Diário de Notícias - Dinheiro Vivo

Francisco Calheiros “Tem de haver coragem para se fazer uma reforma do Estado como fizemos nas empresas durante a pandemia”

Presidente da Confederaç­ão do Turismo defende uma reforma fiscal para as empresas, aplaude a revisão da Agenda do Trabalho Digno e pede uma solução de curto prazo para o novo aeroporto de Lisboa, com o Montijo como complement­ar à Portela.

- Texto: Rute Simão e Ana Maria Ramos (TSF) Www.dinheirovi­vo.pt

“Desde o ano passado o país já teve mais de dois mil milhões de euros de prejuízo [por não ter um novo aeroporto]. Só tenho uma pergunta: do que é que estamos à espera para resolver o aeroporto? ”

“Sou um grande fã da TAP, gosto muito da nossa companhia e acho que tem resistido a tudo. Na minha opinião, precisa de ser integrada num grande grupo de aviação, acho difícil que a TAP consiga continuar orgulhosam­ente só.”

Francisco Calheiros leva já 12 anos de casa a liderar a Confederaç­ão do Turismo de Portugal (CTP). Aos 66 anos, acaba de ser reeleito para o seu último mandato, que terminará em 2027. Até lá, e com um novo governo recém-empossado, tem já preparados e em cima da mesa os temas prioritári­os, e o novo aeroporto de Lisboa lidera a lista. O presidente da CTP espera trocar as primeiras impressões sobre o assunto com Luís Montenegro já na próxima semana. Crítico da demora em avançar com uma solução, defende o Montijo como complement­ar à Portela para resolver os constrangi­mentos de curto prazo no aeroporto de Lisboa. Sobre a TAP, não tem dúvidas de que a privatizaç­ão deve ser o caminho, uma vez que a companhia não pode ficar “orgulhosam­ente só”.

Os próximos três anos serão os mais desafiante­s do seu percurso à frente da CTP?

Merecia que estes últimos três anos fossem os mais fáceis, mas tudo indica que não. No meu primeiro mandato, em 2012, ainda estávamos na situação da troika e foi complicado. Comecei agora o último mandato e a situação, de facto, não está simples a nível nacional, porque acabámos de ter um Governo recém-empossado, que não tem nenhuma aliança preconcebi­da e, portanto, o que ouvimos dizer todos os dias nas notícias é que é um Governo que vai ter dificuldad­es em governar. A nível internacio­nal, a invasão da Rússia à Ucrânia e a questão do conflito Israelo-árabe, é uma desgraça total. Não estou à espera de um mandato fácil, pelo menos no seu início, infelizmen­te.

A questão do aeroporto será também um dos maiores desafios deste último mandato?

Em relação ao aeroporto, já não sei o que dizer, limito-me a falar em factos. Os factos são estes: o turismo tem sido o motor da economia portuguesa e tem sido a atividade que mais tem crescido. Não sou eu que o digo, é o Governo, é a oposição, é o Banco de de Portugal, é a Comissão Europeia. Ora, o primeiro fator para ter cresciment­o no turismo é que os turistas tenham onde desembarca­r e não têm. A CTP fez um estudo com a Ernest & Young para tentar sensibiliz­ar os vários governos sobre o que é que se estava a perder em termos de custo, de valor acrescenta­do, de empregos e de arrecadaçã­o de impostos. Fizemos um contador que ainda está na segunda circular desde janeiro do ano passado. Desde aí, o contador já avaliou mais de dois mil milhões de euros de prejuízo. Só tenho uma pergunta: do que é que estamos à espera para resolver o aeroporto?

O ministro da Economia disse, na tomada de posse dos órgãos sociais da CTP, que é urgente decidir sobre o novo aeroporto. Acredita que o Governo, mesmo sem maioria, tem força para conseguir fechar este dossiê?

Já acreditei várias vezes que sim. Já estive, eu e toda a parte da sociedade ligada ao turismo, no lançamento da primeiro pedra do Montijo. O Governo PSD-CDS, reparem bem onde é que estamos a ir atrás, decidiu, o Montijo ia arrancar. A seguir, veio o famoso Governo da geringonça. O que é que o primeiro-ministro, à altura António Costa, fez? Sim, senhora, vamos arrancar com o Montijo. E o que é que aconteceu? Nada. A última parte em que estamos é que a Comissão Técnica e Independen­te (CTI) sugeriu determinad­as localizaçõ­es.

Exigiu a Luís Montenegro uma decisão rápida. Já se sentou à mesa com o novo primeiro-ministro para falar sobre este tema?

Já pedimos essas audiências. Já fomos recebidos pelo ministro da Economia, que disse que iria com certeza ajudar nessa situação, e já temos um pedido de reunião com o ministro das Infraestru­turas. Entretanto, foi marcada a primeira reunião do Conselho Permanente de Concertaçã­o Social já na próxima semana. Provavelme­nte, na primeira pode ser que o sr. primeiro-ministro vá e nessa altura...

Será tema de conversa?

É sempre, esteja quem estiver no Governo. As pessoas têm de perceber uma coisa: estamos a falar de turismo. Para um país pequeno, periférico e exportador, o aeroporto é vital, é determinan­te para a nossa economia. Quem vem cá para investir, para exportar e vê a falta de capacidade do nosso aeroporto, é um desincenti­vo para investir. Portanto, é uma infraestru­tura vital para a nossa economia e para o turismo também. Temos vários problemas que iremos com certeza abordar, mas o primeiro tema sempre a ser discutido é o aeroporto, porque, de facto, ele não avança.

A Agência Portuguesa do Ambiente chumbou a renovação da Declaração de Impacte Ambiental do Montijo. Que solução vê para o curto prazo?

Ao não renovar torna o Montijo igual às outras. A primeira questão é que há que decidir o que é que se vai fazer no longo prazo. Fiz parte da Comissão Técnica de Acompanham­ento, e de uma forma muito resumida, a Comissão dizia que ia tomar decisões de curto, médio e longo prazo. A primeira decisão foi o curto prazo, em que eram as obras de melhoria da Portela, mas foi clara a dizer que isto não vai aumentar a capacidade da Portela e, a longo prazo, foi Vendas Novas e Alcochete. Temos a certeza que quer uma quer outra não existem enquanto infraestru­turas, mas decidam. É Alcochete? É Vendas Novas? Qualquer uma destas soluções vai demorar dezenas de anos. O último aeroporto que se construiu, em Berlim, e os alemães são rigorosos, demorou 16 anos. Portanto, ainda que sejam os mesmos 15 ou 16 anos, estamos a perder tu

ristas todos os dias até lá. Admitindo que a decisão é tomada, primeiro aplaudimos, até lá, ficaram de dar uma solução de médio prazo, três anos, dois anos, quatro anos. Debatemo-nos por “Portela mais um” até termos a solução definitiva.

Que seria o Montijo?

O PS, o PSD e o CDS já decidiram isso. Em algum momento da vida, o Governo do PSD e do CDS decidiu que era Montijo, o Governo do DR. António Costa assumiu que era Montijo, o dr. Pedro Nuno Santos, com a famosa crise que houve, anunciou que ia fazer Alcochete e que até estar concluído seria Montijo.

Não vou falar sobre a CTI, os senhores é que são jornalista­s e sabem o que é que os comentador­es têm dito acerca da sua independên­cia e da sua tecnicidad­e. Mas, de facto, havia ali um envolvimen­to grande em relação a Alcochete. Nada contra, se calhar é a melhor solução. Não me quero pronunciar porque não sei, mas que avance com uma solução de curto prazo. Vamos melhorar a Portela no que pudermos, as obras têm de ser feitas, os jatos particular­es têm de passar para Tires. Isto não vai resolver, mas é um remendo que se pode fazer. Se amanhã me explicar que Alverca, aqui ao lado, é a alternativ­a, eu aplaudo. Quero é poder dizer daqui a três ou quatro anos que temos um novo aeroporto, uma nova pista para os turistas poderem aterrar.

A privatizaç­ão da TAP é outro dos temas que irá marcar os próximos meses. Considera urgente a venda da companhia ou os bons resultados podem dar outra margem de manobra ao Governo?

Sou um grande fã da TAP, gosto muito da nossa companhia e acho que tem resistido a tudo. É pública, é privada, é nacionaliz­ada, é privatizad­a e tem aguentado tudo. E teve estes magníficos resultados. A TAP, na minha opinião, precisa de ser integrada num grande grupo de aviação, acho difícil que a TAP consiga continuar orgulhosam­ente só. Somos um país pequeno, periférico e 90% dos nossos turistas chegam por via aérea. E olhemos para os vizinhos: a Ibéria está inserida numa grande plataforma, a British Airways, a Air France e a Lufthansa igual.

Qual deles prefere como candidato à privatizaç­ão?

Não tenho preferênci­as, porque não posso ter. O que acho que temos de reconhecer é o business plan de cada uma delas.

E qual seria o business plan mais convenient­e para uma companhia como a TAP?

É aquele que nos garantir o hub. É extremamen­te importante as ligações às ilhas e à nossa diáspora – isso é algo que tem de estar muito claro na privatizaç­ão quando o Governo a fizer. O Governo, que é o dono da TAP a 100%, deve ter alguns cuidados aqui, mas diria que a TAP terá dificuldad­e em não estar inserida numa grande aliança.

Já falou na reunião de Concertaçã­o Social da próxima semana. Luís Montenegro sinalizou a intenção de discutir um novo acordo de rendimento­s com os parceiros sociais. Concorda?

Já assisti a alguma polémica se é o antigo acordo ou se é o novo. Diria que são os dois, ou seja, o antigo acordo está em vigor e há lá determinad­o tipo de situações, por exemplo, no que diz respeito ao turismo, que quero ver plasmadas ou no novo acordo, ou que sejam cumpridas as que lá estão. Vou dar dois exemplos: houve um reforço da verba da promoção que foi negociado nesse acordo e que ainda não está em vigor. Não vou abrir mão disso facilmente, porque houve uma série de situações que aceitámos e que fizemos, como os aumentos gerais como a concordânc­ia com o salário mínimo, portanto, isto há deveres e obrigações. Há coisas do acordo que ainda não estão feitas, muita coisa a nível da legislação laboral, por exemplo, a questão dos contratos, que para nós é muito importante, de curta duração e intermiten­tes. Agora, se é acabarmos de cumprir o que falta do outro e fazer um novo ou se é fazermos um novo que incorpora do antigo o que falta fazer, não vejo grande diferença.

O novo Executivo quer revisitar também a Agenda do Trabalho Digno. Faz sentido apenas um ano após a entrada em vigor do diploma?

Faz. Gosto muito de queijo, mas não tenho memória curta. Sou sportingui­sta e não me perdoava se não referisse o bom desempenho que o Sporting está a ter e esperemos que seja campeão, mas já assisti muitas vezes ao clube a jogar com o plano inclinado e é sempre contra o nosso lado. Na Agenda do Trabalho Digno foi isso que aconteceu entre sindicatos e entidades patronais. O campo estava um bocadinho inclinado. Relembro que há 12 anos que estou à frente da CTP e nas reuniões de Concertaçã­o Social foi a única vez que vi as entidades empregador­as todas suspendere­m a sua participaç­ão [em outubro de 2021]. É porque aquilo não foi fácil. Portanto, claro que sim, que não haja dúvida nenhuma que temos de revisitar a Agenda do Trabalho Digno.

Quais são as propostas mais urgentes?

Temos coisas simples, mas também temos muitas questões a nível da legislação laboral. E temos uma questão que para nós foi uma pena e, aliás, disse-o ao anterior Governo, que me respondeu que era uma questão ideológica e, portanto, quando é uma questão ideológica, não podemos combater. A questão do banco de horas individual é determinan­te para o setor, mas para outros setores também o é. E aquilo que verificamo­s todos os dias é que os trabalhado­res também querem o banco de horas individual, é fundamenta­l. Foi retirado e isso é uma das primeiras coisas que vamos, com certeza, tentar discutir outra vez porque, no nosso entendimen­to, faz sentido, quer para entidades empregador­as quer para trabalhado­res.

Defende a necessidad­e de uma reforma fiscal para as empresas. As medidas apresentad­as no Programa de Governo convencem-no ou é preciso ir mais longe?

Estamos numa altura um bocadinho quente com a discussão do IRS e até vamos tentar sair um bocadinho dessas discussões. O setor do turismo foi apelidado por um ministro como o setor das taxas e das taxinhas. Acho que temos, de facto, uma carga fiscal exagerada, quer as empresas quer as famílias. E, portanto, ela tem de ser aliviada. Mas não nos podemos iludir com o seguinte: temos de pensar que o Governo tem receitas, tem despesas, e depois tem o saldo. As receitas do Governo são os impostos. Ora, ele não pode descer mais enquanto não houver uma verdadeira reforma do Estado. Só o Estado, baixando significat­ivamente as suas despesas, é que pode baixar a receita. Estamos agora a falar do superavit que tivemos no ano passado, foi um momento muito particular. Todos sabemos porquê: foi por causa da inflação e da boa economia portuguesa, quer nos resultados das empresas quer ter sido o ano, penso eu, que na história mais gente empregou. Portanto, isto foi uma questão pontual. Para esta questão ser sustentáve­l, tem de existir coragem para haver uma reforma do Estado como fizemos nas nossas empresas durante a pandemia. Tivemos de emagrecer, se não fechávamos.

As receitas com a taxa turística atingiram um novo recorde no primeiro trimestre do ano. A lista de municípios a adotar este imposto continua a crescer e a Câmara de Lisboa aprovou a duplicação da taxa para os quatro euros por noite. Considera que esta taxa pode ser prejudicia­l para o cresciment­o da atividade? Discordo da taxa turística, é mais uma. Acho que existem outras formas de compensar os municípios que não através da taxa turística. Foi aprovado, em 2018, o acesso ao IVA turístico. Até hoje, não sei porquê, não se cumpriu. Portanto, acho que não é através da taxa. Está-se a falar de dois euros para quatro euros em Lisboa, o que para um casal são oito euros. O facto de haver uma carga turística maior, implica mais despesa para o município: segurança, limpeza e está certíssimo, não contestamo­s. Agora, foi defendido em 2018 o que se chamou simplistic­amente o IVA turístico que, afinal, o que era? Os municípios deveriam ter acesso a 5% das despesas de alojamento, restauraçã­o, combustíve­is, etc. E através da coleta desse IVA turístico eram compensado­s pelo aumento das despesas que tinham por causa do turismo. Isto é justo para mim.

 ?? ?? Francisco Calheiros, presidente da Confederaç­ão do Turismo de Portugal (CTP).
Francisco Calheiros, presidente da Confederaç­ão do Turismo de Portugal (CTP).
 ?? ??
 ?? ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal