Correio da Manha - Domingo

A relação entre uma ‘lady’ e um couteiro,

A censura saiu a perder no julgamento de ‘O Amante de Lady Chatterley’

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contada numa linguagem crua, chocou a sociedade inglesa durante décadas. Hoje, ‘O Amante de Lady Chatterley’ e D. H. Lawrence são referência­s da literatura mundial

Capazes de pensar em sexo de forma completa, honesta e limpa

David Herbert Lawrence (1885-1930) veio

da classe operária inglesa: o pai era mineiro e a mãe, apesar de ter estudado para professora, era operária numa fábrica de rendas. Ainda estudante, ganhou o seu primeiro prémio literário, num concurso de contos, em 1907. Publicou o primeiro romance, ‘O Pavão Branco’, em 1910. Em 1912 conheceu Frieda, seis anos mais velha e casada. Fugiram e, mais tarde, casaram. Tornou-se conhecido com o romance autobiográ­fico ‘Filhos e Amantes’, de 1913. Durante a I Guerra Mundial escreveu um dos seus livros mais importante­s, ‘Mulheres Apaixonada­s’, publicado em 1920, em que aborda a homossexua­lidade feminina. Segundo a sua mulher, o próprio escritor terá tido uma relação homossexua­l durante a escrita do livro. Terminada a guerra, Lawrence passou o resto da vida a viajar – uma “peregrinaç­ão selvagem” que o levou à Austrália, EUA, México, Itália e França, onde morreu.

Em 1928 saiu ‘O Amante de Lady Chatterley’ em edição de autor, logo apreendida nos EUA e em Inglaterra. A história, em linguagem crua, da ‘lady’ que compensa a impotência do marido com o guarda de caça Mellors valeu-lhe a acusação de pornografi­a. Lawrence respondeu: “Quero que os homens e as mulheres sejam capazes de pensar em sexo de forma completa, honesta e limpa.” A primeira edição integral só foi publicada em 1960, 30 anos depois da morte do autor e após um julgamento mediático. O júri decidiu contra a censura.

Do livro ‘Lady Chatterley’s Lover’, trad. da edição Penguin Books “(...) Ela sentiu o suave rebento dentro de si a mexer-se com ritmos estranhos,

a empurrar para cima, crescendo num estranho movimento rítmico, a inchar, a inchar até preencher todos os recantos da sua consciênci­a, e então recomeçou aquele movimento indescrití­vel que não era bem um movimento, mas sim puros turbilhões de sensações, rodopiando cada vez mais profundame­nte através da sua carne e consciênci­a, até ela tornar-se um perfeito fluido concêntric­o de sensações, ali deitada dando gritos inarticula­dos e inconscien­tes. (…) O homem ouvia-a debaixo dele com uma espécie de temor enquanto jorrava vida para dentro dela. E quando ela acalmou, ele também acalmou e ficou absolutame­nte imóvel, inconscien­te, enquanto ela deixou de o apertar e ficou inerte. Ali ficaram estendidos, sem dar por nada, nem sequer um pelo outro, ambos perdidos.

- Desta vez viemo-nos ao mesmo tempo - disse ele.

Ela não respondeu.

- É bom quando é assim. A maior parte da gente passa a vida inteira sem saber o que isso é - disse ele, meio sonhador.

Ela olhou-o no rosto pensativo.

- Ah é? - perguntou. – Estás contente?

Ele olhou-a nos olhos.

- Contente – disse. - Sim, mas deixa lá.

Ele não queria que ela dissesse mais nada. Inclinou-se para ela e beijou-a, e ela achou que ele tinha de beijá-la assim para sempre.

(…) Ela deixou cair o cobertor e ajoelhou-se no chão de terra batida, inclinando a cabeça para a lareira e abanando-a para secar o cabelo. Ele contemplav­a a bela curva suave das suas ancas. Estava fascinado. Como descia num declive suave até às nádegas duras e torneadas! E, entre as coxas, guardadas por um calor secreto, ficavam as entradas secretas! Acariciou-lhe o fundo das costas, seguindo devagar as curvas e tocando subtilment­e os globos. - Que belo rabo tu tens - disse ele, no seu dialeto gutural, mas meigo. - É o mais belo cu de todos, o mais belo, o mais belo de todas as mulheres que há. Tudo nele é mulher, mulher a sério. Não tens um daqueles cus de mulheres que parecem rapazes. Tens um rabo macio, torneado, mesmo como um homem gosta. É um rabo que podia fazer parar o mundo, é o que é.

Enquanto falava, acariciava-lhe delicadame­nte o traseiro torneado, até parecia que uma chama tremeluzen­te passava dele para as suas mãos. E as pontas dos dedos tocavam as duas aberturas secretas do corpo dela, uma e outra vez, como se lhe dessem pequenos choques elétricos.

- E se cagas e mijas, melhor. Não quero uma mulher que não cague nem mije.

Connie não conseguiu reprimir uma gargalhada de espanto, mas ele continuou, imperturbá­vel.

- És autêntica, és! És autêntica, até um bocado puta. Por aqui cagas e por aqui mijas, e eu ponho a mão nos dois lados e gosto de ti por isso. Gosto de ti por isso. Tens um cu de mulher, como deve ser, orgulhoso. Sem vergonha nenhuma, lá isso não.

E fechou a mão com firmeza sobre os lugares secretos dela, numa espécie de saudação íntima. (…)”

Desta vez viemo-nos ao mesmo tempo. (...) É bom quando é assim

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