Diário de Notícias - Dinheiro Vivo
A pureza de um ato eleitoral
Realizaram-se no passado sábado as eleições para os órgãos sociais do Futebol Clube do Porto. Não vou fazer uma análise do pré, do durante nem tão-pouco do pós ato eleitoral. Muitos já o fizeram e este não seria certamente o local indicado. Vou apenas refletir sobre o facto de não ter havido divulgação pública de sondagens e o impacto que isso poderá ter tido no resultado daquelas eleições.
Admito que as duas principais candidaturas à liderança do FC Porto possuíssem alguma informação sobre qual seria a intenção de voto dos associados. Sei também que alguns órgãos de comunicação social fizeram sondagens junto dos seus leitores, mas, dada a falta de rigor, o seu impacto na opinião pública não foi significativo.
Foi neste contexto que os sócios do clube foram às urnas no dia 27 de abril. Os resultados são conhecidos: tendo votado cerca de 70% dos associados com capacidade eleitoral ativa, a lista encabeçada por Jorge Nuno Pinto da Costa obteve um pouco menos de 20% dos votos expressos, enquanto a de André Vilas Boas atingiu os 80%.
A minha pergunta é: se, antes do ato eleitoral, tivessem sido divulgadas sondagens que apontassem para aquela divisão de votos, será que o resultado final teria sido o mesmo?
Sinceramente, creio que não. A votação mostra uma vontade inequívoca de mudança por parte dos sócios. Mas não tenho dúvidas de que muitos, se soubessem que “já estava ganho“, não se teriam dado ao trabalho de se dirigirem ao estádio para votar. Mais: muitos dos que estiveram três ou quatro horas numa fila para votar teriam certamente desistido. Tudo por uma simples razão: “Não vale a pena toda esta maçada, já está ganho”.
Mas admito que a existência de sondagens prévias também tivesse tido um outro efeito. Se se soubesse que tudo apontava para uma derrota tão expressiva da atual liderança, creio que alguns sócios, apesar de desejarem a mudança, acabassem por votar em Pinto da Costa para que a sua derrota não fosse tão vexatória. Afinal, pensariam: “O André vai ganhar, não precisamos de humilhar Pinto da Costa, tanto mais que temos para com ele uma enorme dívida de gratidão.”
Mas não, nada disto aconteceu porque não havia sondagens (ou, se havia, não eram do conhecimento público). Assim, o resultado das eleições foi mais “puro”: expressou aquilo que cada sócio efetivamente pensava e queria. Não houve “poluição” com informações que poderiam conduzir a uma menor mobilização e/ou a uma mudança de intenções na altura de colocar a cruz no boletim de voto.
Chegados este ponto, questiono: como seriam as eleições legislativas (ou autárquicas ou europeias) se não houvesse sondagens? Não estou minimamente a advogar que as sondagens pré-eleitorais deveriam ser proibidas –, afinal, elas são um meio para os eleitores votarem de forma mais informada. Mas estou só a levantar a pergunta: como seria? Como seria se não houvesse sondagens cujo rigor deixa, por vezes, muito a desejar? Como seria se não houvesse sondagens promovidas por certos partidos com resultados que se suspeita serem “encomendados”? Como seria se houvesse menos espaço para jogos em torno do voto útil?
A publicação de resultados de sondagens, em especial durante o período da campanha eleitoral, tem um impacto nos próprios resultados finais: afeta as perceções do eleitorado, condiciona as estratégias de campanha, influencia a cobertura que os órgãos de comunicação social dão a cada candidato, afeta o grau de mobilização dos eleitores e, last but not least, pode levantar dúvidas sobre o rigor e legitimidade do próprio processo.
Volto a reafirmar: não estou minimamente a sugerir que a divulgação pública dos resultados de sondagens durante os períodos pré-eleitorais é má para a democracia. Mas não podemos deixar de reconhecer que se ela não existisse, provavelmente cada eleitor decidiria de forma mais “pura”, mais de acordo com a sua consciência. Uma consciência fundamentada na perceção da atuação passada de cada partido ou movimento concorrente e nos programas que lhe eram propostos – e menos influenciada pelas expectativas, suposições ou interpretações (quiçá de terceiros) que qualquer sondagem pré-eleitoral sempre gera.