A SOCIEDADE PORTUGUESA DE PEDIATRIA NÃO
RECOMENDA O USO DE TELEMÓVEIS A CRIANÇAS COM MENOS DE DOIS ANOS, MAS NA REALIDADE HÁ BEBÉS DE UM ANO QUE JÁ TÊM O SEU PRÓPRIO TELEMÓVEL.
JOGOS E VÍDEOS PODEM TRAZER ALGUMA DESTREZA MENTAL MAS AFETAM A LINGUAGEM, O SONO, ABREM A PORTA À OBESIDADE E AO ISOLAMENTO. A ‘DOMINGO’ FOI OUVIR MIÚDOS, PAIS E ESPECIALISTAS SOBRE O ASSUNTO
Os telemóveis vieram para ficar na vida das famílias portuguesas e estar constantemente ligado é uma realidade à qual já nem os mais pequenos escapam. O aparelhinho de uso pessoal com mil e uma utilizações divide opiniões, mas, sobretudo, tem tendência para fugir ao controlo paternal e às recomendações dos pediatras.
Segundo um estudo da Entidade Reguladora da Comunicação Social (ERC), uma em cada cinco crianças portuguesas, entre os três e os oito anos, têm telemóvel e metade é smartphones. Subindo um pouco a fasquia da idade, o telemóvel mostra-se incontornável. Segundo o Barómetro de Telecomunicações da Marktest, no primeiro trimestre de 2018, 83% das crianças portuguesas entre os 10 e os 12 anos tinham telemóvel, número que passa para os 97% entre os 13 e os 17 anos.
De acordo com o estudo ‘Happy Kids: Aplicações Seguras e Benéficas para Crianças’, publicado pela Universidade Católica Portuguesa no ano passado, os pais são os primeiros a passar os dispositivos eletrónicos para as mãos dos filhos, tornandoos uma espécie de ‘babysitter’ eletrónica para quando é preciso ‘trabalhar em casa’ ou manter ‘os miúdos calmos no restaurante’ – as principais razões apontadas. E os que mais usam aplicações são os que têm entre zero e dois anos.
Consequências precoces
Berta Pinto Ferreira, pedopsiquiatra, lembra que a Sociedade Portuguesa de Pediatria não recomenda o uso de telemóveis por crianças com menos de dois e três anos, mas o que lhe chega ao consultório é bem diferente: “Começam mais cedo e passam cada vez mais tempo a brincar com eles. Por um lado, porque os próprios pais estão agarrados ao telemóvel, por outro, porque estão cansados, têm de trabalhar, fazer coisas e precisam de manter os miúdos sossegados.”
As consequências em idades precoces podem manifestar-se no desenvolvimento. “Há estudos que apontam para atrasos no desenvolvimento da linguagem, que se desenvolve em contacto com o outro e os telemóveis, obviamente, não nos respondem. Depois tem impacto na empatia (que também se desenvolve com o outro), no sono, na obesidade, porque é uma atividade sedentária e, por último, a consequência final é a dependência. E esta tem de ser tratada como tal”, avisa.
Mas a especialista também lembra que os telemóveis são “muito mais apelativos que um livro, atrativos e, se forem usados de forma acompanhada e como ferramenta de aprendizagem, até podem desenvolver algumas capacidades”. E até podem ser vantajosos em aspetos comportamentais: “Muitos miúdos levam-nos para a escola para ouvir a mesma música juntos. Isso é bom.” O problema é o tempo que se passa a interagir só com eles. Segundo um estudo exploratório feito pelo Centro da Criança e do Adolescente do Hospital CUF Descobertas publicado em março deste ano pela revista ‘Acta Médica Portuguesa’, 3,9% das crianças inquiridas revelaram comportamentos típicos de dependên
Atrasos na linguagem, falta de sono e de empatia BERTA FERREIRA PEDOPSIQUIATRA
cia e um terço (33,3%) foram consideradas em risco. “Chegam-nos adolescentes com sinais claros de dependência, que estão até às duas ou três da manhã no telemóvel e manifestam perturbações de ansiedade e depressivas. Atualmente, ninguém desliga os telemóveis: estamos disponíveis 24 horas por dia e isso também cria stress”, frisa Berta Pinto Ferreira, que apela “à sensibilidade dos pais” e ao “devido acompanhamento”.
Em família
João, de nove anos, e Afonso, de oito, usam o tablet desde o primeiro ano de vida, para ver vídeos, desenhos animados e jogar. Mas o telemóvel chegou lá a casa causado por outras vicissitudes. “Quando eu e o pai nos separámos, há um ano, demos-lhes os telemóveis para podermos falar com eles quando estivessem na casa do outro. No início serviu para isso, para trocar aquela mensagem de despedida antes de deitar. Agora eles usam-no mais para os vídeos e para falar no grupo dos colegas de turma do Whatsapp”, afirma a mãe, Tânia Parreiras, de 36 anos. Mas, por vezes, também se esquecem dele desligado “durante dias a fio” e preferem fazer outras coisas. Tânia reconhece, no entanto, que há muito o pediam: “Talvez desde os cinco, seis anos, sobretudo o João.”
A mãe controla o que veem no Youtube através do histórico, pois os garotos usam a sua conta para aceder. “Redes sociais ainda não têm e não sei muito bem como vou reagir quando acontecer. Uma coisa é certa: vou controlar”, garante.
O fruto proibido é sempre o mais apetecido LUÍSA JANUÁRIO MÃE