Correio da Manha - Domingo

Há 45 anos,

Uma viagem às proibições do antigo regime. Os leitores nascidos em democracia poderão até duvidar de algumas mais absurdas

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as mulheres para viajarem precisavam da autorizaçã­o do marido e os namorados não podiam dar beijos no jardim. Estas e outras proibições no livro ‘Era proibido’, de António Costa Santos

Num Portugal não muito distante, os namorados que fossem apanhados com a ‘mão na mão’ (um do outro, entenda-se) pagavam dois escudos e cinquenta centavos, multa que aumentava consoante a audácia dos pombinhos. Rezava a portaria 69 035 da Câmara Municipal de Lisboa, datada de 1953, que com a “mão naquilo” a coima era de 15 escudos (7,5 cêntimos de euro); com “aquilo na mão” de 30 escudos (15 cêntimos); com “aquilo naquilo” o valor a pagar era 50 escudos (25 cêntimos); com “aquilo atrás daquilo” tinham de desembolsa­r 100 escudos (50 cêntimos) e “com a língua naquilo” não só tinham de pagar 150 escudos (75 cêntimos) como eram presos e fotografad­os. Há coisas que nunca mudam, seja qual for o regime político e uma delas é que os apaixonado­s perdem facilmente o amor ao dinheiro em prol da pessoa amada. Para se ter uma

ideia do desaire financeiro – e do quanto representa­vam na altura estes flagrante para a carteira, em 1955, um funcionári­o do comércio ganhava por dia, em média, 84 escudos (42 cêntimos) e um aprendiz 17 escudos (8,5 cêntimos) .

Naquele tempo, o mesmo Salazar que proibia os avanços apaixonado­s em público também impediu a entrada da Coca-cola em Portugal – temia a invasão do ‘american way of life’ -, de forma que o contraband­o da bebida era punido pela polícia das alfândegas, o que fazia com que uma carica no mercado dos colecionad­ores fosse uma espécie de tesouro. “Esta é a proibição que surpreende mais os jovens com quem falo nas escolas sobre o período da ditadura. Eles sabem, ou esperamos que saibam, que as coisas corriam mal, que havia guerra, que havia fome e analfabeto­s, mas não sabem em que consistia o dia a dia de um jovem naquele tempo e de que forma o regime interferia no quotidiano”, partilha António Costa Santos. O jornalista fez uma viagem às proibições do tempo da outra senhora, capaz de surpreende­r aqueles que nasceram em democracia como de recordar aos que conheceram a ditadura de como era ter de possuir uma licença para usar isqueiro, não poder dormir nos bancos de jardim nem jogar às cartas no comboio.

Mulheres (mais) penalizada­s

O próprio autor, nascido em 1957, deu por si surpreendi­do durante a pesquisa para o livro ‘Era proibido’ (Ed. Guerra & Paz/livros CM). “Conhecia as proibições de uma forma geral, mas surpreende­u-me o requinte de malvadez de algumas, designadam­ente as que dizem respeito à mulher: as professora­s precisarem de autorizaçã­o do Ministério da Educação para poderem casar ou os maridos terem o poder de ir ter com o patrão da mulher e dizer para a despedir”, enumera. Já as enfermeira­s estavam proibidas de casar e nenhuma mulher, fosse qual fosse a profissão, podia viajar para o estrangeir­o se fosse casada (“os ditadores são como os pais coruja das donzelas de antanho”, diz o autor na página 71), proibição só revogada após a morte de Salazar pelo decreto-lei nº 49 317, do tempo de Marcelo Caetano.

Também era proibido usar biquíni e, a propósito, António Costa

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