MEIO SÉCULO DE CANÇÕES E UMA VIDA CHEIA DE EMOÇÕES
Com 75 anos de idade e 50 de carreira, Julio Iglesias continua a cantar. Atua este sábado em Portugal, um dos países favoritos do ‘rei da canção romântica’: aqui vende discos “como água”, tem grandes amigos e viveu momentos inesquecíveis
Aos 75 anos de idade, com 50 de carreira, Julio Iglesias volta a Lisboa, no próximo dia 29, para atuar no Altice Arena. A plateia promete estar cheia de amigos e fãs de longa data: “pessoas que são como família para ele”, garante o seu agente, o português Alexandre Basto.
Foram os caprichos de um furacão que levaram Felipa Garnel a ter em Julio um amigo. Aconteceu em 1995, quando foi entrevistá-lo para o primeiro número da revista ‘Caras’, de que foi diretora. Ficou combinado fazer a entrevista em Miami, onde o cantor residia. “Só que, para mal dos meus pecados, no dia da entrevista, Miami foi varrida por um terrível furacão. As autoridades nem sequer deixavam ninguém sair dos hotéis. Eu estava desesperada por não poder fazer a entrevista”, conta Felipa Garnel.
Julio não a deixou ficar mal. “Convidou-me a seguir viagem com ele no seu próprio avião, para Lake Tahoe, onde ia tocar nos dias que se se
guiriam. Ainda acabámos por tirar u ma s e x c e l e n t e s f o t o s j u n t o ao Lago… e ele odeia ser fotografado no exterior”.
Nesses dias, Felipa ganhou não só uma capa única, como um amigo para a vida. “Estou com ele e com a família sempre que vem a Portugal. Também já lhe apresentei a minha família. É uma pessoa extremamente acessível, muito calorosa”, recorda.
Mas também muito “exigente e de um profissionalismo muito rigoroso”, lembra, por seu turno, Joaquim Fonseca, ex-responsável da Sony Music e que também durante décadas trabalhou com Julio Iglesias. “Ele adora-nos e adora Portugal. Chegava a dizer que a Sony aqui sabia vender os discos dele “como água”. Sempre preferiu trabalhar com pessoas que conhecia há muito tempo.” O jornalista José Manuel Simões também conhecia esta faceta. Foi ele o autor da biografia não autorizada do cantor, lançada em 1997 pe
las Publicações Europa-américa: “Conheci-o em Sevilha, naquela que foi a minha primeira saída do Porto para entrevistar um artista no estrangeiro. Estávamos em 1995, ele lançava o seu 70º disco, intitulado ‘La Carretera’, e eu era pouco mais do que um adolescente fascinado pelo mundo da música. A festa fezme lembrar as mil e uma noites, árabes e sábias, tão faustosa quanto plena de charme. Reencontrei-o mais tarde em Madrid, numa tarde em que Portugal virou o jogo com a Inglaterra de 0-2 para 3-2, com dois inesquecíveis golos de Figo e Rui Costa. Afável, lembrou-se de mim, cumprimentou-me com elegância, apresentou-me o pai, um médico galego, e a namorada, uma bela africana com uns 40 anos a menos, que ficou ao meu lado durante o jantar de gala”, lembra. Anos depois, em Miami, reconheceu o jornalista português a quem chamou “um bom provocador” e fez-lhe algumas confidências: “Disse-me que se considerava uma lenda com muitos mistérios, que só lhe faltava cantar com o Papa, que vai sobreviver à sua própria morte, que é um coração eternamente apaixonado, que todos os seus discos têm magia.”
A partir daí, todos os natais, Iglesias enviava-lhe um postal escrito à mão, junto a uma foto dos seus filhos mais novos, fruto da relação com a bela holandesa Miranda.
A polémica do “filho português”
“Depois de mais dois encontros - e de ter percebido que ele ainda arrastava os pés devido a um acidente com um Dauphine vermelho descapotável quando decidiu cortar caminho por uma estrada de rali quando vinha de uma tourada galega para Madrid com uns amigos e capotou, tendo mesmo sido obrigado a abandonar a carreira de promissor guarda-redes dos juniores do Real Madrid para se dedicar à música que descobriu em pleno hospital -, decidi escrever a sua biografia”, conta José Manuel Simões. Julio leu mas não autorizou. “Não sei se por o ter fotografado do lado direito ou por lá falar de duas mulheres portuguesas que diziam ter filhos seus, nunca mais me enviou um postal de natal com fotos dos filhos. Na última vez que nos encontrámos, no Porto, em 2000, olhou-me com cara de poucos amigos”, recorda o escritor. Livros à parte, dura ainda a batalha pelo reconhecimento da paternidade de Javier Sánchez, filho da portuguesa Maria Edite Santos, que alega ter engravidado do cantor há 41 anos.
No mesmo palco
O ex-guarda-redes Neno cresceu a ouvir Julio Iglesias. “O Julio era Deus na terra para mim. Não havia ninguém que eu admirasse tanto como ele. E eu sempre gostei de imitar o Roberto Carlos, o Michael Jackson e o Julio porque são canções que falam de amor. Mas também era algo inalcançável”, recorda Neno. Sabendo disso, Tozé Brito, na altura um dos responsáveis da Polygram, desafiou Neno para cantar músicas de Iglesias numa festa do Benfica, no final da década de 1980.
O acontecimento chegou aos ouvidos do cantor espanhol, que pediu que convidassem Neno para o seu espetáculo no Estádio do Bessa, em 1991, pois gostava de o conhecer. Não muito tempo depois, quando Neno estava de férias no Brasil, recebeu um telefonema do representante do cantor: “O Julio vai dar aqui um concerto e gostava de te ver!” Neno largou as férias e voou para Portugal. No aeroporto, olhou para as capas dos jornais. Numa delas, um título arregalou-lhe a vista: ‘Quero cantar com Neno!” Era uma frase de uma entrevista a Julio Iglesias. Neno não cabia em si de emoção e ligou ao agente do músico:
Disse-me que só lhe faltava cantar com o Papa JOSÉ M. SIMÕES, BIÓGRAFO
“Mas o homem está maluco?”, perguntou-lhe.
Não estava. No dia seguinte, Neno chegava à Maia, para assistir ao ensaio da tarde. “Eu já estava deslumbrado só por estar ali, mas, ainda por cima, ele chamou-me para o palco. ‘Hoje quero cantar contigo. Que música queres cantar?’, perguntou-me. Eu disse-lhe: ‘Qualquer uma, eu canto qualquer uma!’. Ele surpreendido, diz-me: ‘Tu gostas de mim a sério!’ E eu respondi: ‘Eu sou completamente fanático por ti!’”
Foi assim que Neno ensaiou (uma única vez) e, horas depois, cantou ‘La Paloma’ com o seu ídolo perante 32 mil pessoas. “Eu ia morrendo de emoção”, diz Neno.
Ainda hoje guarda o fato e os sapatos que Julio lhe ofereceu nos bastidores. E fez questão de partilhar a sua alegria comos outros: “São uns sapatos muito macios e eu mandei depois fazer uns 400 pares iguais, do 38 ao 43, que oferecia aos meus amigos quando eles faziam anos.” E que serve de pretexto para contar a história que ainda hoje o deixa embargado de emoção. A paixão de Julio pelo fado levou-o, em 2013, a convidar Cuca Roseta para consigo cantar ‘Besame Mucho’. “Falou-me da sua paixão por Amália. Ele é um ‘gentleman’, muito simpático e caloroso”, recordou à ‘Domingo’ a fadista.
Episódios que não causam admiração ao agente Alexandre Basto: “Nunca fumou, nunca se viu bêbado e tem sempre uma palavra de carinho para todos. Aos 75 anos, ainda fica duas a três horas a dar autógrafos e a conversar com os fãs de p o is do s c o nc e rto s . Chega a convidá-los para conhecerem a sua família. Alguns fãs já foram a sua casa. E se chegar ao hotel, já de madrugada e cansado, e lá estiver uma velhinha de 80 anos à espera para lhe dar um beijinho, ele vai abraçá-la e tirar uma foto com ela. Para ele, os fãs são família. Há poucos artistas assim.”
E com um palmarés difícil de igualar: 300 milhões de discos vendidos, 2600 discos de ouro e de platina e mais de 60 milhões de espectadores nos cinco continentes, ao longo dos últimos 50 anos. Não é, de facto, para todos.
Os fãs são como família. Chega a convidá-los para sua casa ALEXANDRE BASTO, AGENTE