano de atividades além deste programa?
Estamos a fazer 21 anos agora, somos uma associação de base empresarial que não tem só empresas, isso é o que é interessante. Começámos pelas 100 maiores empresas do país, que responderam ao repto do presidente [Jorge] Sampaio, na altura, a dizer que colocassem a inovação como prioridade chave do país, aliás, a convite do Rei Juan Carlos e do presidente Jorge Napolitano, que já tinham criado a COTEC Itália e a COTEC Espanha. E, portanto, nessa perspetiva, eram 100 empresas. Hoje a COTEC tem muitas dessas 100 empresas fundadoras ainda, mas tem 230 PME inovadoras e cada vez mais estas inovadoras também se estão a juntar. Mas também tem organismos da administração pública, provavelmente ficarão surpreendidos – o IAPMEI, a AICEP e a Agência Nacional de Inovação são nossos associados –, e este ano, posso também aqui anunciar em primeira mão, teremos também autarquias.
E vão começar por onde nas autarquias?
Temos algumas autarquias que já manifestaram a vontade de aderir à COTEC. Mas porquê autarquias? Bom, é muito simples, porque uma parte muito importante da política de competitividade, ou da competitividade das empresas, não está dentro das empresas, está naquilo que é a localização onde as empresas estão.
E nas condições...
E nas condições. Quais são essas condições? Voltamos outra vez aos fatores de competitividade da economia da inovação. Portanto, se tenho uma empresa numa unidade de território e não tenho pessoas, e pessoas jovens, capacitadas, etc., a empresa fecha, porque não consegue trabalhar, a não ser que tenha um modelo completamente remoto, mas aí pode estar nessa localização ou pode estar noutra qualquer. Portanto, acesso ao talento, e aqui acesso ao talento tem a ver com políticas de habitação, políticas de educação, políticas de mobilidade, que são políticas tipicamente territoriais. Depois, uma segunda dimensão que vemos também muitas autarquias a liderar, é a dimensão da ligação entre as empresas e o sistema científico e o sistema educacional. Vemos exatamente autarquias onde temos uma promoção da ligação das empresas com as universidades, com os sistemas científicos, etc., e isso é outro dos fatores de competitividade. Terceira dimensão, o ecossistema, que é a ligação das empresas umas com as outras. Portanto, apesar de tudo, já falámos da cultura de colaboração, as empresas colaboram muito pouco. E nós portugueses desconfiamos muito uns dos outros.
Voltando um pouco atrás, à questão da formação do governo: quando se coloca no Ministério da Educação, que terá o ensino superior também, inovação e ciência, significa que esta pode ser uma forma de tentar criar todos esses indicadores atrativos para manter os jovens talentos em Portugal?
Só consigo pagar bons salários aos meus trabalhadores mais criativos e com maior capacidade se criar valor acrescentado. Só crio valor acrescentado se combinar investimentos e isso significa dois tipos de investimentos. São discricionários. O primeiro é em abrir mercados para vender os meus produtos e o outro é em inovação para vender produtos que esses mercados queiram e que tragam alguma coisa de novo, relativamente ao que já existe. Portanto, só para dar a ideia, tradicionalmente, e não é do governo anterior, tenho o Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, tenho o Ministério dos Negócios Estrangeiros, que, digamos, tem a parte de internacionalização, tenho o Ministério da Justiça, onde está a propriedade intelectual e o INPI, etc.. Tenho o Ministério da Educação, típico, e depois tenho o Ministério da Economia. E, já agora, no último governo, a digitalização foi parar debaixo da alçada do primeiro-ministro. Pronto, ainda é mais longe. Portanto, a questão aqui é como é que evito a balcanização, digamos, da organização da política pública e dos instrumentos, para um fim único, que é tornar as empresas mais competitivas, que possam crescer através da inovação? Isso exige o modelo de governo da inovação e não é só a questão de haver o nome da inovação.
A COTEC anunciou no verão passado a criação de uma plataforma para internacionalizar tecnológicas. Que balanço é que se pode fazer?
Lançámos isso em junho e, como tudo, as coisas demoram sempre muito tempo ou demoram algum tempo. Tivemos seis, sete grandes empresas que já estão internacionais, mas algumas multinacionais que estão em Portugal como, por exemplo, a Siemens ou a Kindril, que aderiram e que, na prática, o compromisso dessas empresas foi ajudar as empresas tecnológicas portuguesas a poder entrar em novos mercados. E, às vezes, essa ajuda simplesmente é uma referência, é ir, é dizer, é fazer uma apresentação a potenciais clientes num determinado mercado. Neste momento, estão cerca de 50 empresas na plataforma. Gostaríamos, obviamente, que estivessem mais, mas até agora é este o número.