Diário de Notícias - Dinheiro Vivo
Ler e escrever – uma aprendizagem social
Gabriela Velasquez e Nuno Crato debatem a aprendizagem da escrita e da leitura. Um processo que se inicia no seio da família e que, em termos formais, a ciência recomenda que se inicie o mais cedo possível.
“A aprendizagem da escrita começa muito antes da escolarização formal”, garante Gabriela Velasquez, professora do primeiro ciclo aposentada e doutorada em Psicologia da Educação. Desde cedo, as crianças constroem conceitos e conhecimentos sobre a leitura e a escrita a partir das experiências em casa e do contacto que têm com os livros. “Um capital determinante para a facilidade com que vão depois aprender na escolarização formal”, lembrou Gabriela Velasquez, no início de mais um Educar tem Ciência, um projeto da Iniciativa Educação em parceria com a TSF e o Dinheiro Vivo, esta semana dedicado à aprendizagem da escrita e da leitura.
“O contexto familiar é fundamental e cria diferenças que são marcantes à partida da escolaridade”, referiu a especialista. Cabe à escola reduzir essas diferenças e, por esse motivo, é essencial avaliar e conhecer a situação de cada criança à chegada à escola ou ao jardim infantil. “Nem as crianças entram com zero conhecimento nem entram todas no mesmo ponto. É fundamental conhecermos o ponto de partida e, a partir daí, estruturar o ensino, que tem de partir do que a criança já sabe”, defendeu Gabriela Velasquez, que sublinhou ainda a importância de investir em “salas ricas em literacia”. “As salas de aula devem estar inundadas de texto escrito de todas as formas: recados, avisos, calendários, todo o tipo de texto que tenha significado para as crianças daquela sala”.
Quando o tempo urge
Por seu turno, Nuno Crato lembrou a importância de se iniciar este processo de aprendizagem “o quanto mais cedo melhor”. “Houve um tempo em que se acreditava, de acordo com Piaget e outros psicólogos do desenvolvimento, que havia etapas muito fixas. Hoje sabe-se que não é assim. E os pais e a família, de maneira muitas vezes inconsciente, podem estar a
contribuir para que a criança se prepare para ler”, referiu o presidente da Iniciativa Educação.
Não ganhar este tipo de competências numa determinada idade pode trazer problemas difíceis de ultrapassar, referiu Nuno Crato, no que foi secundado por Gabriela Velasquez. “Sabemos que os adultos que não conseguiram aprender a ler na altura certa – por falta de oportunidade – têm sempre enormes dificuldades ao nível da identificação dos sons mínimos das palavras”, exemplificou a professora.
A importância do som – e, por conseguinte, da linguagem oral – na aprendizagem da leitura e da escrita foi outro dos temas em análise. “Todo o capital adquirido na linguagem oral vai ser potenciado na aprendizagem da leitura e da escrita. A nossa escrita baseia-se na transcrição dos sons da fala,
quanto maior for o meu vocabulário maior é a definição da palavra do ponto de vista cerebral”, explicou Gabriela Velasquez. Ter um vocabulário mais alargado vai obrigar a criar representações mais completas das palavras, para as conhecer e determinar uma a uma, referiu a especialista.
Um aspeto que levou Nuno Crato a questionar sobre o modo como as famílias devem falar com as crianças. Usar frases completas, sem simplificações e sem “abebezar” o discurso e evitar respostas lacónicas de “sim” ou “não” é uma das principais recomendações que pode ser dada aos pais, explicou Gabriela Velasquez. “Quando são muito pequenas, as crianças expressam-se de uma forma rudimentar, e os pais devem pegar no que a criança disse para completar, sem corrigir. De uma forma natural estão a dar a formulação correta e mais completa da frase que a criança disse”, explicou a especialista.
“Ler e ler e escrever não é uma tarefa só da escola. É principalmente da escola, mas começa quase no momento do nascimento e não termina nunca. Há uma evolução que se prolonga até à vida adulta e há uma necessidade, como sociedade, de continuar a investir na qualidade do ensino para os nossos alunos”, concluiu Gabriela Velasquez.