Diário de Notícias - Dinheiro Vivo
Lições desta narrativa política
No meio da narrativa política a que assistimos esta semana, há um novo sinal de preocupação para o ministro das Finanças, Joaquim Miranda Sarmento, quando as oposições se juntaram para aprovar o fim das portagens nas ex-Scut contra a vontade do Governo, a partir de 2025, reduzindo a receita do Estado. Não tardou para o ministro dos Assuntos Parlamentares, Pedro Duarte, acusar PS e Chega de “vontade de bloquear e minar a ação do Governo”, questionando se “não há critério nos conluios parlamentares”, já que o segundo e terceiro partidos mais votados, juntos, têm 128 deputados contra os 80 da Aliança Democrática (AD) e que mais do que fazer Oposição, estes dois partidos podem governar juntos – mas com o orçamento gerido pelo Executivo. Se ninguém vai querer aprovar o Orçamento do Estado para 2025, a questão é saber onde irá o Governo buscar os 180 milhões de euros de custo desta medida?
Com este sinal de que PS e Chega se poderão unir na defesa de medidas eleitoralistas e populares contra o Governo, importa refletir sobre a responsabilidade política das oposições. Sendo certo que cabe à AD cumprir o seu programa de governação, numa jogada política abriu-se a porta a uma nova condicionante à ação governativa, através do aumento da despesa do Estado e diminuição da receita. A consequência mais imediata (e de certa forma perversa) poderá ter reflexos nas negociações com as classes profissionais mais descontentes, com o Governo obrigado a uma maior prudência – o que poderá tornar-se injusto para quem legitimamente reclama por melhores condições salariais e profissionais. Aqui, sim, tem de haver um sinal dos partidos da oposição sobre uma viabilização ou não dos aumentos nestas classes. Ontem, por exemplo, o Governo já propôs que a recuperação do tempo de serviço dos professores se faça a partir de 1 de setembro e que seja paga em tranches de 20% ao longo da legislatura, o que pesa no OE.
Ninguém nega a importância de um país de contas certas, mas nos últimos anos viu-se também que fomos dos países da Europa que menos investimento público fizeram. O resultado é precisamente uma deterioração na qualidade dos serviços públicos, no ensino, na saúde, na justiça, na habitação, na rede de transportes e muitos outros. E é urgente reverter este quadro.
Esta quinta-feira assinalou-se um mês de (difícil) governação e, lamentavelmente, o país não podia estar mais embrenhado do que está na narrativa política. Depois das trocas de acusações entre Miranda Sarmento, que disse que “a situação orçamental é bastante pior do que o anterior Governo tinha anunciado”, e o ex-ministro das Finanças, Fernando Medina, que passou um cheque de “inaptidão técnica” ou “falsidade política” ao seu sucessor. “No fundo, [Miranda Sarmento] usa uma falsidade, tenta comparar e usar os dados em contabilidade pública [valores em caixa que o Estado tem em cada trimestre, quando por tradição o primeiro trimestre é sempre o pior trimestre] para daí aferir que o país tem um problema de natureza orçamental. Mas o país não tem qualquer problema de natureza orçamental”, já que os números que Bruxelas releva são os da contabilidade nacional.
O excesso de alarmismo é uma defesa do Governo para gerir expectativas políticas em relação ao futuro numa altura em que as promessas de governação ainda não estão em causa – e é bom, em nome da democracia, que seja possível cumpri-las, senão aumenta o risco do descrédito eleitoral ganhar ainda mais terreno. No meio desta narrativa política, este, sim, deveria ser o maior sinal de preocupação e de responsabilização dos partidos.