Diário de Notícias - Dinheiro Vivo
Pedro Folgado “Devemos estar atentos ao impacto do investimento estrangeiro em setores estratégicos”
Para o autor do livro “informações Económicas - Fundamentos para uma abordagem sistémica”, lançado esta semana, o Estado tem um papel central na defesa dos interesses económicos nacionais, mas as empresas não podem ficar à margem.
Num mundo cada vez globalizado os sistemas de informações económicas são cruciais para a segurança nacional?
Decididamente sim. A interdependência económica é efetivamente crescente e o conhecimento é um ativo fundamental para a ação dos Estados e das empresas no cenário internacional e nos mercados globais. O próprio entendimento sobre o conceito de segurança nacional evoluiu no sentido de abarcar e dar maior relevo à segurança económica e, neste contexto, a ação dos serviços de informações e a utilidade das informações económicas ganham relevância. Portugal sofreu mais na crise da dívida soberana por não ter um sistema formal de informação económica, como defende um
estudo do Centro Superior de Estudos de Defesa Nacional de Espanha, que cita no livro?
É difícil fazer uma avaliação nesses exatos termos. Contudo, o que é apontado no estudo referido é um dado objetivo: no contexto europeu, os países que mais sofreram na crise da dívida soberana foram efetivamente aqueles que não apresentavam evidências de disporem de sistemas estruturados de informações económicas. Se fizermos o mesmo exercício de raciocínio no sentido inverso, verificamos que os países que melhor resistiram à crise foram precisamente aqueles que dispões desse tipo de sistemas.
Mudou alguma coisa neste domínio desde os anos da troika?
Creio que, desde logo, mudou para melhor a sensibilização para a importância de estar atento às dinâmicas geoeconómicas e o entendimento sobre os setores estratégicos da economia nacional. Aliás, se olharmos para o Conceito Estratégico de Defesa Nacional atualmente em vigor (que data de 2013), constatamos que o equilíbrio financeiro, o crescimento económico e a autonomia energética e alimentar são já assumidos como vetores e linhas de ação estratégica. Isto tem sido ainda evidenciado em algum discurso político e também no surgimento de percursos académicos e oferta formativa nestas matérias. Empiricamente, também me parece que as instituições relevantes neste âmbito têm dado passos no sentido de aprofundarem mecanismos de articulação. Parece-me, no entanto, inegável que ainda temos um percurso pela frente.
Dos modelos de diferentes países analisados no livro, qual é o mais eficaz?
É difícil fazer essa avaliação, até porque a estruturação destes sistemas depende muito do contexto específico de cada país. Todos os modelos estudados (França, Estados Unidos da América, Alemanha, Japão, Reino Unido e Canadá) partilham traços em comum, mas todos têm algumas características particulares decorrentes das suas circunstâncias. Também por isso, no livro optámos por analisar estes modelos com o propósito de extrair ensinamentos passíveis de aplicação no contexto nacional, em vez de escolher um modelo para simplesmente emular.
Que modelo defende para Portugal?
Tendo por base o estudo desenvolvido, entendo que no caso português um hipotético modelo deve, em primeiro lugar, fazer uso das instituições já existentes, aproveitando as suas potencialidades e capacidades para alavancar um sistema de informações económicas. Em termos de características, defendemos que o Estado deve assumir um papel central e a estrutura de direção e coordenação deve situar-se junto dos patamares mais elevados da decisão política, contando com a colaboração ativa dos Serviços de Informações. O princípio de funcionamento subjacente deverá assentar numa direção centralizada, mas a operacionalização deve decorrer da forma mais flexível e descentralizada possível, por forma a garantir simultaneamente coerência e abrangência. Não obstante, a estreita colaboração com os agentes económicos do setor privado e com as comunidades científica e académica são absolutamente imprescindíveis para a eficácia do seu desempenho. Mais ainda, deve incluir como propósito o desenvolvimento de uma cultura de colaboração dos agentes económicos entre si, particularmente quando se encontram em processos de internacionalização.
A China tem sido um dos países que mais tem utilizado empresas estatais para a prossecução dos seus interesses geopolíticos?
Apesar de não ser caso único, a China aparece como um dos países que mais tem vindo a desenvolver dinâmicas de atuação em matérias geoeconómicas mais incisivas e vincadas no cenário internacional, recorrendo por exemplo às designadas State-Owned Enterprises (SOE) na prossecução de estratégias de globalização e controlo. O recurso a este tipo de empresas, que podem assumir diversas tipologias, é mesmo uma “marca” da economia chinesa em diversos setores (comunicações e energia, por exemplo). Contudo, é curioso assinalar que, apesar do contributo que estas empresas têm dado à projeção dos interesses geoeconómicos e geopolíticos chineses, o seu peso significativo na economia interna começa a produzir alguns efeitos menos positivos no dinamismo do respetivo setor privado.
O investimento da China em Portugal em setores estratégicos no período da crise deve entender-se nessa ótica?
Não só, mas também. No período da crise tivemos um conjunto significativo de investimentos estrangeiros em setores estratégicos, chineses e de outras origens, que inegavelmente ajudaram a economia portuguesa a recuperar. Ainda hoje, a atração de Investimento Direto Estrangeiro (IDE) é, e bem, uma das prioridades da política económica nacional. O que não significa que não devamos estar atentos à origem e aos objetivos desses investimentos, e sobretudo ao impacto que possam vir a ter em matéria de controlo dos setores de atividade estratégicos do país. Ou seja, não devemos adotar uma postura de recusar ou de dificultar o investimento com base apenas na sua origem, mas devemos a todo o momento avaliar e monitorizar os seus desenvolvimentos.
A exclusão da Huawei do 5G em Portugal resultou de ação estratégica nacional neste domínio, ou de simples obediência às orientações de Bruxelas?
Não tendo acompanhado ou tido qualquer contacto com o processo, diria que essa decisão deverá ter resultado em primeiro lugar da ação e da decisão estratégica nacional. Obviamente que não podemos ignorar o contexto internacional e o quadro de relações internacionais em que nos inserimos, mas a segurança nacional é, em primeira instância, uma responsabilidade básica do Estado. Nesse sentido, qualquer decisão nesse domínio deve assentar sempre no interesse nacional, sem prejuízo de outros alinhamentos complementares.
A Europa e os Estados Unidos devem limitar a ação de empresas chinesas por razões de segurança?
Qualquer país deve limitar, ou mesmo obstar, a ação de empresas ou outras entidades que possam representar um risco para a segurança nacional, independentemente da sua nacionalidade. Agora, é inegável o contexto geopolítico de rivalidade sistémica que se vive nas relações da Europa e dos EUA com a China e isso deve ser tido em especial consideração.
Quem gostaria que lê-se o livro?
Para além do público mais evidente oriundo do meio académico e político, gostaria que o livro fosse tido em particular atenção por gestores e líderes empresariais, uma vez que são as empresas o “motor” da economia e também as mais afetadas (positiva ou negativamente) pelas atividades das informações económicas. Mesmo que o Estado deva assumir um papel central nesta matéria, os agentes económicos são atores incontornáveis e indispensáveis na defesa e projeção dos interesses económicos nacionais e na salvaguarda da nossa segurança económica.