OS 150 ANOS DA PASTELARIA DE ÉLIE BENARD O
Estabelecimento dos famosos croissants lisboetas serviu de cenário para o filme ‘A Casa da Rússia’
escritor José Eduardo Agualusa sustenta que a personagem Zinho “podiasentar-seumatardeinteiranaesplanada da Benard que ninguém se aproximaria dele”; também Mário Cláudio coloca Tiago Veiga a “[entreter] a preguiça na Benard”; mas Agustina Bessa-luís adverte que Amálio, com “uma reputação deplorável”, seria “indecente no círculo da Benard, onde a intriga espirituosa satisfazia mais que a discussão violenta”. Fora daliteratura, acélebre pastelaria do Chiado, em que os fiéis clientes dos tempos de hoje enaltecem as 13 qualidades de croissants (comrecheio de chocolate ou doce de ovos, servido comgeleia de framboesa ou presunto e queijo), está a celebrar, com umvasto programa, os 150 anos desde que Élie Benard, no ano de 1868, abriu o estabelecimento ao público, num local ligeiramente mais acima, na rua do Loreto, e com o nome original de Padaria Franceza – como se lê no livro de João Bernardo Galvão Teles ‘Benard – Um Século e Meio a Adoçar Lisboa’ (que irá ser publicado no próximo ano).
Figura importante no comércio e na indústria, Élie Benard até foi agraciado pelo rei D. Luís com a Ordem de Cristo. Naépoca emque abriu este espaço, entre outros negócios, tinha umalojade brinquedos, luvas e perfumes, serviços de louça e roupa de criança no edifício ao lado da atual pastelaria (o da Livraria Sá da Costa). Seriao seufilho, Casimiro Benard, que herdou a Padaria, quem promoveu a mudança, em 1902, para o afamado Chiado, das damas e dos dândis, das igrejas e das livrarias, das árias de ópera e dos figurinos da moda.
Na rua Garrett, onde antes existira umaconfeitariachamadaagratidão, é que ganhouo nome de Pâtisserie Benard – e acabou com a designação francesa, passando aostentar namarca o termo ‘pastelaria’, em 1926, quando acâmaramunicipalde Lisboa começou a cobrar uma taxa elevada pelos letreiros emidioma estrangeiro (se o francês era lido emmuitos dísticos do Chiado, o inglês dominava as fachadas do Cais do Sodré). Mas o ‘menu’ de um ‘lunch’ de 1936 ainda era todo escrito no idioma da gastronomia, com ‘fruits à la française’ e ‘ananas au vin de Porto’. Amodernização daquele “ponto escolhido da boa sociedade de Lisboa para as suas reuniões”, executada em 1914, foi logo elogiada pela revista ‘Ilustração Portuguesa’: “Ointerior da lojaé revestido de elegantes vitrinas de metal branco e cristal, bons espelhos que rodeiam a casa até ao tecto, tudo decorado a branco e ouro, o que a torna agradável e vistosa.”
Num tempo em que os cafés eram apenas frequentados por homens, e que durou até à II Guerra Mundial, as senhoras da elite passaram a ter um local onde se encontravam com as amigas, a lanchar chá e bolos, exibindo as suas ‘toilettes’ admiradas pelos janotas que subiam e desciam a rua mais refinada de Lisboa. A escritora Ritaferro descreveu, de formaperfeita, esta fronteira sexista entre os vizinhos “café de intelectuais” e “pastelaria chique” – “A seguir à missa da uma, no Loreto, o meu pai [António Quadros] ia visitar os companheiros de Letras à Brasileira e a minha mãe [Paulina Roquette Ferro] seguia connosco para a Benard”, que servira o copo-de-águano casamento dos pais, corria o ano de 1947.
Propriedade de Manuel José de Carvalho, a partir dos anos 40, tem uma fase de apogeu, organizando desde batizados de gente fina a acontecimentos públicos memoráveis. Até constavaque umabaixelade Limoges teria sido usada pela rainha Isabel II, durante a visita da monarca britânica aportugal, em1957. Mas, sabendo-se agora que o jantar de honra, no Palácio da Ajuda, foi servido pelo antigo Hotel Aviz, a única hipótese é ter sido a Benard a assegurar o banquete oferecido pela Câmara Municipal nos Paços do Concelho.
As alterações dos hábitos, a partir das décadas de 50 e de 60, acabariam por levar ao encerramento ou à decrepitude de afamados cafés e pastelarias, que, antes, tinham sido inspiração de poetas, locais de tertúlias, vitrinas mundanas. A Benard também não escapouaessatendênciae, quan-