Correio da Manha - Domingo

ÀS ARMAS, ÀS ARMAS...

- VICTOR BANDARRA JORNALISTA ANTIGA ORTOGRAFIA

É um casal entradote. Amesendam-se num restaurant­e lisboeta. São brasileiro­s do Pará, com negócios em S. Paulo. Ar próspero, acabam de comprar um grande apartament­o em Lisboa. Pagaram bem o direito de residência. Com o habitual jeitinho brasileiro, o homem mete conversa com um casal português que janta na mesa ao lado. “Ôi! Tudo bem?! Sabe que meu avô era português!?” E conta logo a sua história de vida e o quanto admira Portugal. Passa sem pausa ao tema do momento: Bolsonaro e as armas. São óbvios admiradore­s do capitão que chegou a Presidente. Defendem o direito a porte de arma para toda a gente - políticos, advogados, jornalista­s. Mas sobretudo para os “bons chefes de família”. Os portuguese­s contrapõem argumentos. “Quanto mais gente armada, mais violência, mais mortos!” O brasileiro sorri. “Você não sabe como é no Brasil! Tem bandido por todo o canto. A gente honesta não pode sair à rua!” A portuguesa, com alguma ironia, explica. “Aqui em Portugal também há armas demais!” A brasileira rise. “Querida! Vocês vivem no paraíso!” Já enfadada, a portuguesa ensaia um remoque. “Se o Brasil está assim tão bom com o Bolsonaro, porque é que vieram viver para Portugal!?” Os brasileiro­s amuam. “Já vi que são socialista­s!” A portuguesa não desarma. “Não! Somos apenas realistas!” Cai um silêncio incómodo.

Mau grado as tendências armamentis­tas do casal, uma sondagem recente indica que mais de 70% dos brasileiro­s são contra as facilidade­s na obtenção de armas. No Brasil, ter uma arma é um factor de risco… para os pobres. Gente rica e bandidos ricos podem comprar pistolas, metralhado­ras, até canhões. Bandido pobre, as mais das vezes, assalta com faca, navalha ou estilete. E a vítima pobre nem arma usa. Tirada de humorista: “Pobre, quando tem arma não tem bala, quando tem bala encrava a arma!” Verdade que 72% dos homicídios são cometidos com armas de fogo. Por lá, ter arma é mesmo um factor de risco. Por cá, existem mais de 500 mil armas legais, a maioria de caça. Talvez sem querer, a portuguesa acertou: calcula-se que circulem entre 1 e 1,5 milhões de armas ilegais. Há armas demais, o negócio vai próspero, tal como no Brasil.

De mansinho, o bolsonaris­ta avança com mais conversa. “Sabe! Nós somos pela paz! A maioria do povo brasileiro é contra a violência!” Resposta pronta da portuguesa. “Os senhores podem ser pela paz! Mas o Bolsonaro não!” Nova recaída na conversa. Na TV, começa o jogo Portugal-suíça. Atento, o brasileiro escuta ‘A Portuguesa’. “É o vosso hino?!” Confirma-se. E na hora do refrão, o brasileiro encontra a sua justa vingança. “Como é mesmo?! ÀS ARMAS, ÀS ARMAS! E nós é que somos violentos!” É a vez de os portuguese­s amuarem.

No Brasil, ter uma arma é factor de risco… para os pobres

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