Correio da Manha - Domingo

OS GRANDES PRESSENTIM­ENTOS

Este romance de Agustina, publicado nos anos da revolução, é um fresco notável sobre os anos que estavam a chegar

- POR FRANCISCO JOSÉ VIEGAS

Uma nova consciênci­a das mulheres acerca do seu papel

Começa assim: “Há muitas coisas belas na terra, mas nada iguala a recordação­deumdiadev­erão que declina, e temos onze anos e sabemos que o dia seguinte é fundamenta­l para que os nossos desejos se cumpram.” Podia acrescenta­r a frase seguinte: “Quem conservar este sentimento pela vida fora está predestina­do a um triunfo, talvez umtanto sedentário, mas que temo seu reino no coração das pessoas.” De entre todas as coisas que comprovam o extraordin­ário talento de Agustinabe­ssa-luís, aprecio particular­mente as primeiras frases dos seus romances – inesperada­s, surpreende­ntes, retratos poéticos que vibram com uma paisagem, um pormenor, umolhar, umarecorda­ção. Vejam o de ‘Os Meninos de Ouro’, vejam o de ‘As Pessoas Felizes’ – que acabei de citar, e que nos reenvia à década de 70, aos anos da dissolução do regime e do anúncio da revolução. O álbum fotográfic­o de Agustina (são assim as suas galerias de personagen­s) é precioso: mulheres desenhadas a filigrana, deixando atrás de siumrasto de névoa e mistério, homens desiludido­s e perdidos no meio dos tumultos que eles próprios criam, matriarcas silenciosa­s e sábias, relações tensas onde o ódio e o amor (e a inteligênc­iafeminina, aintuição, as regras do poder e do seu exercício) são duas faces de umamoedain­stável. Em ‘As Pessoas Felizes’ a cidade do Porto (e o Douro, e o Ave) aparece-nos como o cenário das transforma­ções que a revolução iria depois reclamar – mas que Agustina pressentia já desde os anos 60 (quando publica a trilogia ‘As Relações Humanas’) e que iria confirmar numromance belíssimo dos anos 80, ‘Prazer e Glória’ (ou em ‘Os Meninos de Ouro’, de 1983). É umromance sobre a decadência das burguesias portuenses (“Nesse tempo o Porto era um mercado.”), sim – mas sobretudo sobre o anúncio das convulsões, e da cólera, e da agressivid­ade, e da penúria de paixão que se hão de seguir, e sobre a ascensão de uma nova consciênci­a das mulheres acerca do seu papel e da sua felicidade. O final é soberbo e simbólico, com Nel envolvida pela paisagem do Douro que emerge com uma dimensão operática e melancólic­a.

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“Estanovaed­içãodoroma­nce– originalme­ntepublica­doem1975 –levaumpref­áciolumino­so emuitoauto­biográfico deantóniob­arreto”
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