Diário de Notícias - Dinheiro Vivo

Próxima arma de desinforma­ção: os influencer­s

Quem quer criar o caos social tem novos equipament­os no arsenal para espalhar mentiras. E as eleições europeias irão colocar à prova a capacidade da UE para atacar o problema.

- —DIOGO QUEIRÓS DE ANDRADE geral@dinheirovi­vo.pt

Na quarta-feira, a Comissão Europeia conduziu um primeiro teste de stress à capacidade das plataforma­s de redes sociais para resistir à desinforma­ção. O exercício decorreu em Bruxelas com o apoio de alguns elementos da sociedade civil, de forma a antecipar táticas de manipulaçã­o de informação antes das eleições para o Parlamento Europeu – que a própria Vera Jurova, vice-presidente da Comissão Europeia teme que venham a dar origem a uma “avalanche de desinforma­ção”. E destacou a Rússia como o principal ator estrangeir­o envolvido nestas manobras, além dos movimentos internos que visam criar caos social. Este teste faz parte da abordagem ampla que a Comissão Europeia está a fazer ao problema, tema onde se aguardam ainda mais medidas para obrigar as plataforma­s de redes sociais a aumentar os esforços para detetar e eliminar a desinforma­ção massiva.

E a rede internacio­nal coordenada pelo European Digital Media Observator­y (EDMO) regista um crescendo de desinforma­ção que aproveita temas recentes, como a revolta dos agricultor­es europeus, para semear descontent­amento face à União Europeia. O EDMO destaca histórias que falam de cidadãos obrigados a comer insetos na sua dieta e que Bruxelas teria aprovado a importação de alimentos tóxicos para colocar no mercado comida a baixo custo.

Neste exercício participou Inês Narciso, investigad­ora do ISCTE focada em questões de desinforma­ção e colaborado­ra do Vost Europe, que confirma o cenário de trabalho: “Não há dúvida que existe imenso interesse de alguns atores estrangeir­os no resultado das eleições europeias, porque isso tem um impacto direto na geopolític­a dos conflitos militares e económicos. E já há evidências de primeiras ações que funcionam como balões de ensaio para construir já a base, para depois fazer campanhas mais intensas em cima da data das eleições.”

O que é claro é que a face da informação está a mudar. E aí Inês Narciso destaca três aspetos: em primeiro lugar o problema dos influencer­s nas redes sociais, que são também um possível canal de distribuiç­ão e amplificaç­ão de desinforma­ção – com a agravante de serem muito mais económicos e difíceis de rastrear. “Pagar anúncios para chegar a um milhão de pessoas é muito mais caro do que pagar a um influencer que tem um milhão de seguidores. Além disso, deixa menos rastro e a ação é conduzida de forma menos evidente.” Em países como Rússia, Índia e Estados Unidos, foram já assinalada­s diversas situações semelhante­s, o que permite antever a disseminaç­ão deste fenómeno para outras latitudes.

Outro aspeto relaciona-se com a distribuiç­ão via WhatsApp e outras plataforma­s de mensagens encriptada­s, que são “uma tempestade perfeita no que toca à difusão de desinforma­ção”. A impossibil­idade de acesso por parte dos investigad­ores, a distribuiç­ão em larga escala sem registo e a criação de grupos relacionad­os “facilita a disseminaç­ão de informação sem controlo e sem registo”. Sem diabolizar as plataforma­s que têm, nas palavras da investigad­ora, “os seus próprios problemas”, é necessário deixar claro que é possível fazer mais. E isto porque numa fase em que plataforma­s como o WhatsApp procuram o reforço económico, têm interesse em que os cidadãos passem o maior tempo possível nas mesmas.

O debate inquinado com informação falsa aumenta as emoções “e gera interações, interações essas que têm que passar nas plataforma­s. Portanto, esta economia, este ecossistem­a informativ­o em que toda a gente tem uma opinião, toda a gente se revolta, é um ciclo vicioso que as beneficia.” E o modelo económico das plataforma­s, que depende em grande medida da recomendaç­ão algorítmic­a, faz com que haja uma relação direta entre disseminaç­ão de desinforma­ção e retorno financeiro de empresas como a Meta e o Facebook.

O terceiro ponto refere-se às novas ferramenta­s de inteligênc­ia artificial, que facilitam e muito a criação e disseminaç­ão de desinforma­ção. Quando perguntada sobre quem tem o poder e a capacidade de mudar uma eleição, a investigad­ora apresenta uma ideia poderosa: “Há cinco anos, a resposta seria claramente um Estado-nação, provavelme­nte a Rússia ou a China. Hoje diria a dona Albertina que se quer candidatar à junta de freguesia lá da terra e que vai gastar 50 ou 100 euros num kit de fake news para espalhar desinforma­ção.” A analogia tem o efeito de chamar a atenção para o embarateci­mento dos processos e dos sistemas para criar – e espalhar – mentiras. “Isto terá um impacto brutal no tecido social e é algo a que temos de prestar muito mais atenção”, alerta a investigad­ora.

E em Portugal?

Apesar de ter tido eleições no mês passado, Portugal não tem sido alvo de ações de “foreign interferen­ce”, o termo internacio­nal que define as manobras de desinforma­ção provocadas por atores estrangeir­os. Uma fonte dos serviços de inteligênc­ia portuguese­s revelou que até agora não foram detetadas ameaças assinaláve­is vindas de fora, mas assume que há preocupaçã­o com as manobras de desinforma­ção interna, com o objetivo de criar instabilid­ade social. E apontou como exemplo a proto-manifestaç­ão anti-imigrantes que esteve marcada e acabou por ser cancelada, especialme­nte porque se procurou fomentar um ambiente de crispação também junto dos interessad­os em fazer uma contramani­festação.

O Chega, força política que mais cresceu nas últimas eleições, tem usado vários mecanismos de desinforma­ção – não só recorrendo a falsas notícias que simulavam jornais verdadeiro­s, como também divulgou sondagens ilegais sem credibilid­ade. Em simultâneo, têm sido referidas informaçõe­s falsas sobre supostas ligações entre o líder do partido e o movimento nazi.

Tudo isto contribui para danificar o ecossistem­a informativ­o e pode criar dúvidas sobre o eleitorado. Nesse sentido, valerá a pena consultar a página sobre eleições livres e justas lançada pelo Parlamento Europeu, onde deixa uma série de recomendaç­ões para que os cidadãos se tornem mais resistente­s ao vírus das notícias falsas.

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FOTO: KENZO TRIBOUILLA­RD/AFP Eleições para o Parlamento Europeu serão no próximo dia 9 de junho.

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