Diário de Notícias - Dinheiro Vivo
Mudança radical
Nesta semana ocorreram, em Washington, os habituais encontros anuais do FMI e Banco Mundial, pretexto para a apresentação de pontos de situação, análises e previsões as mais variadas, convocando desde académicos prestigiados até banqueiros e responsáveis políticos ao mais alto nível.
Quando se compara a agenda deste ano com a de anos anteriores a maior diferença não estará na sua estrutura, mas no discurso crítico do chamado “consenso de Washington”, sobre o qual se erigiu o edifício do sistema económico mundial nas últimas décadas.
Talvez não por acaso, foi também esta a semana que Mario Draghi escolheu para levantar o véu sobre o documento de estratégia que lhe foi encomendado. No essencial, o seu diagnóstico, e propostas, estão alinhados com o que se foi lendo e ouvindo do outro lado do Atlântico: a evolução de uma era em que a economia comandava a política, para uma em que a política determina a economia, de uma ordem baseada em regras, para uma baseada em poder e geoestratégia. Se a primeira assentava na confiança e colaboração, essenciais num modelo centrado no comércio internacional, os excessos decorrentes da chamada hiperglobalização, facilitaram o surgimento, mesmo em democracias, de discursos e práticas protecionistas e nacionalistas. Traduzido em chavões: o neoliberalismo deu lugar ao neomercantilismo, em que a economia é uma espécie de jogo de soma nula, no qual só se pode ganhar à custa dos outros. A situação a que chegamos é paradoxal e perigosa. Os desafios e problemas que enfrentamos (progresso inclusivo, alterações climáticas, conflitos, etc.) são, no essencial, globais, requerendo respostas... globais. E, no entanto, as tendências apontam no sentido contrário.
Estas mudanças sobrepõem-se quase de forma perfeita com a vida da nossa democracia, não sendo de estranhar que, também por cá, o populismo nacionalista esteja a fazer caminho. Tal como Draghi aponta, a resposta requer uma estratégia de mudança radical que, como diria o Nobel da literatura Romain Rolland, alie o pessimismo da inteligência com o otimismo da vontade. Não ignorar para mudar!
“A situação a que chegamos é paradoxal e perigosa. Os desafios e problemas que enfrentamos são, no essencial, globais, requerendo respostas… globais. E, no entanto, as tendências apontam no sentido contrário.”