Correio da Manha - Domingo

Jorge de Sena,

Sexo em ‘Sinais de Fogo’ deixa sem fôlego personagen­s e leitores

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cujo centenário se comemora este ano, juntou à poesia, ao teatro e aos ensaios um dos melhores romances da literatura portuguesa: ‘Sinais de Fogo’, com uma carga erótica escaldante

Seduz a criada, vai a bordéis, é masturbado por uma mulher num elétrico

Jorge Cândido Alves Rodrigues Telles Grilo Raposo de Abreu de Sena (1919-1978),

cujo centenário se comemora este ano, foi um dos mais importante­s escritores portuguese­s do século passado: poeta, romancista, contista, ensaísta, dramaturgo, crítico literário e, durante o exílio por razões políticas, professor de literatura em universida­des brasileira­s e norte-americanas.

Nasceu numa família da classe alta e formou-se em Engenharia Civil, mas já com a cabeça nas letras: em 1942 publicou o seu primeiro livro de poesia, ‘Perseguiçã­o’. Casado com Mécia (hoje com 99 anos), leva uma vida dupla: de dia é engenheiro na Junta Autónoma de Estradas, à noite é tradutor e revisor. Implicado no golpe da Sé, em 1959, exilou-se no Brasil. Com a chegada da ditadura, procurou a liberdade nos EUA. Voltou a Portugal a seguir ao 25 de abril, mas a intriga política e a mesquinhez do meio universitá­rio desgostara­m-no e regressou à Califórnia, onde era professor catedrátic­o.

Ali morreu, em 1978. Umano depois foi publicado um romance póstumo, considerad­o um dos melhores da literatura portuguesa. ‘Sinais de Fogo’ é umlivro autobiográ­fico sobre um estudante de boas famílias: seduz a criada, frequenta bordéis, leva a namorada para quartos alugados, é masturbado por uma mulher num elétrico. Emfundo, a Guerra Civil de Espanha e a oposição a Salazar. Tudo num português escorreito, sem brejeirice­s nas cenas de sexo escaldante que deixam sem fôlego as personagen­s e os leitores.

Do livro ‘Sinais de Fogo’, Edições 70

“(...) Subi para o meu quarto. A ‘Maria’ estava a arrumá-lo. Com a vassoura encostada à porta aberta e o pano do pó pousado na mesa, fazia-me a cama. (…) Fiquei ao pé da mesa, a vê-la cirandar em redor da cama. Quando se abaixava voltada para mim, os seios pendiam-lhe redondos. De costas para mim, o vestido esticava-se-lhe nas nádegas. Encostei-me a ela. Não se desviou, enquanto entalava a roupa da cama. Depois, saiu do encosto, e foi entalar a roupa do outro lado. Daí, olhou para mim. Dei a volta e, como quem não quer a coisa, empurrei a porta. (…) Ela continuou abaixada, entalando a roupa, e eu tornei a encostar-me. Não se afastou, nem se endireitou. Dobrei-me por cima dela e agarrei-lhe os seios. Ficou imóvel. Empurrei-a para cima da cama, e ela, em silêncio, lutou comigo por honra da firma. Mas não me deixou penetrá-la. E, depois, pegou em roupa suja minha, que estava no chão, e limpou-se (…).

- Logo à noite?

- Não que o senhor desgraça-me.

- Não te desgraço, prometo.

– Promete que é só brincadeir­a?

– Prometo.

(…) Apertando a Mercedes contra mim, novamente nos espojando nus sobre a cama, o nosso amor tinha todavia um ar de brincadeir­a gratuita, (…) como a de crianças rebolando na areia da praia. (…) O nosso próprio cheiro de todas as secreções que as mãos e a boca e o nariz tocavam, cheiro que lambíamos esquecidos a todas as repugnânci­as. (…) Uma friagem se apoderara de mim, e puxei o lençol para cobrir a Mercedes. (…) Ela voltou-se melhor de costas, suspirou. E eu, regressand­o à cama, descobri-a, contemplei-lhe o corpo e as suas pernas que se afastavam em sonhos, e deitei-me sobre ela, suspenso nos pés e nas mãos, sem tocá-la com mais que o sexo. Ela agitou-se, gemeu, torceu-se, e abriu uns olhos espavorido­s e apaixonado­s. Quando eu a penetrava, disse: - Sonhei que me tinhas violado. Depois, e tudo foi muito rápido, levantou-se, e sentou-se no balde, a urinar rindo para mim. Sentou-se na cama, espreguiça­ndo-se, e depois deixou-se cair atravessad­a sobre o meu corpo.

(…) Atravessei para apanhar um elétrico no Corpo Santo (...) Um enorme lombo gordo e perfumado se encostava a mim, de uma senhora loura cujo rosto eu não via. As nádegas dela, a cada sacão do carro, roçavam-se com pesquisado­ra força. Depois, foi a mão que veio ficar entalada contra as minhas calças. (...) ia fazendo movimentos de impercetív­el contração contra o meu sexo que, gradualmen­te, o asno, lhe correspond­ia. Dois dedos enfiaram-se na braguilha, desabotoar­am-na o suficiente para entrar, e procuraram passar as cuecas. Como o não conseguira­m no aperto, voltaram atrás para desabotoar mais um par de botões (...), entraram a agarrar-se ao sexo que suavemente apreciaram no contorno da cabeça e na macieza da haste. E começaram um movimento rítmico. Não me faltava mais nada... Com esforço, levei a mão ao bolso, e (...) impedi o movimento. Os dedos lutaram com os meus através do bolso, e, porque não venciam, a senhora agitou-se violentame­nte, e começou a gemer ofendida, a chamar a atenção:

- Seu atrevido... seu patife...”

Quando eu a penetrava, disse: ‘Sonhei que me tinhas violado’

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