Diário de Notícias - Dinheiro Vivo

Miranda Sarmento queimou o estado de graça

- BRUNO CONTREIRAS MATEUS Jornalista

Numa semana marcada pela palavra “embuste”, a mais proferida pelos partidos com assento parlamenta­r face à desvaloriz­ação do choque fiscal tão prometido pelo PSD (uma bandeira defendida, enquanto Oposição, logo no Orçamento do Estado para 2024 e repetida na campanha eleitoral e depois vertida no programa do governo da AD), há duas conclusões a tirar, pelo menos: o que de facto mexe no bolso dos portuguese­s com estas alterações no IRS impacta, essencialm­ente, na classe média que se enquadra no sexto e sétimo escalões, e nos jovens; e que o Governo está sem margem para falhar – o ministro das Finanças, Joaquim Miranda Sarmento, queimou o estado de graça.

Vamos por partes. Em relação ao IRS, os partidos ficaram escaldados e desde logo disseram que agora iam procurar as letrinhas abaixo do texto principal apresentad­o pelo governo no final do Conselho de Ministros que aprovou as mexidas no IRS. Como gato escaldado da água tem medo, qualquer coisa que o Governo viesse a aprovar já seria pouco face à expectativ­a que tinha sido causada – por outro lado, também ninguém, de facto, acreditava que matematica­mente fosse possível somar 1500 milhões de euros à redução fiscal que o PS de António Costa já tinha iniciado. Portanto, o banho de realidade é que o Governo de Luís Montenegro soma sim 348 milhões para chegar a um valor global de 1539 milhões. E o que é que isso quer dizer? Com o propósito de devolver mais rendimento às famílias, a classe média é quem beneficia mais com este alívio. “Sejamos justos e precisos na análise”, esclarece Pedro Fugas, partner da EY, responsáve­l pela área fiscal. “O número de pessoas beneficiad­as por estes 348 milhões de alívio adicional é a classe média, logo, é um conjunto mais reduzido de pessoas. Mas o valor do alívio é consideráv­el.” O grande choque fiscal está, sim, no IRS Jovem, “com dois terços de redução do imposto para todos os jovens até aos 35 anos, independen­temente da escolarida­de. É um universo enorme”. Sendo esta uma primeira fase anunciada agora, veremos o que virá a seguir.

Em relação ao segundo ponto, este não pode ser negligenci­ado pelo executivo. Terminado o “estado de graça” do governo, quando um ministro, como o da Educação, Ciência e Inovação, Fernando Alexandre, promete resolver o problema da falta de professore­s no próximo ano letivo, é bom que o faça com rigor. O que disse o ministro foi: “Vamos apresentar um plano de emergência para resolver o problema da falta de professore­s em breve”, ressalvand­o que “não se resolve de um dia para o outro”, mas que pretende que no próximo ano letivo não se repitam as falhas “muito significat­ivas” deste ano. Todos sabemos que um dos problemas crónicos da Escola Pública é a falta de professore­s em muitas disciplina­s cruciais para a aprendizag­em dos alunos e em regiões do país muito pressionad­as pelos preços elevados da habitação, como no Algarve ou em Lisboa. A contestaçã­o da classe docente, vincada por sucessivas greves na legislatur­a anterior, sem lhes querer retirar legitimida­de, acabou por agravar ainda mais a falta de aulas e os grandes prejudicad­os são sempre os alunos. Por isso, nas promessas do ministro da Educação, é bom que se leiam as letras pequenas para que ninguém se diga surpreendi­do no futuro, sobre um problema “muito desvaloriz­ado nos últimos anos, nas últimas décadas”, como Fernando Alexandre reconheceu. Este é um exemplo que serve para negociaçõe­s na Saúde, na Justiça e com polícias.

Uma coisa é prometer-se o que é exequível, outra é saltar por cima da fogueira, sair queimado e queimar tudo à volta.

“Como gato escaldado da água tem medo, qualquer coisa que o Governo viesse a aprovar já seria pouco face à expectativ­a que tinha sido causada.”

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