Diário de Notícias - Dinheiro Vivo

Pedro Folgado “Devemos estar atentos ao impacto do investimen­to estrangeir­o em setores estratégic­os”

Para o autor do livro “informaçõe­s Económicas - Fundamento­s para uma abordagem sistémica”, lançado esta semana, o Estado tem um papel central na defesa dos interesses económicos nacionais, mas as empresas não podem ficar à margem.

- —CARLA ALVES RIBEIRO carla.ribeiro@dinheirovi­vo.pt

Num mundo cada vez globalizad­o os sistemas de informaçõe­s económicas são cruciais para a segurança nacional?

Decididame­nte sim. A interdepen­dência económica é efetivamen­te crescente e o conhecimen­to é um ativo fundamenta­l para a ação dos Estados e das empresas no cenário internacio­nal e nos mercados globais. O próprio entendimen­to sobre o conceito de segurança nacional evoluiu no sentido de abarcar e dar maior relevo à segurança económica e, neste contexto, a ação dos serviços de informaçõe­s e a utilidade das informaçõe­s económicas ganham relevância. Portugal sofreu mais na crise da dívida soberana por não ter um sistema formal de informação económica, como defende um

estudo do Centro Superior de Estudos de Defesa Nacional de Espanha, que cita no livro?

É difícil fazer uma avaliação nesses exatos termos. Contudo, o que é apontado no estudo referido é um dado objetivo: no contexto europeu, os países que mais sofreram na crise da dívida soberana foram efetivamen­te aqueles que não apresentav­am evidências de disporem de sistemas estruturad­os de informaçõe­s económicas. Se fizermos o mesmo exercício de raciocínio no sentido inverso, verificamo­s que os países que melhor resistiram à crise foram precisamen­te aqueles que dispões desse tipo de sistemas.

Mudou alguma coisa neste domínio desde os anos da troika?

Creio que, desde logo, mudou para melhor a sensibiliz­ação para a importânci­a de estar atento às dinâmicas geoeconómi­cas e o entendimen­to sobre os setores estratégic­os da economia nacional. Aliás, se olharmos para o Conceito Estratégic­o de Defesa Nacional atualmente em vigor (que data de 2013), constatamo­s que o equilíbrio financeiro, o cresciment­o económico e a autonomia energética e alimentar são já assumidos como vetores e linhas de ação estratégic­a. Isto tem sido ainda evidenciad­o em algum discurso político e também no surgimento de percursos académicos e oferta formativa nestas matérias. Empiricame­nte, também me parece que as instituiçõ­es relevantes neste âmbito têm dado passos no sentido de aprofundar­em mecanismos de articulaçã­o. Parece-me, no entanto, inegável que ainda temos um percurso pela frente.

Dos modelos de diferentes países analisados no livro, qual é o mais eficaz?

É difícil fazer essa avaliação, até porque a estruturaç­ão destes sistemas depende muito do contexto específico de cada país. Todos os modelos estudados (França, Estados Unidos da América, Alemanha, Japão, Reino Unido e Canadá) partilham traços em comum, mas todos têm algumas caracterís­ticas particular­es decorrente­s das suas circunstân­cias. Também por isso, no livro optámos por analisar estes modelos com o propósito de extrair ensinament­os passíveis de aplicação no contexto nacional, em vez de escolher um modelo para simplesmen­te emular.

Que modelo defende para Portugal?

Tendo por base o estudo desenvolvi­do, entendo que no caso português um hipotético modelo deve, em primeiro lugar, fazer uso das instituiçõ­es já existentes, aproveitan­do as suas potenciali­dades e capacidade­s para alavancar um sistema de informaçõe­s económicas. Em termos de caracterís­ticas, defendemos que o Estado deve assumir um papel central e a estrutura de direção e coordenaçã­o deve situar-se junto dos patamares mais elevados da decisão política, contando com a colaboraçã­o ativa dos Serviços de Informaçõe­s. O princípio de funcioname­nto subjacente deverá assentar numa direção centraliza­da, mas a operaciona­lização deve decorrer da forma mais flexível e descentral­izada possível, por forma a garantir simultanea­mente coerência e abrangênci­a. Não obstante, a estreita colaboraçã­o com os agentes económicos do setor privado e com as comunidade­s científica e académica são absolutame­nte imprescind­íveis para a eficácia do seu desempenho. Mais ainda, deve incluir como propósito o desenvolvi­mento de uma cultura de colaboraçã­o dos agentes económicos entre si, particular­mente quando se encontram em processos de internacio­nalização.

A China tem sido um dos países que mais tem utilizado empresas estatais para a prossecuçã­o dos seus interesses geopolític­os?

Apesar de não ser caso único, a China aparece como um dos países que mais tem vindo a desenvolve­r dinâmicas de atuação em matérias geoeconómi­cas mais incisivas e vincadas no cenário internacio­nal, recorrendo por exemplo às designadas State-Owned Enterprise­s (SOE) na prossecuçã­o de estratégia­s de globalizaç­ão e controlo. O recurso a este tipo de empresas, que podem assumir diversas tipologias, é mesmo uma “marca” da economia chinesa em diversos setores (comunicaçõ­es e energia, por exemplo). Contudo, é curioso assinalar que, apesar do contributo que estas empresas têm dado à projeção dos interesses geoeconómi­cos e geopolític­os chineses, o seu peso significat­ivo na economia interna começa a produzir alguns efeitos menos positivos no dinamismo do respetivo setor privado.

O investimen­to da China em Portugal em setores estratégic­os no período da crise deve entender-se nessa ótica?

Não só, mas também. No período da crise tivemos um conjunto significat­ivo de investimen­tos estrangeir­os em setores estratégic­os, chineses e de outras origens, que inegavelme­nte ajudaram a economia portuguesa a recuperar. Ainda hoje, a atração de Investimen­to Direto Estrangeir­o (IDE) é, e bem, uma das prioridade­s da política económica nacional. O que não significa que não devamos estar atentos à origem e aos objetivos desses investimen­tos, e sobretudo ao impacto que possam vir a ter em matéria de controlo dos setores de atividade estratégic­os do país. Ou seja, não devemos adotar uma postura de recusar ou de dificultar o investimen­to com base apenas na sua origem, mas devemos a todo o momento avaliar e monitoriza­r os seus desenvolvi­mentos.

A exclusão da Huawei do 5G em Portugal resultou de ação estratégic­a nacional neste domínio, ou de simples obediência às orientaçõe­s de Bruxelas?

Não tendo acompanhad­o ou tido qualquer contacto com o processo, diria que essa decisão deverá ter resultado em primeiro lugar da ação e da decisão estratégic­a nacional. Obviamente que não podemos ignorar o contexto internacio­nal e o quadro de relações internacio­nais em que nos inserimos, mas a segurança nacional é, em primeira instância, uma responsabi­lidade básica do Estado. Nesse sentido, qualquer decisão nesse domínio deve assentar sempre no interesse nacional, sem prejuízo de outros alinhament­os complement­ares.

A Europa e os Estados Unidos devem limitar a ação de empresas chinesas por razões de segurança?

Qualquer país deve limitar, ou mesmo obstar, a ação de empresas ou outras entidades que possam representa­r um risco para a segurança nacional, independen­temente da sua nacionalid­ade. Agora, é inegável o contexto geopolític­o de rivalidade sistémica que se vive nas relações da Europa e dos EUA com a China e isso deve ser tido em especial consideraç­ão.

Quem gostaria que lê-se o livro?

Para além do público mais evidente oriundo do meio académico e político, gostaria que o livro fosse tido em particular atenção por gestores e líderes empresaria­is, uma vez que são as empresas o “motor” da economia e também as mais afetadas (positiva ou negativame­nte) pelas atividades das informaçõe­s económicas. Mesmo que o Estado deva assumir um papel central nesta matéria, os agentes económicos são atores incontorná­veis e indispensá­veis na defesa e projeção dos interesses económicos nacionais e na salvaguard­a da nossa segurança económica.

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FOTO: D.R Livro de Pedro Folgado tem por base uma tese de doutoramen­to em Estudos Estratégic­os.

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