COR DO BURRO QUANDO FOGE...
É umangolano louro, de olhos azuis. Há pelo menos três gerações que a sua família é angolana. Desembarca no aeroporto de Maceió, estado brasileiro de Alagoas. É convidado do Movimento Negro Brasileiro, para falar sobre negritude e línguas africanas num colóquio na universidade local. À sua espera está uma mulher grande, sorridente, com um tom de pele que brasileiros e portugueses designam habitualmente como “mulata”. No Brasil, é uma mistura cromática (entre brancos, negros e índios) a que chamam também de “pardo/a”. A mulher ergue um cartaz com o nome do angolano. Quando o homem se identifica, o sorriso descai-lhe. “É mesmoangolano?” O angolano sorri. “Ea menina?émesmobrasileira?!”
A questão racista começa quase sempre pela cor da pele. Ou seja, é pelo contacto visual que muitos extravasam o seu preconceito racial. Segue-se a audição, quando alguém fala com sotaque brasileiro, ou angolano, ou simplesmente “à preto”. Há até o preconceito olfactivo. Está provado que o odor do suor varia de povo para povo. Daí o preconceito muito português do “cheira a catinga”. E quando se chega a uma discussão com pés e cabeça, já séculos de preconceitos seguem entranhados na conversa. Em Portugal, discute-se agora se no Censos deve ser incluída a pergunta (resposta facultativa) sobre as origens raciais de cada um - africano? asiático? cigano? À primeira vista, é uma pergunta com contornos racistas. A informação contida na resposta pode tornar-se perigosa, se mal utilizada. É um risco. Mas há a vantagem de fornecer informação criteriosa sobre quem somos e de onde vimos. Para desenvolver políticas públicas ou privadas de ajuda aos mais desfavorecidos é desejável conhecer a base étnico-racial das pessoas. Até porque os mais desfavorecidos são mesmo os que têm sangue e cultura africanas, asiáticas ou cigana. No Brasil, o próprio Movimento Negro exigiu, há anos, que fosse feita essa pergunta no Censos nacional. Numa sondagem recente, 44,2 % dos brasileiros autodeclaram-se “brancos”, enquanto os “pardos” são a maioria: 46,7%. Só 8,2% se assumem como “negros”. Na verdade, o conceito de “negro” baralha-se muito na cabeça das pessoas e dos povos. Por cá, esquecem-se as origens portuguesas/europeias de muitos afro-descendentes. Se tem pinga de sangue africano é… “preto”. No colóquio, o estudioso angolano salientou que, para milhões de africanos negros, a maioria dos ali presentes do Movimento Negro seriam considerados “maisbrancosquepretos”. Escândalo. Segue-se acesa discussão.
No Censos brasileiro, perguntou-se qual a cor que cada um acha que tem. As respostas são de um requintado humor. Fica a saberse que os brasileiros se auto-definem com mais de 180 cores de pele, do amarelo torrado ao cinzento escuro. Consta que um brincalhão conseguiu até descrever a sua pele com um tom originário de Portugal: “Cordo burroquandofoge”. ANTIGA ORTOGRAFIA
Africano? Asiático? Cigano? À primeira vista, é uma pergunta com contornos racistas