Diário de Notícias - Dinheiro Vivo
Que interessam as eleições norte-americanas à Europa?
AEuropa entra em 2024 num processo onde terá de ultrapassar uma série de obstáculos decisivos. Numa primeira fase, as eleições europeias, importantes porque serão o pulsar do que vale neste momento o projeto europeu em contexto de guerra, e onde a coesão social parece estar a falhar no Velho Continente – alimentando desigualdade e o voto nos partidos políticos da revolta, que cada vez mais têm vindo a ganhar protagonismo e capacidade de alterar a tradicional agenda europeísta e reformista. No entanto, serão também decisivas para a Europa as eleições presidenciais norte-americanas. Por que razão e em que medida? Desde logo porque são os principais parceiros comerciais da União Europeia, mas sobretudo porque são os principais aliados militares e, consequentemente, do posicionamento geopolítico europeu. O que na atual conjuntura tem enorme relevância.
Vejamos então cada uma destas verticais em separado. No que diz respeito à componente das transações económicas, os Estados Unidos têm reforçado um papel de parceiro decisivo para a União Europeia – sobretudo depois da invasão da Ucrânia, quando se tornou um fornecedor de energia decisivo para contrariar a dependência excessiva do gás proveniente da Rússia. As grandes preocupações neste campo estão muito associadas à possibilidade de a próxima administração poder impor uma agenda mais protecionista, e com maiores restrições às relações comerciais com a União Europeia. Algo que, mesmo que vença Trump – sempre bastante exigente no campo do protecionismo – dificilmente será feito, ou pelo menos numa proporção que tenha impacto significativo na economia europeia. Aliás, é bem possível que com os republicanos existam menores restrições na exportação de gás natural, aumentando oferta – os Estados Unidos têm vindo a colocar algumas restrições na exportação por razões ambientais –, fator que beneficiaria os custos importados europeus com energia, o que mais compensaria um acordo comercial mais exigente em termos transatlânticos.
Em termos de Defesa, o impacto pode ser mais relevante. A Europa já aumentou a sua quota de gastos com Defesa na tentativa de atender às exigências anteriores da NATO em torno dos 2% do PIB, mas muitos países ainda têm bastante caminho a percorrer – Portugal, por exemplo, gasta o equivalente a 1,4% do PIB em Defesa. Com os orçamentos em todo o continente a enfrentar um ciclo de consolidação orçamental, após um aumento significativo nas despesas durante tanto a pandemia de covid como a crise energética, mais pressão para acelerar os gastos com Defesa, poderia criar desafios complexos de ultrapassar. Acresce que se for necessário à União Europeia aumentar o financiamento para a Ucrânia, para compensar uma acentuada diminuição do apoio dos EUA resultante das eleições norte-americanas, poderemos ver maiores tensões adicionais, no prolongamento da ausência de um fim para o conflito.
No final do dia, uma presidência Biden representaria em grande parte a continuidade dos compromissos que existem atualmente, mantendo para a Europa o status quo das regras comerciais e sobretudo do compromisso com a NATO, permitindo um ajustamento suave dos parceiros europeus à meta dos 2%. A vitória de Trump potencialmente cria mais incerteza e exigência relativamente aos compromissos com a NATO e com o conflito na Ucrânia, mas poderá também trazer aspetos positivos para a relação transatlântica, sobretudo no que diz respeito a relações comerciais e de energia. No entanto, algo parece claro. A União Europeia, seja qual for o resultado, provavelmente precisará de dedicar mais recursos para construir a sua própria estratégia, e reafirmar-se como projeto económico, social e político incontornável.