PERFIL DE UM RIBEIRO TELLES
Depois do grande triunfo em Madrid, João Ribeiro Telles, o mais notório cavaleiro da nova geração da dinastia Ribeiro Telles, vai esta tarde enfrentar sozinho 6 touros
Aficionado de touradas, Ramalho Ortigão disse que “não há no mundo espetáculo mais nobremente sugestivo, mais virilmente belo, mais legitimamente português” - frase que aquele que na arena de Coruche tem hoje pela frente seis touros certamente aplaudirá. Neto de David Ribeiro Telles, sobrinho de António e de Manuel e filho de João Ribeiro Telles, João Ribeiro Telles Júnior foi criado entre os bravos e em entrevista à jornalista Vanessa Fidalgo não se acanhou em opiniões por temer rótulos como aos touros. Para o toureiro de 29 anos, a festa é o que é - filha dele não seria toureira. Quis o destino que na nova geração haja seis meninas e, “por enquanto”, nenhum cavaleiro. Perfil daquele que hoje entra na arena para encerrar sozinho com touros - seis bichos de meter respeito de encastes diferentes
Não há maneira de falar de touros em Portugal sem referir a dinastia Ribeiro Telles. Entre cinco gerações de ganadeiros, cavaleiros e bandarilheiros, é a família que deu mais gente às lides e nomes ao triunfo. Agora é a vez de um dos mais jovens - mas já consagrado - ginetes da família enfrentar as sortes do toureio num monumental desafio: aos 29 anos, João Ribeiro Telles propõe-se, hoje, na Praça de Touros de Coruche, lidar sozinho seis touros, feito assinado por poucos antes dele.
Não é de admirar, por isso, que na aficionada Coruche tudo esteja ao rubro, cor (aliás) bem apropriada para o dia de hoje. Além disso, João é um filho da terra, onde os Ribeiro Telles estão instalados desde o terceiro quartel do século XIX.
Perto da praça onde hoje o tetraneto irá desafiar seis touros viveu David Godinho, cavaleiro tauromáquico amador e ganadeiro, que deixou o negócio e a paixão pelos touros ao filho Manuel Ribeiro Telles. Este,
também ganadeiro, encarregou-se de a passar aos seus próprios filhos. Um deles era precisamente David Ribeiro Telles (falecido em 2016), que viria a tornar-se um dos maiores nomes da tauromaquia mundial, além de grande conhecedor e empresário do mundo rural.
Dono de uma coudelaria de cavalos de toureio e de duas ganadarias (Vale Sorraia e David Ribeiro Telles) que pastam na Herdade da Torrinha, Mestre David, como ficou conhecido, foi o precursor de um estilo que ficou clássico: um “tourear com grande valor e coragem, e onde o citar de longe, ir de frente e cravar ao estribo”, como se lê nas publicações especializadas, se tornou parte fundamental de um toureio a que só aspiram os verdadeiros aficionados. Casado com Maria Isabel de Castro Palha van Zeller, David Ribeiro Telles teve 11 filhos, dos quais António, Manuel e João Palha Ribeiro Telles, continuaram a paixão pela ‘arte de marialva’, como ficou co
nhecida a herança equestre e tauromáquica deixada pelo 4º marquês de Marialva, estribeiro-mor do rei D. José I. Da extensa prole nasceramlhe 38 netos e, entre estes, mais uma leva de toureiros, claro.
João Ribeiro Telles Jr. é um deles. Começou a montar com dois anos e meio; com sete toureou a primeira vaca; aos nove estreou-se em praça e com 12 anos já fazia uma época inteira “à séria”, recorda o cavaleiro. Para estudar é que foi um martírio. “Odiava estudar. Era uma briga. A minha mãe lá me foi obrigando até tirar o 12º ano e ainda entrei para a universidade em Produção Animal, mas só lá estive um mês”, conta. Os touros estavam-lhe predestinados: “Tive grandes responsabilidades desde miúdo, é certo, mas foi porque soube desde logo o que queria e agarrava com unhas e dentes todas as oportunidades que me iam aparecendo para tourear.”
Feito raro
Os resultados não se fizeram esperar. Aos 16 anos já era um cavaleiro de renome e agora, aos 29, tem arrecadados feitos como poucos. O último aconteceu precisamente no passado domingo: na Praça de Touros de Las Ventas, em Madrid, a catedral do toureio mundial, sagrou-se triunfador, ao cortar uma orelha. Só faltou sair em ombros, a maior de todas as honrarias, mas “fica para o ano”, promete. Talvez por lhe pulsar tão fresco na mente, João Ribeiro Telles considera-o um dos marcos mais importantes da sua carreira até hoje.
Quiçá na corrida de Coruche, esta tarde, inscreva mais umas quantas letras de ouro na história da dinastia, caso consiga um feito que é “raro, especial e difícil” no universo do toureio mundial.
Mas João Ribeiro Telles não será, contudo, o único português a consegui-lo: já Luís Rouxinol, João Moura, João Moura Jr. e o seu tio, António Ribeiro Telles se encerrar am s o z inho s c o m s e is t o ur o s no passado.
“É preciso estar mentalizado e preparado, porque é um grande desgaste físico e emocional. Mas acredito que tenho uma boa quadra e que estou numa boa altura da minha carreira e posso alcançá-lo. É o feito com que sonha qualquer toureiro e eu vou consegui-o bem cedo”, promete. Apesar disso não se tem poupado a outras missões que também merecem o seu esforço e atenção: ainda ontem à noite participou numa corrida em prol das vítimas de Moçambique. “Foi uma tragédia que me tocou muito. Mesmo não calhando nada bem por ser na véspera, não podia faltar”, frisa. Na Herdade da Torrinha, casa do avô onde as várias gerações de cavaleiros da família se formaram, foi sempre assim: rapaz de sangue na
É um feito raro, único e especial. Mas acredito que vou conseguir O meu avô David foi o grande pilar dos touros e da família
guelra e gesto firme. Não deixa dúvidas quando afirma resolutamente que não vai ficar por aqui: “A minha carreira é curta, mas as coisas desenrolaram-se bem, em grandes palcos, com grandes feitos e triunfos. Muitas outras coisas boas virão ainda.” Por isso, e ainda a propósito da escola, acrescenta: “Não me arrependendo nada de não ter estudado mais. Sou completamente feliz e realizado e se tivesse tirado um curso, se calhar não o era.”
Além disso, a arte que é também um dos vários negócios da família
Há quem estranhe a nossa união, que vai para lá dos touros