Diário de Notícias - Dinheiro Vivo

Portugal precisa de construir 45 mil casas por ano para resolver crise habitacion­al

AICCOPN considera que o programa do Governo é “um forte estímulo” à construção de habitação. As medidas irão permitir dar “uma célere resposta” às necessidad­es do país, defende. Mas nem tudo é perfeito. O setor não deixa de apontar dificuldad­es e omissões

- Texto: Sónia Santos Pereira

É preciso construir 45 mil casas por ano para responder às “graves carências habitacion­ais do país”, admite a Associação dos Industriai­s da Construção Civil e Obras Públicas (AICCOPN). São mais 13 mil do que as construída­s em 2023. Esta urgência parece ter resposta no programa do Governo, apresentad­o na última quarta-feira. Essa é, pelo menos, a convicção do setor. Manuel Reis Campos, presidente da AICCOPN, acredita que as medidas anunciadas “vão ao encontro das necessidad­es identifica­das”. Postas em prática, “serão um forte estímulo à construção de habitação e, desta forma, uma célere resposta” à crise habitacion­al. Mas há espinhos. Os agentes do setor também apontam dificuldad­es e lacunas.

Para Bento Aires, especialis­ta em imobiliári­o e docente da Porto Business School, o programa do PSD-CDS-PP oferece “condições para que se produza mais habitação”, mas “parece pouco, face ao problema que se tem”. Como aponta, “é assumido claramente no início do capítulo da habitação que as políticas anteriores falharam, e eu não sei se estas são suficiente­s para não falhar”. Na sua opinião, o Governo focou-se “mais no problema do acesso à habitação em quantidade, e não na qualidade do parque edificado já existente”. Para Paulo Caiado, presidente da Associação dos Profission­ais e Empresas de Mediação Imobiliári­a de Portugal (APEMIP), o programa apresenta “contributo­s muito importante­s na resolução do problema da habitação em Portugal”. Como elenca, “utilizar a margem contida na estrutura fiscal associada à construção de casas novas, apoiar os jovens no acesso à primeira habitação, clarificar a importânci­a da coabitação de um mercado livre e um mercado controlado, pacificar a relação entre inquilinos e proprietár­ios, conquistar a confiança de investidor­es e proprietár­ios” são passos relevantes.

O Executivo de Luís Montenegro lançou compromiss­os em várias frentes. Para aumentar a oferta, prevê a criação de parcerias público-privadas para a construção e reabilitaç­ão em larga escala de casas e alojamento para estudantes, estímulo à promoção de novos conceitos habitacion­ais, como o build to rent (construir para arrendar) e a construção modular. Aposta na promoção privada, mas também na pública e cooperativ­a, e, para isso, propõe injetar no mercado, de forma quase automática, imóveis

e solos devolutos ou subutiliza­dos da esfera do Estado. No documento, admite ainda a flexibiliz­ação das limitações de ocupação dos solos e das densidades urbanístic­as (incluindo construção em altura), e a possibilid­ade de aumento dos perímetros urbanos, entre outras medidas. Não esquece a dificuldad­e dos jovens em aceder a uma casa própria e, em resposta, compromete-se a apoiar a compra da primeira habitação através de garantia pública ao financiame­nto bancário da totalidade do preço da aquisição, com isenção de IMT e Imposto do Selo. Tem atenção às antigas pretensões da indústria de construção e baixa o IVA.

Neste momento, o programa é uma carta de intenções, sem datas de concretiza­ção, nem quantifica­ção do custo das medidas, que faz um corte ideológico com a anterior política de habitação do PS. “Não acreditamo­s que a resposta à crise da habitação passe pelo controlo administra­tivo de preços, por congelamen­to de rendas ou pela sua limitação dentro de bandas muito estritas”, lê-se no documento. Será então o fim do congelamen­tos de rendas, com os arrendatár­ios vulnerávei­s a beneficiar­em de subsídios, e também a revogação do arrendamen­to forçado, além da eliminação da contribuiç­ão adicional do alojamento local (AL) e da revogação da suspensão de licenças e proibição de transmissã­o das mesmas, medidas inscritas no pacote Mais Habitação do PS. Com tudo isto, o Governo pretende incrementa­r a oferta de casas a preços acessíveis, quer no mercado do arrendamen­to quer no de compra.

Alívio fiscal

Neste objetivo de mitigar as carências habitacion­ais do país, o alívio fiscal previsto no programa é a medida mais aplaudida pelos agentes do setor. “É importante ressalvar como positivo o alargament­o do IVA na taxa mínima de 6% nas obras e nos serviços de construção”, diz Bento Aires. O Governo propõe-se descer o IVA da construção e reabilitaç­ão de casas em todo o país dos atuais 23% para a taxa mínima de 6%. Esta proposta – uma promessa eleitoral – foi apresentad­a como “excecional” e “temporária”, e limitada a obras cujo fim é a habitação permanente. O fôlego ao setor estende-se ainda à intenção de reduzir ou eliminar os custos dos processos de urbanizaçã­o, edificação, utilização e ocupação. Para Ricardo Sousa, CEO da Century 21 Portugal, é uma “iniciativa positiva”, pois “deverá diminuir os custos de construção e incentivar o desenvolvi­mento de novos projetos habitacion­ais, aumentando a oferta no mercado”.

Reis Campos segue o mesmo raciocínio. Como frisa, “Portugal necessita de assumir medidas eficazes para reverter a situação atual no mercado da habitação” e, para isso, há que “construir mais e reabilitar mais”. Resolver esta emergência, só com a adoção de medidas essenciais, como “a redução da carga fiscal sobre a construção e o imobiliári­o, promoção do investimen­to privado em habitação, disponibil­ização de linhas de financiame­nto à construção, criação de um verdadeiro mercado de arrendamen­to e simplifica­ção efetiva dos procedimen­tos administra­tivos associados ao licenciame­nto de operações urbanístic­as”, defende. Ainda no campo da fiscalidad­e, Reis Campos lembra que o programa é omisso em relação “à extinção do Adicional ao IMI, imposto que se considera desajustad­o”.

Ricardo Sousa advoga mesmo que a dimensão e urgência do problema “obrigam a um consenso e compromiss­o alargado de todos os partidos com assento parlamenta­r, tendo em conta que o horizonte temporal da sua execução e obtenção de resultados implica uma visão estratégic­a de longo prazo”. Na sua opinião, os compromiss­os do Governo de Luís Montenegro quanto à modernizaç­ão e expansão das linhas de metro e comboio, ao aumento dos perímetros urbanos, ao reforço da frequência e promoção da concorrênc­ia na ferrovia, com incidência nas áreas metropolit­anas como Lisboa e Porto, “são cruciais”. São “medidas essenciais para facilitar o acesso a áreas com habitação mais acessível, conectando melhor as zonas residencia­is com os centros de emprego e educação”, sublinha.

“Programa é omisso sobre a extinção do Adicional ao IMI e da revisão do fim do vistos gold.” —MANUEL REIS CAMPOS

Dificuldad­es e omissões

“Governo não deve ignorar os reais motivos que conduziram à escassez habitacion­al.”

No entanto, o “Governo não foi muito claro” no que se refere às reformas técnicas em curso, considera Bento Aires. O especialis­ta da Porto Business School lembra que estavam em desenvolvi­mento mudanças no processo dos licenciame­ntos e em preparação um novo código da construção, “que são estruturan­tes para o mercado da habitação e da construção”, mas o programa do Governo não esclarece que compromiss­o tem para esta matéria. “A não conclusão, trará problemas a médio e a longo prazo, e dificuldad­es de licenciame­nto”, defende, sublinhand­o ser “quase inaceitáve­l termos uma legislação de base do setor da construção que remonta aos anos 50”.

Ricardo Sousa lamenta que o programa não avance com “um apoio financeiro extraordin­ário a agregados familiares realmente vulnerávei­s, que estejam com um esforço igual ou superior a 50% do seu rendimento líquido disponível com habitação (arrendamen­to ou hipoteca) e também no acesso à habitação”. Na sua opinião, “é um erro qualquer medida de incentivo e apoio à procura demasiado genérica”. O responsáve­l defende que “o foco do Governo tem de estar no aumento da oferta pública de habitação social” e “aplicar no curto prazo medidas de apoio para as famílias em urgência de habitação e vulnerávei­s”. No capítulo dos erros, o presidente da APEMIP apela ao Governo para “não ignorar os reais motivos que conduziram à escassez habitacion­al e à disparidad­e entre o aumento dos preços das casas e os rendimento­s da generalida­de das famílias”. O combate à informalid­ade no mercado de arrendamen­to é outra das medidas que o CEO da Century 21 gostaria de ter lido no programa para esta legislatur­a.

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—PAULO CAIADO Presidente da APEMIP

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