Diário de Notícias - Dinheiro Vivo
Próxima arma de desinformação: os influencers
Quem quer criar o caos social tem novos equipamentos no arsenal para espalhar mentiras. E as eleições europeias irão colocar à prova a capacidade da UE para atacar o problema.
Na quarta-feira, a Comissão Europeia conduziu um primeiro teste de stress à capacidade das plataformas de redes sociais para resistir à desinformação. O exercício decorreu em Bruxelas com o apoio de alguns elementos da sociedade civil, de forma a antecipar táticas de manipulação de informação antes das eleições para o Parlamento Europeu – que a própria Vera Jurova, vice-presidente da Comissão Europeia teme que venham a dar origem a uma “avalanche de desinformação”. E destacou a Rússia como o principal ator estrangeiro envolvido nestas manobras, além dos movimentos internos que visam criar caos social. Este teste faz parte da abordagem ampla que a Comissão Europeia está a fazer ao problema, tema onde se aguardam ainda mais medidas para obrigar as plataformas de redes sociais a aumentar os esforços para detetar e eliminar a desinformação massiva.
E a rede internacional coordenada pelo European Digital Media Observatory (EDMO) regista um crescendo de desinformação que aproveita temas recentes, como a revolta dos agricultores europeus, para semear descontentamento face à União Europeia. O EDMO destaca histórias que falam de cidadãos obrigados a comer insetos na sua dieta e que Bruxelas teria aprovado a importação de alimentos tóxicos para colocar no mercado comida a baixo custo.
Neste exercício participou Inês Narciso, investigadora do ISCTE focada em questões de desinformação e colaboradora do Vost Europe, que confirma o cenário de trabalho: “Não há dúvida que existe imenso interesse de alguns atores estrangeiros no resultado das eleições europeias, porque isso tem um impacto direto na geopolítica dos conflitos militares e económicos. E já há evidências de primeiras ações que funcionam como balões de ensaio para construir já a base, para depois fazer campanhas mais intensas em cima da data das eleições.”
O que é claro é que a face da informação está a mudar. E aí Inês Narciso destaca três aspetos: em primeiro lugar o problema dos influencers nas redes sociais, que são também um possível canal de distribuição e amplificação de desinformação – com a agravante de serem muito mais económicos e difíceis de rastrear. “Pagar anúncios para chegar a um milhão de pessoas é muito mais caro do que pagar a um influencer que tem um milhão de seguidores. Além disso, deixa menos rastro e a ação é conduzida de forma menos evidente.” Em países como Rússia, Índia e Estados Unidos, foram já assinaladas diversas situações semelhantes, o que permite antever a disseminação deste fenómeno para outras latitudes.
Outro aspeto relaciona-se com a distribuição via WhatsApp e outras plataformas de mensagens encriptadas, que são “uma tempestade perfeita no que toca à difusão de desinformação”. A impossibilidade de acesso por parte dos investigadores, a distribuição em larga escala sem registo e a criação de grupos relacionados “facilita a disseminação de informação sem controlo e sem registo”. Sem diabolizar as plataformas que têm, nas palavras da investigadora, “os seus próprios problemas”, é necessário deixar claro que é possível fazer mais. E isto porque numa fase em que plataformas como o WhatsApp procuram o reforço económico, têm interesse em que os cidadãos passem o maior tempo possível nas mesmas.
O debate inquinado com informação falsa aumenta as emoções “e gera interações, interações essas que têm que passar nas plataformas. Portanto, esta economia, este ecossistema informativo em que toda a gente tem uma opinião, toda a gente se revolta, é um ciclo vicioso que as beneficia.” E o modelo económico das plataformas, que depende em grande medida da recomendação algorítmica, faz com que haja uma relação direta entre disseminação de desinformação e retorno financeiro de empresas como a Meta e o Facebook.
O terceiro ponto refere-se às novas ferramentas de inteligência artificial, que facilitam e muito a criação e disseminação de desinformação. Quando perguntada sobre quem tem o poder e a capacidade de mudar uma eleição, a investigadora apresenta uma ideia poderosa: “Há cinco anos, a resposta seria claramente um Estado-nação, provavelmente a Rússia ou a China. Hoje diria a dona Albertina que se quer candidatar à junta de freguesia lá da terra e que vai gastar 50 ou 100 euros num kit de fake news para espalhar desinformação.” A analogia tem o efeito de chamar a atenção para o embaratecimento dos processos e dos sistemas para criar – e espalhar – mentiras. “Isto terá um impacto brutal no tecido social e é algo a que temos de prestar muito mais atenção”, alerta a investigadora.
E em Portugal?
Apesar de ter tido eleições no mês passado, Portugal não tem sido alvo de ações de “foreign interference”, o termo internacional que define as manobras de desinformação provocadas por atores estrangeiros. Uma fonte dos serviços de inteligência portugueses revelou que até agora não foram detetadas ameaças assinaláveis vindas de fora, mas assume que há preocupação com as manobras de desinformação interna, com o objetivo de criar instabilidade social. E apontou como exemplo a proto-manifestação anti-imigrantes que esteve marcada e acabou por ser cancelada, especialmente porque se procurou fomentar um ambiente de crispação também junto dos interessados em fazer uma contramanifestação.
O Chega, força política que mais cresceu nas últimas eleições, tem usado vários mecanismos de desinformação – não só recorrendo a falsas notícias que simulavam jornais verdadeiros, como também divulgou sondagens ilegais sem credibilidade. Em simultâneo, têm sido referidas informações falsas sobre supostas ligações entre o líder do partido e o movimento nazi.
Tudo isto contribui para danificar o ecossistema informativo e pode criar dúvidas sobre o eleitorado. Nesse sentido, valerá a pena consultar a página sobre eleições livres e justas lançada pelo Parlamento Europeu, onde deixa uma série de recomendações para que os cidadãos se tornem mais resistentes ao vírus das notícias falsas.