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FMI BANCA PORTUGUESA É DAS MAIS EFICAZES A PASSAR AUMENTOS DE TAXAS DE JURO PARA AS FAMÍLIAS
Estudo mostra que percentagem de contratos indexados a taxa fixa em Portugal até aumentou ligeiramente nos últimos 11 anos, mas país continua muito vulnerável, com um dos rácios mais baixos a nível internacional (20% do total de crédito hipotecário). A média no grupo de referência analisado é quase o triplo: cerca de 56% dos contratos são a taxa fixa.
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Cerca de 80% do aumento acumulado das taxas de juro do Banco Central Europeu (BCE) em 2022 e 2023 (portanto, de quase 0% para um máximo de 4,5%) foi eficazmente refletido pelos bancos nas taxas de juro aplicadas às famílias portuguesas nos contratos de crédito à habitação, tendo assim Portugal um dos rácios de “transmissão monetária” mais elevados num grupo de 26 países, revela um estudo do Fundo Monetário Internacional (FMI) inserido no relatório “Perspetivas Económicas Mundiais”, o Outlook divulgado esta semana.
O caso português é mais delicado uma vez que, mostra o FMI, um terço das famílias tem um contrato hipotecário ativo (ainda em pagamento ao banco), estando estas muito vulneráveis a subidas de taxas de juro por causa da prevalência esmagadora de contratos indexados a taxas variáveis.
A percentagem de contratos indexados a taxa fixa até aumentou ligeiramente nos últimos 11 anos, mas continua a ser das mais baixas em termos internacionais (cerca de 20% do total de créditos imobiliários). A média internacional no grupo de referência analisado pelo FMI é quase o triplo: cerca de 56% dos contratos são a taxa fixa.
Esta é uma das principais causas para a alta vulnerabilidade das famílias portuguesas face ao ambiente de taxas de juro muito elevadas e que, sem certezas absolutas, só devem começar a aliviar em junho e de forma muito ligeira, segundo dá a entender o BCE. Fala-se de um corte de apenas 0,25 pontos percentuais na taxa diretora, eventualmente (mas menos provável), seguido de um novo corte de igual dimensão mais no final deste ano, o que colocaria a taxa de referência decidida em Frankfurt nos 4%.
Como referido, o FMI foi calcular um indicador capaz de medir a capacidade dos bancos em refletir subidas de taxas de juro nas taxas dos créditos à habitação ao longo do atual ciclo de política monetária “restritiva”, que serve para arrefecer a inflação muito alta por via de fortes constrangimentos ao consumo das famílias e ao investimento das empresas (procura interna).
Assim, no novo Outlook, o Fundo dirigido por Kristalina Georgieva, elaborou um ranking com base no rácio que mede essa capacidade ou eficácia de transmissão dos custos
adicionais das taxas de juro às famílias com dívidas ao banco por motivos de aquisição de habitação.
Esse rácio é, no fundo, a proporção do aumento acumulado das taxas de juro de hipotecas existentes face ao aumento acumulado da taxa de juro diretora no ciclo pós-pandemia, entre 2021 e 2023, explica o FMI.
Como referido, em Portugal, o rácio é de 0,79 (ou seja 70% dos aumentos decretados pelo BCE passaram para as taxas de juros aplicadas pelos bancos aos clientes).
Na Zona Euro, há alguns países com rácios superiores, veja-se os casos de Lituânia (91%) ou Letónia (81%), mas a vulnerabilidade das famílias destes países é muito mais baixa. Razão: a proporção de famílias com créditos hipotecários não chega a 10%, é cerca de um terço face à realidade portuguesa, mostra o FMI.
“No ciclo de maior restritividade pós-pandemia na Europa, a transmissão tem sido heterogénea consoante os tipos de taxas de juro que estamos a analisar”, começa por referir o FMI.
Por exemplo, “a transmissão parece ser mais elevada para os depósitos a prazo, seguida da transmissão para os empréstimos hipotecários e para os empréstimos a sociedades não financeiras”.
Mas em relação aos ciclos anteriores, “a transmissão na Europa enfraqueceu um pouco, exceto no que se refere aos depósitos a prazo e aos empréstimos a sociedades não financeiras”.
“Os efeitos da transmissão das taxas hipotecárias sobre a atividade real dependem das características do mercado hipotecário, tais como a prevalência de hipotecas, a taxa variável e a percentagem de famílias com hipotecas. Em alguns países europeus, a transmissão às hipotecas em curso é elevada, mas a percentagem de famílias com hipotecas é relativamente baixa”. É o exemplo inequívoco referido acima, da Letónia e Lituânia.
No entanto, “noutros casos, existe uma forte transmissão, em combinação com um elevado stock de empréstimos hipotecários, o que pode implicar grandes alterações nos custos do serviço da dívida das famílias”, referem os economistas do FMI.
“O aumento anual dos custos do serviço da dívida hipotecária em relação a meados de 2022 varia significativamente na área do euro, desde Portugal com 1,2% do Produto Interno Bruto (PIB) até Malta, com praticamente zero”.
Ou seja, tudo considerado, as famílias portuguesas são, de facto, as que arcam com a maior fatura (em termos comparativos) devido à eficácia dos bancos em passar os seus custos com juros para os clientes (as famílias, justamente).
Malparado na habitação é baixo, mas é um risco
O problema seguinte, o risco de o malparado poder disparar está latente. Segundo o Banco de Portugal (BdP), o rácio dos empréstimos vencidos (em incumprimento, com prestações em atraso) concedidos a particulares por motivos de compra de casa continua, de facto, muito reduzido, era de apenas 0,3% do total em fevereiro último.
Mas a autoridade governada por Mário Centeno avisou no mais recente diagnóstico sobre a estabilidade financeira do país que os “principais riscos e vulnerabilidades” para a estabilidade financeira são “o aumento do incumprimento das famílias mais vulneráveis, devido ao efeito conjugado de uma subida adicional das taxas de juro de curto prazo e um agravamento da taxa de desemprego” e “a dificuldade das empresas em assegurar o serviço de dívida, em particular das mais vulneráveis, condicionadas pela persistência de taxas de juro elevadas, juntamente com expectativas de moderação do crescimento económico”.
Até agora, como tem sublinhado várias vezes Mário Centeno, a “resiliência do emprego”, que continua a crescer, e a aparente contenção na taxa de desemprego, têm sido como um garante, a chave, que impede o alastramento de uma nova crise motivada por um aumento do crédito em incumprimento.
Além destes, o BdP destaca o risco de haver “uma correção de preços no mercado imobiliário residencial” e “a pressão acrescida sobre as contas públicas devido a um abrandamento da atividade económica, conjugado com a inversão do ciclo de redução das despesas com juros, num quadro de ainda elevado endividamento”.