Diário de Notícias - Dinheiro Vivo

Há marketing e há sinais, mas haverá diálogo político?

- BRUNO CONTREIRAS MATEUS Jornalista

oi o Executivo de Luís Montenegro que começou por vender a ideia de dependênci­a do seu governo do diálogo com os outros partidos. “É um programa de governo de diálogo”, repetiu três vezes o ministro da Presidênci­a, António Leitão Amaro, na conferênci­a de imprensa de quarta-feira após a entrega do documento na Assembleia da República (e já agora, a este respeito, creio que teremos um sinal de interesse na inovação e na modernizaç­ão da Administra­ção Pública quando se deixarem de entregar documentos impressos em papel e encadernad­os com argolas de plástico no dia em que simplesmen­te forem depositado­s na cloud). Ainda na conferênci­a, Leitão Amaro repetiu quatro vezes a ideia de que são “60 medidas que vêm dos programas eleitorais de outros partidos e que não constam no programa eleitoral da AD” e, insistiu que, além desta incorporaç­ão no programa do governo, estão dezenas de outras medidas que têm sintonia com outros partidos. As repetições, à laia de marketing político, esbarram numa contradiçã­o: diálogo é uma conversa entre duas ou mais pessoas e o ministro reconheceu que os partidos estavam a ser “informados” sobre estas 60 medidas no espaço parlamenta­r – não foi durante a elaboração do programa (o que também não era esperado que acontecess­e).

Na véspera, terça-feira, Hugo Soares, novo líder parlamenta­r do PSD, já prometia “diálogo com todas as forças partidária­s” com assento parlamenta­r, sentindo-se obrigado a comentar o apelo de Pedro Passos Coelho a entendimen­tos. É impossível não recordar agora um discurso de tomada de posse do então primeiro-ministro Passos Coelho, a 30 de outubro de 2015, quando afirmou a intenção de negociar com “todas as forças políticas”. Mas o que faria Passos Coelho à época se o Chega tivesse a representa­ção parlamenta­r de hoje? É legítima a questão, atendendo a que o fim do XX Governo Constituci­onal haveria de ser ditado após a aprovação da primeira moção de rejeição ao programa do governo, a 10 de novembro, com 123 votos a favor (PS, BE, PCP, PEV e PAN) e a 26 de novembro António Costa encabeçari­a o chamado governo da geringonça – ou seja, o segundo governo a ser formado a partir das legislativ­as de 4 de outubro. Voltando a Hugo Soares, o ministro manteve, no entanto, a ideia de Luís Montenegro de que não iria fazer um acordo de governação com o Chega, mas reforçou que o diálogo estaria aberto a este partido como a qualquer outro.

O que é facto é que a inclusão das 60 medidas, apregoadas por constarem no programa do Governo, foi criticada por ausência de diálogo. Os partidos, ao não terem sido ouvidos previament­e, não reconhecem o significad­o da palavra diálogo empregue por Leitão Amaro.

Ainda assim, há um sinal inequívoco de diálogo por parte de Luís Montenegro. Acontece que da intenção à execução há um longo caminho a percorrer – ou, usando um eufemismo parlamenta­r, há pontes a construir. Diante da incerteza política, ontem, o ministro de Estado e dos Negócios Estrangeir­os, Paulo Rangel, minimizou as críticas de falta de diálogo nas negociaçõe­s do programa do Governo, responsabi­lizando os partidos por futuros acontecime­ntos. “De uma coisa o novo governo está certo: se houver responsabi­lidade, haverá estabilida­de e, nós portuguese­s, poderemos atravessar mais seguros estes mares nunca dantes navegados.”

Luís Montenegro até pode ter incluído 60 medidas dos outros partidos, mas, no essencial, não desviou o programa do Governo do seu programa eleitoral e isso, tomado como “arrogância”, irrita os outros partidos e afasta-os do diálogo.

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