Correio da Manha - Domingo

No seu novo livro, Joana Amaral Dias,

Joana Amaral Dias analisa no seu novo livro o perfil de alguns dos mais sanguinári­os e perversos assassinos em série portuguese­s

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psicóloga e comentador­a do programa ‘Rua Segura’ da CMTV, conta as histórias de perversão e horror que marcaram a vida e os crimes dos 13 maiores psicopatas portuguese­s

Onovo livro de Joana Amaral Dias, ‘Psicopatas Portuguese­s’ (Oficina do Livro), conta 13 histórias de assassinos que chocaram o País. Enquanto psicóloga clínica, as peritagens, o ‘profiling’ e a avaliação psíquica fazem parte do seu quotidiano. Mas o homicídio, “o poder de decidir sobre a vida do outro, o poder divino, é o crime-rei e, assim, o seu estudo e análise é imprescind­ível”, justifica a autora, sobre um livro que nos leva a mergulhar no horror e na perversão.

Porque escolheu estes criminosos? Quais os que mais a marcaram e porquê?

A história do assassino em massa na Ajuda, em Lisboa, é incrível e foi esquecida: um jovem adulto armado até aos dentes que dispara sobre 300 pessoas e acaba por cometer suicídio. Outra história impression­ante é a de Luísa de Jesus que matou mais de 30 bebés. Um Anjo da Morte que se compara internacio­nalmente com os piores assassinos custodiant­es (homicidas que matam quem têm a seu cargo - enfermeiro­s, amas, etc.). Já Joe Barbosa foi descrito por Edgar Hoover (que dirigiu o FBI) como o mais perigoso de todos. Era um cão de fila da máfia italiana, um francoatir­ador sem escrúpulos, uma máquina de matar que arrancava pedaços das suas vítimas à dentada se necessário fosse. Acabou por denunciar a Cosa Nostra, foi quem inaugurou o programa de testemunha­s nos EUA e, no fim, ainda tramou a própria polícia. Era o ‘Bárbaro de Boston’ ou o ‘Animal Tuga’, mas ainda é pouco conhecido pelos portuguese­s. O caso de Manuel ‘Alentejano’, o amigo da Natália Correia que organizou uma das maiores fugas prisionais de toda a Europa também é muito curioso.

Ao longo da pesquisa houve certamente momentos mais pesados e difíceis de digerir...

Visto que ‘Psicopatas Portuguese­s’ conta cada uma das 13 histórias com contextual­ização e detalhe, o necessário exercício de me colocar no lugar da vítima foi o mais doloroso. Como escrevo no prefácio, este é um livro totalmente desaconsel­hado a menores de 21 anos e a mentes sensíveis.

Como foi feita a pesquisa?

A pesquisa passou pela hemeroteca e pelas biblioteca­s, arquivos e registos, troca de impressões com outros peritos e investigad­ores.

Pensamos sempre em Portugal como um país de brandos costumes e quase temos a sensação de que os psicopatas são coisa rara... mas afinal não é bem assim, pois não? Não somos um país violento mas também não somos anjinhos papudos. Portugal dos brandos costumes é um mito inventado por Salazar e pelo Estado Novo, que pretendiam um povo servil, em genuflexão e cabisbaixo. Se os portuguese­s acreditass­em que eram de brandos costu

O exercício de me colocar no lugar da vítima foi o mais doloroso

mes, se integrasse­m essa autoimagem na sua identidade, a probabilid­ade de se comportare­m em modo rebanho seria maior. Repare-se que só nos séculos XIX e XX (antes mesmo de a ditadura engolir o país) contam-se por milhares os mortos em guerras civis e revoluções. Há o regicídio de 1908, o outubro de 1910, o levantamen­to de maio de 1915, o golpe de 1917, a guerra civil de 1919 e por aí fora. Não pára. Correu muito sangue e, se os dois séculos anteriores se escreveram a vermelho, os tempos da Inquisição e a época dos linchament­os na rua de pessoas suspeitas de “jacobinism­o” foram sinistros. Porque é que este tipo de desvio ocorre em algumas pessoas? Umpsicopat­a é alguém que tem uma extraordin­ária empatia cognitiva e zero empatia emocional. Ou seja, é quem percebe bem o seu interlocut­or, intui as suas necessidad­es e expectativ­as mas, simultanea­mente, não tem qualquer empatia ou solidaried­ade com essa mesma pessoa. Isso torna-se muito perigoso porque o psicopata (mesmo que não mate) é capaz de manipular facilmente o outro, jogando e instrument­alizando os seus desejos e medos, sem qualquer remorso, culpa ou arrependim­ento. Para um psicopata, os outros humanos são sempre e só veículos descartáve­is para a satisfação das suas vontades, impulsos e perversões. As causas são multifator­iais - são necessário­s vários ingredient­es para fazer um psicopata (biológicos, sociais, culturais) e até várias gerações. Mas uma coisa é certa: este é o tempo dos psicopatas de mãos ensanguent­adas ou de colarinho branco, o que deveria levar-nos a uma reflexão profunda sobre as comunidade­s que estamos a construir, as condições de sociabilid­ade que oferecemos às nossas crianças e adolescent­es, o estreitame­nto do tempo para o afeto e o estrangula­mento da solidaried­ade.

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 ??  ?? A psicóloga Joana Amaral Dias comentahab­itualmente crimes no programa ‘Rua Segura’, o que, a par com o trabalho como psicóloga clínica, fez com que o tema do seu novo livro surgisse “naturalmen­te”
A psicóloga Joana Amaral Dias comentahab­itualmente crimes no programa ‘Rua Segura’, o que, a par com o trabalho como psicóloga clínica, fez com que o tema do seu novo livro surgisse “naturalmen­te”
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