Diário de Notícias - Dinheiro Vivo
“Estamos a trabalhar na interoperabilidade ibérica e esperamos ter soluções em breve”
Mobi.E está desde há um ano a apostar na internacionalização do negócio. Criar novas fontes de receita vai ajudar a diminuir os custos da rede de carregamentos de veículos elétricos em Portugal, garante o presidente executivo da empresa.
LBarroso lidera há quase cinco anos a Mobi.E, a entidade que desde 2015 gere a rede pública de mobilidade elétrica. Em entrevista ao Dinheiro Vivo e TSF, o gestor explica como a internacionalização do modelo de operação da empresa para a América do Sul, mas também para Espanha, pode alavancar o desenvolvimento da rede em Portugal. Revela que o programa “Ruas Elétricas” estará operacional até ao fim do ano e apela à “manutenção” de políticas públicas “consistentes” para a mobilidade elétrica.
Entra hoje em vigor o regulamento europeu AFIR, como é conhecido, que visa a criação de infraestruturas para combustíveis alternativos, o que inclui as redes de carregamento de veículos elétricos. Que necessidades vem este regulamento enquadrar e de que forma a Mobi.E terá de acautelar as novas regras?
O regulamento tem uma perspetiva de longo prazo, até 2050, porque é o compromisso de Paris para atingirmos a neutralidade carbónica. E dentro dessas conclusões temos muitas áreas para atuarmos. A primeira, e que vamos já começar a sentir a partir de agora, é a instalação de postos de carregamento mais rápidos, com potências iguais ou superiores a 50 quilowatts (kW), que vão passar a ter um dispositivo para pagamento direto com cartão bancário. Depois, e isso é uma das novidades que a Mobi.E já vem desde 2022 a monitorizar, o crescimento das redes está indexado à potência do parque automóvel em circulação. Isto quer dizer que por cada veículo 100% elétrico que está em circulação, a rede tem de ter uma potência de 1,3 kW e por cada veículo plug-in em circulação a rede tem de ter uma potência de 0,8 kW. Já monitorizamos, neste momento, esta necessidade e, atualmente, temos uma margem relativamente a este mínimo que vai passar a ser obrigatório em todos os Estados-membros, a partir do final do ano, de cerca de 8% de margem.
O que é que isso significa em termos de carregadores?
Isto também é uma mudança na filosofia porque, inicialmente, havia muito aquela perspetiva do número de carregadores em função do número de carros, mas atualmente não. O que interessa é a potência, porque a diferente potência permite diferentes velocidades de carregamento e isso significa que vamos ter de ter disponíveis um número de carregadores suficientes que, agregadamente, somem uma potência equivalente, no mínimo, a termos 1,3 kW por cada viatura 100% elétrica em circulação, e 0,8 kW por cada viatura plug-in em circulação, porque são essas que são carregadas na rede pública.
Mas qual é o estado de arte? O que é que isso significa?
Neste momento, estamos acima em 8%. Provavelmente, somos o único país, já há mais de dois anos, que monitoriza este critério diariamente. Neste momento, a nossa potência da rede são 255 megawatts (MW), o que dá uma margem de cerca de 8%, porque o parque automóvel está avaliado em cerca de 235 MW.
E entre a rede pública e operadores privados, que diagnóstico faz à mobilidade em Portugal?
A transição energética em Portugal está a ser um bom exemplo, até pelo próprio regulamento AFIR. Fomos um país pioneiro em criar regras específicas para tratarmos este problema. Em 2010, saímos com o primeiro pacote legislativo que veio a consolidar-se naquilo que, atualmente, chamamos o modelo Mobi.E. É um modelo que previu muito bem aquilo que o próprio AFIR vem agora, 14 anos depois, definir. É importante que tenhamos isto em atenção. Por exemplo, a interoperabilidade de redes: no nosso modelo, cada operador tem a sua rede e a diferença relativamente aos outros países, é que estas redes que são constituídas por um conjunto de postos instalados em zonas de acesso público têm de estar obrigatoriamente ligadas à nossa rede.
Para quê?
Para que ela possa funcionar com aquilo que nós portugueses conhecemos bem como multibanco. Ou seja, que um utilizador com um único meio de acesso possa utilizar todos os carregadores. A isto chamamos de interoperabilidade. E é isso que o AFIR agora vem também promover, que é a interoperabilidade entre redes. Ora, o nosso sistema já é totaluís mente interoperável. Ou seja, temos dados abertos para que os utilizadores conheçam onde é que estão localizados todos os postos, qual é a potência, qual é o custo do serviço de carregamento e quem é o operador. Em Portugal, é assim desde o início. Lá fora não é assim. Não existe este tipo de informação e o AFIR, agora, vem exigir que passe a existir este tipo de informação agregada.
A Mobi.E, no ano passado, lançou o desafio aos municípios para o projeto piloto “Ruas Elétricas”. Estava previsto arrancar no início de 2024. Em que fase é que está este projeto?
“Programa Ruas Elétricas, que prevê a instalação de pontos de carregamento de baixa tensão, deverá estar em operação a partir de setembro, durante o último trimestre”.
“Faria todo o sentido que Portugal se afirmasse na transição energética da mobilidade. E na América Latina ainda está tudo por fazer.”
A questão [política] que vivemos nos últimos tempos atrasou um pouco o processo, mas a Mobi.E já publicou no início do mês [de abril] um edital a convidar os municípios para se associarem a esta ideia. Têm até ao final de maio para se pronunciarem e, em junho, a Mobi.E irá informar quem são os municípios contemplados. A partir daí, lançamos os procedimentos do concurso para que os operadores privados possam candidatar-se à instalação e à concessão destes pontos de carregamento por um período de 12 anos. Se por acaso as verbas não ficarem esgotadas até ao final de maio, os municípios vão poder continuar a candidatar-se até ao final do ano, e vamos avaliando mensalmente e fazendo procedimentos mensais de forma a acelerarmos o processo.
Mas há muitas manifestações de interesse?
Neste momento ainda não, porque acabámos de publicar, há coisa de duas semanas, o edital, mas há municípios que, informalmente, se mostraram muito disponíveis.
Quando é que o primeiro município, ao abrigo desse programa, terá postos de carregamento?
Se tudo correr bem, provavelmente, lá para setembro.
Ainda este ano.
Sim, sim, este ano garantidamente, até porque estamos a falar de postos de potência menos elevada e a tramitação com o setor elétrico não é tão complicada. Havendo o apoio do município para o licenciamento do espaço, não vejo razão para que as coisas não sigam. A questão é que temos de fazer um concurso público, o que tem regras e prazos, e depois é fazer obra, mas, a partir de setembro, durante o último trimestre, vamos começar a ver o projeto a acontecer.
Em dezembro de 2023, foi anunciado o primeiro passo de internacionalização da empresa, nomeadamente para a Colômbia. Em que consiste este acordo, o que vai a Mobi.E fazer e que condições oferece a Colômbia?
O processo de internacionalização tem vindo a ser trabalhado há cerca de um ano. Achámos que faria todo o sentido que o país se afirmasse na transição energética da mobilidade. Depois, é importante garantir – e isso é uma prioridade – que a empresa seja economicamente sustentável e angarie novos negócios, novas receitas, que permitam isso. Esse também é um objetivo que estamos a perseguir, para reduzir os custos da utilização da rede Mobi.E em Portugal. E, desde logo, o primeiro país de todos, que nos parece óbvio, é a nossa vizinha Espanha.
A tal rede ibérica.
A tal solução ibérica, a interoperabilidade ibérica. Este é um fator que estamos a trabalhar e espero que brevemente consigamos ter também soluções nesta via. Outro mercado muito apreciável, a nosso ver, é a América Latina. São fortes produtores de energia limpa e são fortemente populosos. A transição energética na mobilidade lá faz sentido. Como cereja no topo do bolo, ainda está tudo por fazer. Surgiu a Colômbia e a oportunidade do grupo Vatia. Neste momento, estamos a acabar um processo de consultoria, que termina em maio. Brasília [capital do Brasil] é uma porta que também estamos a abrir, mas temos outros países.
Que outros países poderão vir a seguir nessa estratégia?
Temos tido contactos com o México e com o Chile.
E na Europa?
Na Europa, o nosso posicionamento é que temos de ter consciência das nossas capacidades e das nossas limitações. Se tivermos desafios de operadores que queiram, por exemplo, ir, apoiados na nossa solução, para outros países, quaisquer que sejam da Europa, claro que acompanharemos. Mas isso também depende um pouco da diplomacia económica que formos capazes de fazer e que extravasa a Mobi.E.
E aí o Governo português terá um trabalho a fazer?
Penso que sim, se for essa a intenção, porque é positivo para o país e porque estamos muito à frente dos outros, que vão ter de procurar as suas próprias soluções.
O programa do Governo foi apresentado e há nele uma reafirmação de compromissos anteriores, além de se prever investimento na expansão da rede através de fundos europeus. Agrada-lhe ou poderia fazer-se mais?
Não tenho conhecimento específico do programa, mas há um compromisso que temos para já neste momento no Plano de Recuperação e Resiliência [PRR], que visa disponibilizarmos 15 mil pontos de carregamento até ao final de 2025. Temos vindo a cumprir as metas intercalares que estão estabelecidas ao longo do programa, mas temos de ter em atenção isso. Para cumprirmos este objetivo vai ser necessário encontrarmos soluções de financiamento para os operadores poderem investir nessas redes, aproveitando também a aprovação da terceira diretiva de energias renováveis – a diretiva ainda tem de ser transposta para a legislação nacional –, que vem prever que os Estados-membros [da União Europeia] possam desenvolver mecanismos de créditos, de e-créditos, para financiarem a infraestrutura. O princípio é o seguinte: as empresas que vendem energia na mobilidade elétrica podem emitir créditos que, depois, são vendidos às empresas que vendem combustíveis, de forma a que as empresas dos combustíveis possam reduzir o impacto da pegada da venda desses próprios combustíveis. Este é um pacote que já trabalhámos com a ENSE [Entidade Nacional para o Setor Energético], porque é a entidade que em Portugal tem a emissão dos créditos de baixo carbono, temos uma solução pronta que poderá vir a ser aprovada pelo novo Governo rapidamente e que será um fator importante para financiar o crescimento da infraestrutura. Mas vamos precisar também, provavelmente, de mais fundos para isso. Falava no objetivo de ter até
2025 mais 15 mil pontos de carregamento...
Não é ter mais. É ter 15 mil pontos no total. Neste momento, temos 8200 pontos de carregamento.
E esse objetivo está relacionado com um outro ponto que vinha num estudo apresentado pela própria Mobi.E, em outubro passado: chegar a 2050 com 82 mil pontos de carregamento. O país está em condições de cumprir esses objetivos?
Para amanhã, não. Para 2050 está, não tem desculpas para não estar, porque a Mobi.E apresentou, em outubro de 2023, um plano de desenvolvimento até 2050, exatamente para que o país tenha um quadro onde possa preparar-se para esta transição e o cumprimento destes objetivos, de acordo com os parâmetros que o AFIR vem definir. Um simplex
Para mim isso é claro. A Mobi.E tem um projeto em carteira e que já está aprovado como Simplex, mas que ainda não tivemos capacidade de pôr em prática, que é criar uma janela única da mobilidade elétrica, ou seja, ter um portal onde, através da internet, se possa tramitar toda esta burocracia e um operador possa pedir os licenciamentos e o município possa dar os seus licenciamentos. É um objetivo que temos, é um trabalho que vai ser árduo, mas que quero implementar.
Qual deveria ser o tom ou a postura do novo Governo na mobilidade elétrica?
Estamos a ter resultados, as coisas estão a funcionar. Temos é de aproveitar o que já foi construído, dinamizar, continuarmos este caminho e, se possível – o que é muito importante –, criar condições que permitam acelerar esta dinâmica.
Como? poderia ajudar?
Através de investimento, para que haja mais infraestrutura, mas também através de políticas de promoção à transição das viaturas. Além disso, a manutenção consistente das políticas relativas à mobilidade elétrica, quer ao nível de apoios, quer ao nível das regras. É essencial para dar confiança aos agentes de mercado, e são mais de 100 que já desenvolvem a sua atividade junto da rede Mobi.E, e aos utilizadores, que já são mais de 150 mil.