Diário de Notícias - Dinheiro Vivo
Luís Miguel Ribeiro “O país não pode prescindir dos imigrantes”
Perante o problema da falta de mão-de-obra, o presidente da AEP diz que é preciso desburocratizar a entrada de imigrantes, ao mesmo que se criam condições fiscais para travar a saída do país de trabalhadores qualificados e atrair de volta portugueses emig
Nesta entrevista, realizada antes de se conhecer a proposta do Governo para a redução do IRS, o presidente da Associação Empresarial de Portugal e da Fundação AEP defende que temos “uma fiscalidade altamente penalizadora”, e que o país deve ser mais ambicioso no IRS e no IRC. A Fundação está a celebrar o seu 15. aniversário, e Luís Miguel Ribeiro fala de alguns dos seus projetos.
Que caderno de encargos têm para apresentar ou já apresentaram ao novo Governo?
Temos um caderno de encargos que resulta daquilo que o Conselho Geral da AEP e daquilo que os empresários mais diretamente ligados à AEP definem como aquilo que são as grandes prioridades. A questão da fiscalidade é claramente uma dessas questões, quer ao nível do IRS, quer do IRC. Há outra que é absolutamente fundamental, que é a disponibilidade – ou a falta dela – de mão-de-obra para as empresas, que nos preocupa imenso. E depois há um desafio que temos num país com a dimensão de Portugal, que é a globalização e os efeitos dos eventos que têm acontecido pelo mundo, nomeadamente estes últimos com as guerras e o período pós-pandemia, que vieram trazer novos desafios, e as nossas empresas têm de ter condições para produzir com mais valor acrescentado.
Em relação à fiscalidade, a descida do IRS deste Governo poderia ir mais além em 2024?
Esta questão deve ser analisada com bom senso e com ponderação, porque temos hoje uma redução da dívida pública e um superavit em termos orçamentais, mas esta análise deve ser feita ano a ano, e temos de olhar para o Orçamento do 2024 e perceber se há folga para isso acontecer. Havendo folga, e mantendo ou diminuindo a nossa dívida pública, porque absorve imensos recursos do país para pagar os seus encargos, devemos ser mais ambiciosos ao nível do IRS. Dos mais jovens, mas também dos outros escalões, porque temos uma fiscalidade altamente penalizadora para as empresas, mas também altamente penalizadora para as pessoas que trabalham. E essa redução deve ser ainda maior, porque ela tem uma outra mensagem para quem trabalha. Quem tem a ambição de ganhar mais é mais penalizado e, muitas vezes, fazendo as contas, percebe-se que, afinal, esse esforço acrescido, essa ambição da pessoa querer ter um melhor rendimento, é absorvido em termos fiscais. Porque, além dos impostos serem altos, temos uma grande progressividade, e isso é penalizador. Era importante dar atenção a isto, porque é o que está a levar a que o salário mínimo comece a aproximar-se do salário médio, o que é preocupante para um país que quer talento, que quer pessoas qualificadas para trabalhar.
Em relação ao IRC, o Governo promete descê-lo em dois pontos percentuais por ano. Qual será o impacto desta redução?
O IRC deve também continuar a ter uma redução e a nossa proposta é que ele chegue aos 15% até 2027. Essa é a nossa ambição. E também há o exemplo do passado, que o diminuir a taxa de IRC não significa o Estado a perder receita. Podemos ter mais empresas a pagar imposto.
O Governo promete impulsionar o crescimento nos próximos anos para valores acima de 2% e 3% até 2028. Face à incerteza geopolítica, pode ser um cenário demasiado otimista?
O Governo, ao colocar esse cenário, quis passar uma mensagem de ambição. Acho que o país precisa que haja mensagens de quem governa de que há uma ambição para o país e há pessoas, há empresários e há capacidade de responder a essa ambição. Diria que as primeiras três prioridades para dizer ao ministro da Economia são: primeiro crescimento, segundo crescimento, ternão ceiro crescimento. Se não crescermos, não vamos dar resposta a nenhum dos outros desafios. E, por isso, diria que sim, que há condições, que é uma ambição, é uma fasquia elevada, mas que é importante que tenhamos estes desafios de crescer. Naturalmente que temos de perceber que há todo um contexto internacional que nos pode condicionar e pode não permitir que isto aconteça. O país e os empresários já demonstraram em alturas muito difíceis que são capazes de dar resposta e de conseguir ultrapassar esses períodos. Agora, não podemos é ter sinais contrários. Sabemos que temos um sistema empresarial muito micro, precisamos de ter empresas com maior dimensão e não podemos ter o sinal contrário, que é empresas que, quando querem ganhar escala e dimensão, são mais penalizadas em termos fiscais.
O objetivo do Governo é chegar a 2028 com o salário mínimo nos mil euros e o salário médio em 1750 euros, em 2030. Como é que avalia estas metas?
São metas exequíveis, é um caminho normal e natural que estamos a fazer ao nível do aumento dos salários. Resulta também daquilo que é a dinâmica do mercado de trabalho. Temos é de ter o cuidado de fazer contas a quanto é que custa uma pessoa à empresa que vai ter o salário de 1750 euros. É que isso não é o custo para a empresa. Aliás, as confederações, nomeadamente a CIP, veio até a desafiar, e os sindicatos tiveram uma posição em sentido contrário, que houvesse uma penalização do estímulo que se paga a mais, ou seja, que não fosse tributado da mesma forma esse trabalho.
Está a falar do 15.º mês livre de impostos e contribuições, que está no programa do Governo. A ser implementada, as empresas vão aderir ou serão uma minoria?
Há muitas empresas que certamente poderão aderir e deverão aderir, porque precisam de reter e de estimular os seus trabalhadores. Isso deve ser avaliado pela empresa em função dos seus níveis produtividade e condições que a empresa tem para remunerar.
“Havendo folga, e mantendo ou diminuindo a nossa dívida pública, porque absorve imensos recursos do país, devemos ser mais ambiciosos ao nível do IRS. Dos mais jovens, mas também dos outros escalões.”
Portugal tem falta de mão-de-obra em muitos setores. São postos de trabalho que podem ser ocupados por portugueses, ou o país não pode prescindir dos imigrantes?
O país não pode prescindir dos imigrantes (e imigrantes com i). Mas também não devia prescindir tanto dos portugueses que estão a emigrar. Os portugueses são mão-de-obra muito disputada, são pessoas que têm uma capacidade e qualificações que cada vez mais fazem falta às nossas empresas. Mas, além desses, temos os outros, aqueles
portugueses que emigraram há muitos anos, que ganharam mundo, competências, experiência e que também queremos trazer para o nosso país. Fizemos, na Fundação AEP, durante anos, uma coisa que chamámos de Match Point, que é criar momentos de encontro entre portugueses da diáspora, jovens portugueses e empresas nacionais que procuram mão-de-obra. É uma necessidade que o país tem, era muito importante conseguirmos fazer um trabalho contínuo de trazermos de regresso ao país os que emigraram.
Em relação aos imigrantes, tem de haver uma maior responsabilização dos empresários que contratam de forma precária?
Sim, mas isso muitas vezes, infelizmente, resulta da legislação e do enquadramento. Demora imenso tempo para que se consiga ter as pessoas cá de pleno direito, devidamente legalizadas enquanto cidadãos que podem circular no país, que podem ter direito e acesso a todos os serviços. O primeiro grande problema é, desde logo, todo o processo burocrático que está subjacente a isso. E por isso é preciso criarmos políticas de integração de imigrantes, de cidadãos. É termos capacidade de mais rapidamente conseguirmos que as empresas os tenham a trabalhar com todas as condições e com todo o enquadramento legal. Muitas vezes, e essas situações são sempre lamentáveis e não deviam acontecer, mas por vezes resultam desta situação e da necessidade premente das empresas. As empresas precisam rapidamente de trazer essas pessoas, e que elas iniciem a atividade. E, por vezes, o enquadramento legal atrasa imenso.
Mostrou-se preocupado com o período de transição entre governos para a execução do PRR. A situação parece-lhe controlada ou ainda há preocupações?
As preocupações mantêm-se, quer sobre o PRR, quer sobre o Portugal 2030. Continuamos a correr um enorme risco de não conseguirmos executar este volume de apoios comunitários de que o país precisa. Face àquilo que é o enquadramento, as questões burocráticas, o funcionamento, corremos sérios riscos de não conseguirmos executar. Podemos comparar com o que aconteceu com o Portugal 2020, que está já na fase final, final, final. Mas só com um programa andámos a reforçar apoios para entidades públicas, andou-se a fazer algum reforço de apoios de projetos que até já estariam executados ou quase concluídos, para se executar um programa. Um programa. Neste momento, são dois, e dois com um volume enorme de fundos e com a burocracia que temos.
Acredita que haverá alguma alteração de estratégia no PRR com o novo Governo?
Espero que sim. Aliás, o novo Governo fez uma coisa que me parece acertada – veremos se os resultados correspondem a esta expectativa –, que é concentrar a gestão dos fundos comunitários num ministério e numa pessoa que já tem experiência do passado na execução desses fundos comunitários. E, por isso, espero que, com a experiência do ministro que tutela esta área e com a concentração no mesmo ministério, se criem sinergias e mecanismos que possam agilizar.
O Banco de Fomento está a cumprir bem o seu papel?
Ainda temos caminho a fazer. Parece-me que esta nova administração, e daquilo que vamos acompanhando, tem dado passos no sentido de tornar o Banco de Fomento mais ágil. O Banco de Fomento tem duas tutelas, o Ministério da Economia e o Ministério das Finanças. Tem de ter instrumentos e mais autonomia para poder desempenhar a sua função e não ter de estar à espera meses para que seja autorizado o lançamento de uma linha de capitalização às empresas. É impensável, quando se quer um Banco de Fomento que seja ágil e que dê resposta, que esteja à espera que as tutelas autorizem. É preciso que o Banco de Fomento tenha mais autonomia, o que significa sempre mais responsabilidade, para que possa dar resposta e agilizar instrumentos de apoio às empresas.
No Programa de Estabilidade, o Governo aponta para uma desaceleração das exportações este ano para 3,1%. Parece-lhe uma previsão acertada?
Veremos. Ao nível das exportações, temos dois ou três grandes desafios que temos de ultrapassar. Nós temos uma base exportadora muito estreita ainda, por isso, temos de alargar a base exportadora, ter muito mais empresas a exportar e temos de exportar para mais mercados. As exportações estão muito focadas no mercado europeu, cerca de 70%. Quando hoje países de grande dimensão estão em retração, o caso da Alemanha ou de Espanha, para onde vão grande parte das nossas exportações, isto demonstra o risco que corremos. Ou seja, precisamos de diversificar mercados para diminuir o risco.
As associações têm um papel importante a desempenhar nesse processo?
As associações têm um papel fundamental, quando temos um tecido empresarial micro e pequeno, se não forem estas missões empresariais que as associações desenvolvem e já fazem há mais de 30 anos, vamos ter dificuldade em chegar lá. E por isso também é que o projeto da Rede Global da Diáspora, que a Fundação AEP tem vindo a desenvolver, é muito importante, porque temos já empresas registadas de 156 países, empresas portuguesas que estão nesses países. E os portugueses que estão nestes países são embaixadores, mas, por outro lado, também são pontos de contacto para que as nossas empresas mais pequenas. Ou seja, é uma outra forma de podermos chegar a esse mercado. Mas também é uma forma de muitos portugueses que estão espalhados pelo mundo poderem investir no nosso país. Com a Rede Global da Diáspora aumentámos em cerca de cinco milhões o número de portugueses e lusodescendentes espalhados pelo mundo. Se um país tem 10 milhões, isto é um crescimento significativo. E depois temos uma outra grande vantagem – os portugueses, nas comunidades onde estão, integram-se bem. E hoje temos portugueses muito bem posicionados, com empresas muito interessantes espalhadas por todo o mundo.
O novo ministro da Economia liderou a AICEP, portanto, é uma área que conhece bem?
O ministro da Economia tem uma experiência pessoal que pode transportar para o cargo que hoje tem, sendo que o Governo, tanto quanto se sabe, trouxe novamente a AICEP para o Ministério da Economia, o que é um sinal de que, de facto, a economia irá dotar esta área do apoio às exportações. Com a experiência do sr. ministro, como disse, acho que temos aqui condições para reforçarmos este trabalho. Temos cada vez mais que captar investimento, valorizar as exportações e diminuir importações, substituir por produção nacional, valorizar a indústria nacional, que é uma coisa que dizemos muitas vezes. Falamos em conceitos como a reindustrialização, mas depois não pomos em prática medidas em concreto para o fazer, e espero que este Governo o venha a fazer.
Que outros projetos tem a Fundação AEP?
A Fundação AEP tem vindo a desenvolver um conjunto de projetos que pretendem revalorizar a coesão territorial, no sentido de valorizar o que cada território do país tem que o distingue. O projeto chama-se Portugal por Inteiro, e o desafio é pensar Portugal a partir dos territórios. Se não fizermos isto, vamos ter territórios cada vez mais desertificados. Não havendo emprego, não há pessoas. A Fundação está alicerçada em quatro pilares: Portugal no Mundo, Inovação e Partilha de Conhecimento, Empreendedorismo e Sustentabilidade e Responsabilidade Social. Temos o programa Empreender 45-60, para uma faixa da população específica. Há uma nova oportunidade na economia que vai surgir, que é a economia da longevidade. E na área da sustentabilidade temos as Conversas na Fundação. Os próximos convidados serão Jorge Moreira da Silva, no final de abril, que vai falar dos desafios do desenvolvimento sustentável no contexto de crises globais, e depois iremos terminar, a 20 de maio, com a comissária europeia Elisa Ferreira.