Correio da Manha - Domingo

NA GOVERNAÇÃO DO CHIQUEIRO

Um mergulho no grotesco mais violento, desesperan­çado, bizarro e obsessivo da pobreza rural do Sul dos EUA

- POR ADOLFO LUXÚRIA CANIBAL ANTIGA ORTOGRAFIA

Rústicos, loucos e crentes: receita para a catástrofe

O primeiro romance de Harry Crews, editado originalme­nte nos Estados Unidos em 1968, é também a primeira tradução da sua obra para português. Nascido num canto perdido do estado da Georgia, a infância e juventude de Harry Crews ficaram marcadas pela pobreza rural de uma família ‘white trash’, com o pai a morrer quando ele tinha 22 meses e a mãe a casar com o cunhado, que se revelaria umbêbado violento e perigoso. Era uma vida sem qualquer margem de erro, como o próprio diria mais tarde, e onde a sobrevivên­cia dependia da coragem bruta, nascida do desespero e da falta de alternativ­as. Aos 17 anos entrou para a marinha e serviu na guerra da Coreia, e foi nessa época que começou a ler desalmadam­ente. De tal modo que quando acabou o serviço militar se inscreveun­auniversid­ade da Florida, com o objectivo de se tornar escritor. E conseguiu-o! Escritor de culto, pouco citado em manuais, mas um escritor maior, como o prova este ‘O Cantor de Gospel’, passado nas terras desoladas do Sul, num lugarejo de fim de estradacha­mado Enigma, povoado por pocilgas de porcos e pelos seus ignorantes criadores, um mundo cheio de atraso, burrice, violência, racismo e fanatismo religioso do ramo cristão sulista. Umamultidã­o de rústicos loucos e crentes, que é sempre umareceita­paraacatás­trofe, num cenário que Harry Crews conhece bem, por nele ter vivido toda umavida, conseguind­o transmitir como ninguém o seu ar inquietant­e, sórdido e insano. Assim, quando a bela do lugar é supostamen­te violadae assassinad­apor um negro e o orgulho da terra, umcantor de gospel de voz divinal que percorre o país convertend­o castas moçoilas emlascivas insaciávei­s e de quem a suposta virgem assassinad­a era amante memorável, faz umdos seus cada vez mais espaçados retornos a casa, acompanhad­o por umcirco de ‘freaks’ dirigido por umanão de pé colossal, apresentad­o como o maior pé do mundo, estão criados os ingredient­es para fazer deste romance umaexperiê­ncia única de imersão no estranho, violento e sombriamen­te divertido Sul de Harry Crews. Maravilhos­o!

“Harrycrews­conhece bemocenári­odo romance,conseguind­o transmitir­comoningué­m oseuarinqu­ietante, sórdidoein­sano”

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