Diário de Notícias - Dinheiro Vivo
Miranda Sarmento queimou o estado de graça
Numa semana marcada pela palavra “embuste”, a mais proferida pelos partidos com assento parlamentar face à desvalorização do choque fiscal tão prometido pelo PSD (uma bandeira defendida, enquanto Oposição, logo no Orçamento do Estado para 2024 e repetida na campanha eleitoral e depois vertida no programa do governo da AD), há duas conclusões a tirar, pelo menos: o que de facto mexe no bolso dos portugueses com estas alterações no IRS impacta, essencialmente, na classe média que se enquadra no sexto e sétimo escalões, e nos jovens; e que o Governo está sem margem para falhar – o ministro das Finanças, Joaquim Miranda Sarmento, queimou o estado de graça.
Vamos por partes. Em relação ao IRS, os partidos ficaram escaldados e desde logo disseram que agora iam procurar as letrinhas abaixo do texto principal apresentado pelo governo no final do Conselho de Ministros que aprovou as mexidas no IRS. Como gato escaldado da água tem medo, qualquer coisa que o Governo viesse a aprovar já seria pouco face à expectativa que tinha sido causada – por outro lado, também ninguém, de facto, acreditava que matematicamente fosse possível somar 1500 milhões de euros à redução fiscal que o PS de António Costa já tinha iniciado. Portanto, o banho de realidade é que o Governo de Luís Montenegro soma sim 348 milhões para chegar a um valor global de 1539 milhões. E o que é que isso quer dizer? Com o propósito de devolver mais rendimento às famílias, a classe média é quem beneficia mais com este alívio. “Sejamos justos e precisos na análise”, esclarece Pedro Fugas, partner da EY, responsável pela área fiscal. “O número de pessoas beneficiadas por estes 348 milhões de alívio adicional é a classe média, logo, é um conjunto mais reduzido de pessoas. Mas o valor do alívio é considerável.” O grande choque fiscal está, sim, no IRS Jovem, “com dois terços de redução do imposto para todos os jovens até aos 35 anos, independentemente da escolaridade. É um universo enorme”. Sendo esta uma primeira fase anunciada agora, veremos o que virá a seguir.
Em relação ao segundo ponto, este não pode ser negligenciado pelo executivo. Terminado o “estado de graça” do governo, quando um ministro, como o da Educação, Ciência e Inovação, Fernando Alexandre, promete resolver o problema da falta de professores no próximo ano letivo, é bom que o faça com rigor. O que disse o ministro foi: “Vamos apresentar um plano de emergência para resolver o problema da falta de professores em breve”, ressalvando que “não se resolve de um dia para o outro”, mas que pretende que no próximo ano letivo não se repitam as falhas “muito significativas” deste ano. Todos sabemos que um dos problemas crónicos da Escola Pública é a falta de professores em muitas disciplinas cruciais para a aprendizagem dos alunos e em regiões do país muito pressionadas pelos preços elevados da habitação, como no Algarve ou em Lisboa. A contestação da classe docente, vincada por sucessivas greves na legislatura anterior, sem lhes querer retirar legitimidade, acabou por agravar ainda mais a falta de aulas e os grandes prejudicados são sempre os alunos. Por isso, nas promessas do ministro da Educação, é bom que se leiam as letras pequenas para que ninguém se diga surpreendido no futuro, sobre um problema “muito desvalorizado nos últimos anos, nas últimas décadas”, como Fernando Alexandre reconheceu. Este é um exemplo que serve para negociações na Saúde, na Justiça e com polícias.
Uma coisa é prometer-se o que é exequível, outra é saltar por cima da fogueira, sair queimado e queimar tudo à volta.
“Como gato escaldado da água tem medo, qualquer coisa que o Governo viesse a aprovar já seria pouco face à expectativa que tinha sido causada.”