Correio da Manha - Domingo

COR DO BURRO QUANDO FOGE...

- VICTOR BANDARRA JORNALISTA

É umangolano louro, de olhos azuis. Há pelo menos três gerações que a sua família é angolana. Desembarca no aeroporto de Maceió, estado brasileiro de Alagoas. É convidado do Movimento Negro Brasileiro, para falar sobre negritude e línguas africanas num colóquio na universida­de local. À sua espera está uma mulher grande, sorridente, com um tom de pele que brasileiro­s e portuguese­s designam habitualme­nte como “mulata”. No Brasil, é uma mistura cromática (entre brancos, negros e índios) a que chamam também de “pardo/a”. A mulher ergue um cartaz com o nome do angolano. Quando o homem se identifica, o sorriso descai-lhe. “É mesmoangol­ano?” O angolano sorri. “Ea menina?émesmobras­ileira?!”

A questão racista começa quase sempre pela cor da pele. Ou seja, é pelo contacto visual que muitos extravasam o seu preconceit­o racial. Segue-se a audição, quando alguém fala com sotaque brasileiro, ou angolano, ou simplesmen­te “à preto”. Há até o preconceit­o olfactivo. Está provado que o odor do suor varia de povo para povo. Daí o preconceit­o muito português do “cheira a catinga”. E quando se chega a uma discussão com pés e cabeça, já séculos de preconceit­os seguem entranhado­s na conversa. Em Portugal, discute-se agora se no Censos deve ser incluída a pergunta (resposta facultativ­a) sobre as origens raciais de cada um - africano? asiático? cigano? À primeira vista, é uma pergunta com contornos racistas. A informação contida na resposta pode tornar-se perigosa, se mal utilizada. É um risco. Mas há a vantagem de fornecer informação criteriosa sobre quem somos e de onde vimos. Para desenvolve­r políticas públicas ou privadas de ajuda aos mais desfavorec­idos é desejável conhecer a base étnico-racial das pessoas. Até porque os mais desfavorec­idos são mesmo os que têm sangue e cultura africanas, asiáticas ou cigana. No Brasil, o próprio Movimento Negro exigiu, há anos, que fosse feita essa pergunta no Censos nacional. Numa sondagem recente, 44,2 % dos brasileiro­s autodeclar­am-se “brancos”, enquanto os “pardos” são a maioria: 46,7%. Só 8,2% se assumem como “negros”. Na verdade, o conceito de “negro” baralha-se muito na cabeça das pessoas e dos povos. Por cá, esquecem-se as origens portuguesa­s/europeias de muitos afro-descendent­es. Se tem pinga de sangue africano é… “preto”. No colóquio, o estudioso angolano salientou que, para milhões de africanos negros, a maioria dos ali presentes do Movimento Negro seriam considerad­os “maisbranco­squepretos”. Escândalo. Segue-se acesa discussão.

No Censos brasileiro, perguntou-se qual a cor que cada um acha que tem. As respostas são de um requintado humor. Fica a saberse que os brasileiro­s se auto-definem com mais de 180 cores de pele, do amarelo torrado ao cinzento escuro. Consta que um brincalhão conseguiu até descrever a sua pele com um tom originário de Portugal: “Cordo burroquand­ofoge”. ANTIGA ORTOGRAFIA

Africano? Asiático? Cigano? À primeira vista, é uma pergunta com contornos racistas

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