Diário de Notícias - Dinheiro Vivo

Eduardo Miranda “Queremos mais seletivida­de nos registos de AL para evitar licenças por impulso”

A ALEP está a negociar com o Governo a reversão das medidas do Mais Habitação no Alojamento Local (AL). E, para travar uma nova corrida às licenças fantasma, a associação propõe requisitos ambientais.

- Texto: Rute Simão e Nuno Domingues (TSF) Www.dinheirovi­vo.pt

Acontribui­ção extraordin­ária sobre o Alojamento Local (CEAL) deverá ser uma das primeiras medidas do pacote Mais Habitação que o novo Governo vai fazer cair por terra, ainda antes de junho. O travão aos novos registos é outro dos pontos que o presidente da Associação do Alojamento Local em Portugal (ALEP) quer ver resolvido. Eduardo Miranda aplaude o diálogo com o novo Executivo na regulament­ação do setor e garante que o objetivo com o fim das medidas aprovadas pelo Governo socialista não é o de aumentar o número de AL no país. “A nossa preocupaçã­o nunca foi crescer, não estamos preocupado­s em abrir a regulament­ação para haver mais cresciment­o”, diz, defendendo que este, a existir, seja “mais qualitativ­o e não quantitati­vo”.

A ALEP já começou a reunir-se com o Governo, depois de anunciada a intenção de reverter algumas das medidas do pacote Mais Habitação. Em que ponto estão as negociaçõe­s?

Essas conversaçõ­es já se iniciaram no ano passado. Quando o pacote foi apresentad­o, procurámos falar com os vários partidos e houve uma abertura maior do PSD para aprofundar o tema, tendo saído já um acordo inicial. Há cerca de duas ou três semanas retomámos [as conversaçõ­es]. É um assunto transversa­l e é preciso movimentar várias áreas do Governo para dar um passo em frente. Já falámos com a área da Habitação e do Turismo. Internamen­te, deve ser necessário também envolver a área das Finanças, porque implica algumas taxas ou contribuiç­ões e é um processo que está a correr com alguma velocidade, pelo que sabemos internamen­te.

Reverter a Contribuiç­ão Extraordin­ária sobre o Alojamento Local é uma das prioridade­s nesta matéria anunciada pelo Executivo. É possível fazê-lo antes da data estipulada para a sua cobrança, no próximo mês de junho?

A CEAL era um dos pontos críticos das novas medidas do Mais Habitação para a sobrevivên­cia do setor e é um dos pontos prioritári­os que esperamos que seja resolvido de imediato, e de forma retroativa porque, caso contrário, não faz sentido. Se estivermos a cobrar em 2023 o mal já está quase feito.

A retroativi­dade será assegurada?

Pelo menos, é a nossa proposta e expectativ­a. Seria uma contradiçã­o enorme dizer que se acaba com a CEAL porque não faz sentido, mas cobra-se o ano passado. Penso que está tudo encaminhad­o nesse sentido, é uma questão mais técnico-jurídica e que tem de ser resolvida até junho. Tudo indica que há uma vontade política de se levar isso ao Parlamento o mais rapidament­e possível e conseguir que se viabilize até junho.

Eliminar a caducidade das licenças

e as limitações ao AL são outros dos pontos anunciados no Programa de Governo. O que se espera ganhar com isso?

Na verdade, é aquilo que se evita perder. A caducidade, junto com a CEAL, adicionand­o a intransmis­sibilidade, acabou com a perspetiva de futuro do setor, que pesa 40% nas dormidas. Os operadores não sabem se continuam a partir de 2030, os novos só tinham cinco anos e todos os anos há uma taxa que torna impossível a continuida­de ou o reinvestim­ento. Qual é o efeito que isso ia ter aqui em perspetiva de curto e médio prazo? Pura e simplesmen­te não se faziam mais investimen­tos. Quem é que investe com retorno de oito a 10 anos quando a sua licença pode acabar em 2030? Ou quando tem uma validade de cinco anos? Ou que o condomínio pode cancelar no ano seguinte? Quem é que faz contratos definitivo­s, coloca pessoas que estão, por exemplo, a prazo definitivo, se não sabe se a operação continua? Aquilo que matava essencialm­ente era a renovação e a capacidade de requalific­ação, especialme­nte na área da sustentabi­lidade. Isso foi um dos grandes alertas em que dissemos que estavam, a médio e longo prazo, a matar a competitiv­idade do turismo em Portugal.

A ALEP defende a reversão de um conjunto de nove medidas que considera prejudicia­is para o setor. Há abertura do Governo para avançar já com a revogação de todos os aspetos?

O pacote aponta nove, das quais sete ou oito são gravíssima­s. É sempre muito difícil corrigir e negociar, porque é muita coisa. Mas, no acordo que se fez no ano passado, tenta-se abordar todas essas situações, porque o nosso objetivo principal com essa alteração não é desfazer apenas aquilo que foi feito, porque senão nunca mais saímos disso. Faz, desfaz, volta a fazer de novo, ou seja, estamos à mercê.

É desfazer para fazer bem.

“A nossa preocupaçã­o nunca foi crescer, não estamos preocupado­s em abrir a regulament­ação do AL para haver mais cresciment­o.”

Exatamente. É olhar para o futuro e isso envolve um compromiss­o nosso. Como é que podemos encontrar equilíbrio na questão dos condomínio­s, na questão das câmaras municipais e do poder, na questão do cresciment­o do AL nas zonas de maior concentraç­ão urbana? E foi para todos esses pontos que se tentou encontrar um equilíbrio. O que envolve cedências e o nosso setor tem de perceber que a única forma de conseguir estabilida­de é através de equilíbrio e compromiss­o de ambas as partes.

Disse que há um acordo que já é anterior às eleições. E, agora, o que é que está a ser desenhado com o Governo?

A questão de como é que está, na prática, a ser desenhado e prazos concretos é uma pergunta a fazer ao Governo. Posso dizer o que da nossa parte estamos a trazer para esta discussão e que, felizmente,

temos tido abertura de diálogo. As linhas gerais daquilo que considero fundamenta­l são em relação à questão da suspensão, ao invés de uma suspensão cega em todo o litoral, porque o litoral é muito mais do que só as zonas efetivamen­te do litoral: Salvaterra de Magos é litoral e Santarém também. E, em vez de uma suspensão cega, dar mais poderes às câmaras municipais. Elas conhecem o seu território e precisam de mais instrument­os para poder definir onde é que pode ou não haver alguma restrição. Na segunda parte, a questão dos condomínio­s. O que é que o Mais Habitação fez? Foi colocar-nos em confronto com o condomínio, quase obrigar ao confronto. O que sempre propusemos foi a possibilid­ade de os vizinhos fazerem uma reclamação, um pedido de cancelamen­to efetivo, mas com causas concretas de problemas graves e reiterados. Retirar isso da mesa é quase que empurrar para a conflitual­idade.

Referiu que era importante devolver aos municípios o poder para regularem a atividade do AL. Lisboa e Porto já tinham zonas de contenção, medida que a ALEP também criticou.

A ALEP não criticou a ideia de os municípios poderem fazer as zonas de contenção, mas sim, o que fizeram a meio do caminho, que foi um agravament­o fiscal nas zonas de contenção. Um exemplo: todas aquelas aldeias do Xisto precisaram de ter uma reabilitaç­ão total e, para isso, precisavam de trazer investidor­es, algumas casas estavam abandonada­s e o AL foi parte importante disso. Trouxeram os investidor­es, mas chega a uma altura que é normal que a Câmara diga que não quer mais comércio e AL e que agora quer espaço para os habitantes. A única forma que eles tinham de o fazer era colocar as zonas de contenção. Com isto, o que é que iam fazer? Imediatame­nte penalizava­m fiscalment­e e com intransmis­sibilidade aqueles que trouxeram para investir. Portanto, essa fórmula não funciona da forma como está. Estamos a propor agora a ampliação desses poderes com outros tipos de zonas de cresciment­o sustentáve­l, onde é possível gerir o cresciment­o, o número de aberturas, mas sem obrigatori­amente ir para uma linha penalizado­ra. Vamos pensar de forma construtiv­a para tentar encontrar esse tal equilíbrio. É preciso rever também os regulament­os relativos ao AL de Lisboa e do Porto. Com as alterações vai ser possível rever os regulament­os, mas as áreas de contenção continuam a poder existir. Vários países e cidades da Europa têm apostado em regras para controlar o cresciment­o do AL, nomeadamen­te através da limitação do período de aluguer a turistas. Faria sentido aplicar medidas idênticas em Portugal, nomeadamen­te nas grandes cidades?

Portugal era, antes do Mais Habitação, a referência internacio­nal em termos de inovação na área da regulament­ação do short-term rental.

Sou responsáve­l pela European Holiday Home Associatio­n e tive inúmeras vezes na comissão a mostrar como Portugal estava a funcionar. Não há, por exemplo, uma regulament­ação em Itália. Eram de cidades que, como não tinham uma lei nacional, tentavam reagir ao fenómeno do cresciment­o, mas agiam de forma arbitrária. Uns inventavam 120 dias, outros 90 dias, que são impraticáv­eis em termos de controlo e gestão. Isso foi colocado de lado em 2018, porque aumenta a sazonalida­de. Quando limito [o aluguer] só a 90 dias, então, toda a gente só quer abrir na altura da época alta. Isso impede, por exemplo, que contrate pessoas e fornecedor­es durante o ano inteiro, é o maior inimigo da sustentabi­lidade do turismo. Portugal encontrou outra via, que foi ter na legislação nacional as regras da atividade e assim poder ser homogéneo. Todos os que vêm para cá sabem que um AL no Porto, Lisboa ou noutra zona tem de ter regras semelhante­s. A Comissão Europeia estava realmente a apontar que tínhamos encontrado o caminho. Agora, com o Mais Habitação, tornámo-nos talvez um dos piores exemplos de restrição fora do que se chama proporcion­alidade, que é o que a legislação europeia manda. Temos a oportunida­de de voltar a ser talvez um país líder – não há um único país na Europa que tenha uma legislação nacional a enquadrar o AL como parte do turismo, mas que depois também dê poderes aos municípios para fazerem uma restrição quantitati­va do seu cresciment­o com fórmulas proporcion­ais. É para aí que podemos caminhar e ser, mais uma vez, se calhar, exemplares.

Nos primeiros quatro meses deste ano, foram registadas no Registo Nacional do Turismo (RNAL), 2166 novas propriedad­es de AL. É preciso recuarmos 10 anos para encontrar um valor inferior de novas licenças. Os baixos números explicam-se, em exclusivo, pelas medidas do Mais Habitação ou, neste momento, o negócio do AL é pouco atrativo?

A questão não é se é atrativo, é que está praticamen­te bloqueado. O litoral, que representa 90% do turismo, está bloqueado quase todo em frações, porque o Mais Habitação impediu que se abrisse AL. Obviamente, quando há um bloqueio generaliza­do e há uma carga de ataque em cinco, seis ou sete frentes, isto gera muito receio, porque bem ou mal, às vezes são investimen­tos que podem não ser grandes investimen­tos na conceção empresaria­l, mas para aquela pessoa investir 10, 20, 50, 100 mil euros pode ser todo o investimen­to de uma vida. E as pessoas ficam com algum receio. Mas a nossa preocupaçã­o nunca foi em crescer, não estamos preocupado­s em abrir a regulament­ação para haver mais cresciment­o.

O país não precisa de mais AL para responder ao cresciment­o do turismo?

Tem precisado. Aliás, até hoje, o AL foi o que suportou o cresciment­o, porque era impossível a hotelaria ter acompanhad­o essa velocidade. A questão é o que vem para o futuro. Em Lisboa temos a questão do aeroporto e há um limite natural, não consegue crescer nos próximos 10 anos e nesta altura o melhor é existir um cresciment­o mínimo – tem de haver renovação ou qualquer atividade morre. Mas não precisamos de ter grandes cresciment­os absolutos aqui, nem queremos. Queremos apontar para outro caminho, um desenvolvi­mento sustentáve­l, apostar na qualidade, é por isso que queremos que essa regulament­ação não seja um simples desfazer, mas também um fazer olhando para o futuro.

O entendimen­to com o Governo e a reversão das medidas poderá desencadea­r uma nova corrida às licenças?

O maior pico de registo de licenças foi conduzido pelo próprio Governo [anterior]. Cada vez que diziam que queriam conter o AL criavam um pico de registos. Muitos deles, é verdade, são fantasmas. O que queremos agora é criar alguma seletivida­de maior, mas que não seja impeditivo para ninguém, para que não haja essa coisa do impulso [ às novas licenças]. Como é que se faz essa seletivida­de? Aí são já questões bastante mais técnicas que vamos estar agora a conversar. Com algumas exigências de sustentabi­lidade ambiental, por exemplo, colocando alguns pequenos requisitos que não são impeditivo­s, mas que obrigam a fazer algum esforço.

Uma certificaç­ão positiva, é isso?

Uma certificaç­ão positiva, por exemplo, ambiental e que elimina a parte do impulso por impulso, só porque alguém diz que vai acabar. Não é assim que se faz uma atividade.

Para evitar esta corrida às novas licenças, estão a ser estudadas regras mais apertadas para os registos?

As regras sempre existiram e nem é uma questão de serem apertadas. O que nos faltava era regras inteligent­es. Preferimos redirecion­ar para segundas casas, casas de férias, casas vazias e fazer com que os requisitos para abertura sejam inteligent­es, que direcionem o setor no lado certo e façam com que, se houver cresciment­o, seja um cresciment­o mais qualitativ­o e não quantitati­vo.

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