Diário de Notícias - Dinheiro Vivo

“Estamos a trabalhar na interopera­bilidade ibérica e esperamos ter soluções em breve”

Mobi.E está desde há um ano a apostar na internacio­nalização do negócio. Criar novas fontes de receita vai ajudar a diminuir os custos da rede de carregamen­tos de veículos elétricos em Portugal, garante o presidente executivo da empresa.

- Texto: José Varela Rodrigues e Ana Maria Ramos (TSF) Www.dinheirovi­vo.pt

LBarroso lidera há quase cinco anos a Mobi.E, a entidade que desde 2015 gere a rede pública de mobilidade elétrica. Em entrevista ao Dinheiro Vivo e TSF, o gestor explica como a internacio­nalização do modelo de operação da empresa para a América do Sul, mas também para Espanha, pode alavancar o desenvolvi­mento da rede em Portugal. Revela que o programa “Ruas Elétricas” estará operaciona­l até ao fim do ano e apela à “manutenção” de políticas públicas “consistent­es” para a mobilidade elétrica.

Entra hoje em vigor o regulament­o europeu AFIR, como é conhecido, que visa a criação de infraestru­turas para combustíve­is alternativ­os, o que inclui as redes de carregamen­to de veículos elétricos. Que necessidad­es vem este regulament­o enquadrar e de que forma a Mobi.E terá de acautelar as novas regras?

O regulament­o tem uma perspetiva de longo prazo, até 2050, porque é o compromiss­o de Paris para atingirmos a neutralida­de carbónica. E dentro dessas conclusões temos muitas áreas para atuarmos. A primeira, e que vamos já começar a sentir a partir de agora, é a instalação de postos de carregamen­to mais rápidos, com potências iguais ou superiores a 50 quilowatts (kW), que vão passar a ter um dispositiv­o para pagamento direto com cartão bancário. Depois, e isso é uma das novidades que a Mobi.E já vem desde 2022 a monitoriza­r, o cresciment­o das redes está indexado à potência do parque automóvel em circulação. Isto quer dizer que por cada veículo 100% elétrico que está em circulação, a rede tem de ter uma potência de 1,3 kW e por cada veículo plug-in em circulação a rede tem de ter uma potência de 0,8 kW. Já monitoriza­mos, neste momento, esta necessidad­e e, atualmente, temos uma margem relativame­nte a este mínimo que vai passar a ser obrigatóri­o em todos os Estados-membros, a partir do final do ano, de cerca de 8% de margem.

O que é que isso significa em termos de carregador­es?

Isto também é uma mudança na filosofia porque, inicialmen­te, havia muito aquela perspetiva do número de carregador­es em função do número de carros, mas atualmente não. O que interessa é a potência, porque a diferente potência permite diferentes velocidade­s de carregamen­to e isso significa que vamos ter de ter disponívei­s um número de carregador­es suficiente­s que, agregadame­nte, somem uma potência equivalent­e, no mínimo, a termos 1,3 kW por cada viatura 100% elétrica em circulação, e 0,8 kW por cada viatura plug-in em circulação, porque são essas que são carregadas na rede pública.

Mas qual é o estado de arte? O que é que isso significa?

Neste momento, estamos acima em 8%. Provavelme­nte, somos o único país, já há mais de dois anos, que monitoriza este critério diariament­e. Neste momento, a nossa potência da rede são 255 megawatts (MW), o que dá uma margem de cerca de 8%, porque o parque automóvel está avaliado em cerca de 235 MW.

E entre a rede pública e operadores privados, que diagnóstic­o faz à mobilidade em Portugal?

A transição energética em Portugal está a ser um bom exemplo, até pelo próprio regulament­o AFIR. Fomos um país pioneiro em criar regras específica­s para tratarmos este problema. Em 2010, saímos com o primeiro pacote legislativ­o que veio a consolidar-se naquilo que, atualmente, chamamos o modelo Mobi.E. É um modelo que previu muito bem aquilo que o próprio AFIR vem agora, 14 anos depois, definir. É importante que tenhamos isto em atenção. Por exemplo, a interopera­bilidade de redes: no nosso modelo, cada operador tem a sua rede e a diferença relativame­nte aos outros países, é que estas redes que são constituíd­as por um conjunto de postos instalados em zonas de acesso público têm de estar obrigatori­amente ligadas à nossa rede.

Para quê?

Para que ela possa funcionar com aquilo que nós portuguese­s conhecemos bem como multibanco. Ou seja, que um utilizador com um único meio de acesso possa utilizar todos os carregador­es. A isto chamamos de interopera­bilidade. E é isso que o AFIR agora vem também promover, que é a interopera­bilidade entre redes. Ora, o nosso sistema já é totaluís mente interoperá­vel. Ou seja, temos dados abertos para que os utilizador­es conheçam onde é que estão localizado­s todos os postos, qual é a potência, qual é o custo do serviço de carregamen­to e quem é o operador. Em Portugal, é assim desde o início. Lá fora não é assim. Não existe este tipo de informação e o AFIR, agora, vem exigir que passe a existir este tipo de informação agregada.

A Mobi.E, no ano passado, lançou o desafio aos municípios para o projeto piloto “Ruas Elétricas”. Estava previsto arrancar no início de 2024. Em que fase é que está este projeto?

“Programa Ruas Elétricas, que prevê a instalação de pontos de carregamen­to de baixa tensão, deverá estar em operação a partir de setembro, durante o último trimestre”.

“Faria todo o sentido que Portugal se afirmasse na transição energética da mobilidade. E na América Latina ainda está tudo por fazer.”

A questão [política] que vivemos nos últimos tempos atrasou um pouco o processo, mas a Mobi.E já publicou no início do mês [de abril] um edital a convidar os municípios para se associarem a esta ideia. Têm até ao final de maio para se pronunciar­em e, em junho, a Mobi.E irá informar quem são os municípios contemplad­os. A partir daí, lançamos os procedimen­tos do concurso para que os operadores privados possam candidatar-se à instalação e à concessão destes pontos de carregamen­to por um período de 12 anos. Se por acaso as verbas não ficarem esgotadas até ao final de maio, os municípios vão poder continuar a candidatar-se até ao final do ano, e vamos avaliando mensalment­e e fazendo procedimen­tos mensais de forma a acelerarmo­s o processo.

Mas há muitas manifestaç­ões de interesse?

Neste momento ainda não, porque acabámos de publicar, há coisa de duas semanas, o edital, mas há municípios que, informalme­nte, se mostraram muito disponívei­s.

Quando é que o primeiro município, ao abrigo desse programa, terá postos de carregamen­to?

Se tudo correr bem, provavelme­nte, lá para setembro.

Ainda este ano.

Sim, sim, este ano garantidam­ente, até porque estamos a falar de postos de potência menos elevada e a tramitação com o setor elétrico não é tão complicada. Havendo o apoio do município para o licenciame­nto do espaço, não vejo razão para que as coisas não sigam. A questão é que temos de fazer um concurso público, o que tem regras e prazos, e depois é fazer obra, mas, a partir de setembro, durante o último trimestre, vamos começar a ver o projeto a acontecer.

Em dezembro de 2023, foi anunciado o primeiro passo de internacio­nalização da empresa, nomeadamen­te para a Colômbia. Em que consiste este acordo, o que vai a Mobi.E fazer e que condições oferece a Colômbia?

O processo de internacio­nalização tem vindo a ser trabalhado há cerca de um ano. Achámos que faria todo o sentido que o país se afirmasse na transição energética da mobilidade. Depois, é importante garantir – e isso é uma prioridade – que a empresa seja economicam­ente sustentáve­l e angarie novos negócios, novas receitas, que permitam isso. Esse também é um objetivo que estamos a perseguir, para reduzir os custos da utilização da rede Mobi.E em Portugal. E, desde logo, o primeiro país de todos, que nos parece óbvio, é a nossa vizinha Espanha.

A tal rede ibérica.

A tal solução ibérica, a interopera­bilidade ibérica. Este é um fator que estamos a trabalhar e espero que brevemente consigamos ter também soluções nesta via. Outro mercado muito apreciável, a nosso ver, é a América Latina. São fortes produtores de energia limpa e são fortemente populosos. A transição energética na mobilidade lá faz sentido. Como cereja no topo do bolo, ainda está tudo por fazer. Surgiu a Colômbia e a oportunida­de do grupo Vatia. Neste momento, estamos a acabar um processo de consultori­a, que termina em maio. Brasília [capital do Brasil] é uma porta que também estamos a abrir, mas temos outros países.

Que outros países poderão vir a seguir nessa estratégia?

Temos tido contactos com o México e com o Chile.

E na Europa?

Na Europa, o nosso posicionam­ento é que temos de ter consciênci­a das nossas capacidade­s e das nossas limitações. Se tivermos desafios de operadores que queiram, por exemplo, ir, apoiados na nossa solução, para outros países, quaisquer que sejam da Europa, claro que acompanhar­emos. Mas isso também depende um pouco da diplomacia económica que formos capazes de fazer e que extravasa a Mobi.E.

E aí o Governo português terá um trabalho a fazer?

Penso que sim, se for essa a intenção, porque é positivo para o país e porque estamos muito à frente dos outros, que vão ter de procurar as suas próprias soluções.

O programa do Governo foi apresentad­o e há nele uma reafirmaçã­o de compromiss­os anteriores, além de se prever investimen­to na expansão da rede através de fundos europeus. Agrada-lhe ou poderia fazer-se mais?

Não tenho conhecimen­to específico do programa, mas há um compromiss­o que temos para já neste momento no Plano de Recuperaçã­o e Resiliênci­a [PRR], que visa disponibil­izarmos 15 mil pontos de carregamen­to até ao final de 2025. Temos vindo a cumprir as metas intercalar­es que estão estabeleci­das ao longo do programa, mas temos de ter em atenção isso. Para cumprirmos este objetivo vai ser necessário encontrarm­os soluções de financiame­nto para os operadores poderem investir nessas redes, aproveitan­do também a aprovação da terceira diretiva de energias renováveis – a diretiva ainda tem de ser transposta para a legislação nacional –, que vem prever que os Estados-membros [da União Europeia] possam desenvolve­r mecanismos de créditos, de e-créditos, para financiare­m a infraestru­tura. O princípio é o seguinte: as empresas que vendem energia na mobilidade elétrica podem emitir créditos que, depois, são vendidos às empresas que vendem combustíve­is, de forma a que as empresas dos combustíve­is possam reduzir o impacto da pegada da venda desses próprios combustíve­is. Este é um pacote que já trabalhámo­s com a ENSE [Entidade Nacional para o Setor Energético], porque é a entidade que em Portugal tem a emissão dos créditos de baixo carbono, temos uma solução pronta que poderá vir a ser aprovada pelo novo Governo rapidament­e e que será um fator importante para financiar o cresciment­o da infraestru­tura. Mas vamos precisar também, provavelme­nte, de mais fundos para isso. Falava no objetivo de ter até

2025 mais 15 mil pontos de carregamen­to...

Não é ter mais. É ter 15 mil pontos no total. Neste momento, temos 8200 pontos de carregamen­to.

E esse objetivo está relacionad­o com um outro ponto que vinha num estudo apresentad­o pela própria Mobi.E, em outubro passado: chegar a 2050 com 82 mil pontos de carregamen­to. O país está em condições de cumprir esses objetivos?

Para amanhã, não. Para 2050 está, não tem desculpas para não estar, porque a Mobi.E apresentou, em outubro de 2023, um plano de desenvolvi­mento até 2050, exatamente para que o país tenha um quadro onde possa preparar-se para esta transição e o cumpriment­o destes objetivos, de acordo com os parâmetros que o AFIR vem definir. Um simplex

Para mim isso é claro. A Mobi.E tem um projeto em carteira e que já está aprovado como Simplex, mas que ainda não tivemos capacidade de pôr em prática, que é criar uma janela única da mobilidade elétrica, ou seja, ter um portal onde, através da internet, se possa tramitar toda esta burocracia e um operador possa pedir os licenciame­ntos e o município possa dar os seus licenciame­ntos. É um objetivo que temos, é um trabalho que vai ser árduo, mas que quero implementa­r.

Qual deveria ser o tom ou a postura do novo Governo na mobilidade elétrica?

Estamos a ter resultados, as coisas estão a funcionar. Temos é de aproveitar o que já foi construído, dinamizar, continuarm­os este caminho e, se possível – o que é muito importante –, criar condições que permitam acelerar esta dinâmica.

Como? poderia ajudar?

Através de investimen­to, para que haja mais infraestru­tura, mas também através de políticas de promoção à transição das viaturas. Além disso, a manutenção consistent­e das políticas relativas à mobilidade elétrica, quer ao nível de apoios, quer ao nível das regras. É essencial para dar confiança aos agentes de mercado, e são mais de 100 que já desenvolve­m a sua atividade junto da rede Mobi.E, e aos utilizador­es, que já são mais de 150 mil.

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 ?? ?? Luís Barroso está ligado ao setor da mobilidade e dos transporte­s há mais de 15 anos, tendo trabalhado para o Governo, entre 2007 e 2009.
Luís Barroso está ligado ao setor da mobilidade e dos transporte­s há mais de 15 anos, tendo trabalhado para o Governo, entre 2007 e 2009.

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