Diário de Notícias - Dinheiro Vivo

“Quando me dizem que Silicon Valley já não é importante, eu pergunto: em que mundo?”

- Nuno Gonçalves Pedro Ana Rita Guerra

Tem-se falado da perda de influência de Silicon Valley. Ainda é preciso estar aí para conseguir vencer no mercado?

Há empresas a serem criadas em Bucareste, na Roménia, que hoje em dia dizem que são de Nova Iorque. Há empresas portuguesa­s que fizeram esta coisa das duas costas, engenharia em Portugal e Silicon Valley para vendas, marketing e produto. Faz todo o sentido. Cada vez vamos ter mais isto, hubs, equipas remotas, e a inovação vai estar cada vez mais dispersa à volta do mundo.

Mas ninguém vai conseguir competir com Silicon Valley a nível de startups. É uma questão pura de números. O capital que está disponível aqui para ser investido, investidor­es-anjo, micro fundos, firmas de capital de risco semente, firmas de capital de risco clássicas, fundos de cresciment­o: a granularid­ade do cenário não temos em lado nenhum do mundo.

Segundo, a quem se vai vender se a empresa não entrar em bolsa? Tem que ser a uma empresa grande de tecnologia e a maior parte delas também está aqui. Portanto, só essa escala não há em mais parte nenhuma. E depois há a coisa mais básica, que é talento. Onde é que estão os melhores gestores de produto do mundo? Se querem fazer growth hacking, para onde vão? Onde estão as pessoas que inventaram o growth hacking.

Durante a pandemia muita gente saiu da Califórnia. Já se nota que estão a voltar?

Sim. Chega-se à conclusão que elas na verdade nunca saíram totalmente. Passam é mais tempo noutros sítios. Eu acho que isto é uma questão de centro de gravidade.

No primeiro trimestre do ano passado, o segundo maior mercado de investimen­to de capital de risco nos Estados Unidos era Nova Iorque com quatro mil

milhões de dólares. O número um era Silicon Valley, com 21,3 mil milhões. Quando me dizem que Silicon Valley já não é importante, eu pergunto: em que mundo? Isto é geração atrás de geração de capital de risco.

E como avalia o panorama em Portugal?

Acho que há pessoas em capital de risco em Portugal excecionai­s a nível técnico, mas o grande problema que existe não é as pessoas não conseguire­m reconhecer falhanço. É a maior parte dos VC em Portugal não terem experiênci­a em grande sucesso. E como não há reconhecim­ento de padrões em grande sucesso, cometem-se erros.

Porque não há dimensão?

Não existe este padrão de sucesso estrondoso. Ao mesmo tempo, acho Portugal como ecossistem­a fantástico e está a melhorar cada vez mais. Nós termos um escritório em Portugal é sinal disso. Eu passo à volta de dois meses por ano em Portugal e acho que é um país que evoluiu muito do ponto de vista de como trabalha com empreended­ores e startups.

Que conselho dá aos empreended­ores portuguese­s que queiram lançar-se nos Estados Unidos?

Primeiro, é preciso mesmo vir para os Estados Unidos. As pessoas às vezes querem vir porque acham que é cool, que é mais fácil levantar dinheiro. Não. Têm de ter uma história para os Estados Unidos, como negócio. Se não têm é difícil levantar dinheiro de investidor­es. O dinheiro que existe aqui é para as pessoas aqui, e depois pode ser que haja umas pessoas brilhantes noutras partes do mundo que também consigam algum dinheiro. Mas a barra é muito alta, portanto, a primeira coisa que eu aconselhar­ia é que percebam muito bem porque é que os Estados Unidos são fulcrais para o negócio deles.

Depois de perceberem, estejam realmente empenhados em fazer isso acontecer. Não é só apanhar um avião de vez em quando. É quem é que da equipa de liderança vai viver aqui e vai fazer crescer a firma aqui. Foi o que nós vimos com alguns dos nossos grandes sucessos, com o Nuno Sebastião, da Feedzai, com o Tiago Paiva, da Talkdesk. Têm que estar aqui, viver aqui, e é muito duro.

Isto é muito caro, muito complicado e não tens nenhuma vantagem sobre essas pessoas. Os americanos, como eu costumo dizer, são um caso de sucesso de marketing e vendas. Os americanos andam em equipas de debate desde que são miúdos. A terceira coisa é suor, 90% desta coisa é suor. Isto é tudo muito complicado. Sinto às vezes um bocadinho de medo que nesta geração em que nós estamos também há pessoas que se estão a tornar empreended­oras pelas razões erradas. Porque é cool, porque vocês escrevem histórias fantástica­s e estão nas notícias.

Começa a ser o rei e a rainha lá do bairro. E não é isso. Se a pessoa vem para aqui e decide competir com pessoas como o Nuno Sebastião, o Tiago Paiva, o Vasco Pedro, vêm competir numa arena que é muito diferente da portuguesa. A competitiv­idade é diferente. Se a pessoa estiver disposta a meter o suor para fazer isso, e estamos a falar de vários anos, talvez tenha uma hipótese.

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Sócio da Chamaeleon

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