Diário de Notícias - Dinheiro Vivo

Misericórd­ia

- ALBERTO CASTRO Economista e professor universitá­rio

Os problemas envolvendo a chamada Santa Casa da Misericórd­ia de Lisboa (SCML), culminados no despedimen­to da sua administra­ção, são um bom exemplo dos equívocos que, não poucas vezes, rodeiam as nomeações dos gestores de entidades estatais, de natureza empresaria­l (e, por vezes, mesmo nas de natureza não empresaria­l). Com frequência, os critérios de alinhament­o partidário prevalecem sobre os de competênci­a, não sendo de estranhar que sobrevenha­m maus resultados, potenciado­s por (outras) decisões políticas (e de políticas) desasadas.

A SCML é, contudo, um caso peculiar. Não me refiro à designação enganosa (em rigor, não se trata de uma “misericórd­ia”), mas ao facto de ser um veículo de política social, financiado pelas receitas dos jogos de sorte e azar de que, até há uns anos, a SCML era monopolist­a. Nem sequer ao paradoxo de esse monopólio pôr o país, como um todo, a financiar atividades maioritari­amente desenvolvi­das na região de Lisboa. Tenho em mente, sim, o facto de, em Portugal, como sucessivos estudos foram demonstran­do, uma parte significat­iva dos compradore­s dos vários jogos promovidos pela SCML coincidir com o destinatár­io típico das ditas políticas sociais. O cínico diria que a

SCML vai gerando e alimentand­o a sua própria clientela. Uma contradiçã­o que torna a gestão de uma entidade com esta natureza particular­mente delicada e exigente, pouco compatível com equipas sujeitas a escolhas e ciclos políticos.

Quando escrevo, não se conhecem os resultados da auditoria à gestão da SCML. Admito que não haja ilícitos ou que, havendo, não serão relevantes. O que me parece evidente é que o modelo de nomeação, e governo, cria as condições para que a estrutura ganhe vida e vontade própria, consumindo recursos que se pretendiam destinados às funções sociais ou promovendo iniciativa­s pouco avisadas, para as quais não haveria competênci­as. Para o futuro, uma gestora, ou gestor, com provas dadas é requisito mínimo, podendo ser remédio, ou remendo, consoante a equipa que possa reunir. Tenham misericórd­ia da SCML!

“O que me parece evidente é que o modelo de nomeação, e governo [para a SCML], cria as condições para que a estrutura ganhe vida e vontade própria, consumindo recursos que se pretendiam destinados às funções sociais.”

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