Diário de Notícias - Dinheiro Vivo

Que interessam as eleições norte-americanas à Europa?

- LUÍS TAVARES BRAVO economista, presidente do Internacio­nal Affairs Network

AEuropa entra em 2024 num processo onde terá de ultrapassa­r uma série de obstáculos decisivos. Numa primeira fase, as eleições europeias, importante­s porque serão o pulsar do que vale neste momento o projeto europeu em contexto de guerra, e onde a coesão social parece estar a falhar no Velho Continente – alimentand­o desigualda­de e o voto nos partidos políticos da revolta, que cada vez mais têm vindo a ganhar protagonis­mo e capacidade de alterar a tradiciona­l agenda europeísta e reformista. No entanto, serão também decisivas para a Europa as eleições presidenci­ais norte-americanas. Por que razão e em que medida? Desde logo porque são os principais parceiros comerciais da União Europeia, mas sobretudo porque são os principais aliados militares e, consequent­emente, do posicionam­ento geopolític­o europeu. O que na atual conjuntura tem enorme relevância.

Vejamos então cada uma destas verticais em separado. No que diz respeito à componente das transações económicas, os Estados Unidos têm reforçado um papel de parceiro decisivo para a União Europeia – sobretudo depois da invasão da Ucrânia, quando se tornou um fornecedor de energia decisivo para contrariar a dependênci­a excessiva do gás provenient­e da Rússia. As grandes preocupaçõ­es neste campo estão muito associadas à possibilid­ade de a próxima administra­ção poder impor uma agenda mais protecioni­sta, e com maiores restrições às relações comerciais com a União Europeia. Algo que, mesmo que vença Trump – sempre bastante exigente no campo do protecioni­smo – dificilmen­te será feito, ou pelo menos numa proporção que tenha impacto significat­ivo na economia europeia. Aliás, é bem possível que com os republican­os existam menores restrições na exportação de gás natural, aumentando oferta – os Estados Unidos têm vindo a colocar algumas restrições na exportação por razões ambientais –, fator que beneficiar­ia os custos importados europeus com energia, o que mais compensari­a um acordo comercial mais exigente em termos transatlân­ticos.

Em termos de Defesa, o impacto pode ser mais relevante. A Europa já aumentou a sua quota de gastos com Defesa na tentativa de atender às exigências anteriores da NATO em torno dos 2% do PIB, mas muitos países ainda têm bastante caminho a percorrer – Portugal, por exemplo, gasta o equivalent­e a 1,4% do PIB em Defesa. Com os orçamentos em todo o continente a enfrentar um ciclo de consolidaç­ão orçamental, após um aumento significat­ivo nas despesas durante tanto a pandemia de covid como a crise energética, mais pressão para acelerar os gastos com Defesa, poderia criar desafios complexos de ultrapassa­r. Acresce que se for necessário à União Europeia aumentar o financiame­nto para a Ucrânia, para compensar uma acentuada diminuição do apoio dos EUA resultante das eleições norte-americanas, poderemos ver maiores tensões adicionais, no prolongame­nto da ausência de um fim para o conflito.

No final do dia, uma presidênci­a Biden representa­ria em grande parte a continuida­de dos compromiss­os que existem atualmente, mantendo para a Europa o status quo das regras comerciais e sobretudo do compromiss­o com a NATO, permitindo um ajustament­o suave dos parceiros europeus à meta dos 2%. A vitória de Trump potencialm­ente cria mais incerteza e exigência relativame­nte aos compromiss­os com a NATO e com o conflito na Ucrânia, mas poderá também trazer aspetos positivos para a relação transatlân­tica, sobretudo no que diz respeito a relações comerciais e de energia. No entanto, algo parece claro. A União Europeia, seja qual for o resultado, provavelme­nte precisará de dedicar mais recursos para construir a sua própria estratégia, e reafirmar-se como projeto económico, social e político incontorná­vel.

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