Correio da Manha - Domingo

300 ANOS A BATER AS ASAS

Os Concertos de Brandenbur­go, de J. S. Bach, são um milagre do barroco europeu. A música paira sobre todos nós

- POR FRANCISCO JOSÉ VIEGAS

Passaram há pouco os 300 anos sobre a data em que Johann Sebastian Bach enviava ao marquês de Brandembur­go-schwedt o manuscrito do que na altura intitulou ‘Seis Concertos com Vários Instrument­os’ (no original Bach escolheu o francês, a língua do barroco, e ficou no frontispíc­io ‘Six Concerts Avec Plusieurs Instrument­s’, catalogado como BWV 1046–1051). Foi a 24 de março de 1721, um ano de milagres. Dois anos antes, em 1719, os dois homens ter-se-iam cruzado em Berlim. O que as coisas são: Bach foi enviado a Berlim pelo príncipe Leopoldo, de Anhalt-köthen (a finalidade era comprar um cravo para a orquestra de Köthen), que era o seu empregador – e padrinho do filho de Bach, Leopold Augustus, que morreria também nesse ano, 1719. O marquês (que era tio do Rei da Prússia) não era propriamen­te um melómano, mas ficou impression­ado com o “virtuosism­o” de Bach – e este, farto de mudanças de emprego e de patrões com tendências religiosas muito flutuantes, queria um cargo compatível e que o libertasse de apertos financeiro­s. Ou seja, Bach estaria a ficar sem mecenas e quis, com isto, dois anos depois, garantir um protetor.

Nada feito: o marquês não foi suficiente­mente generoso. E, no fim de 1721, nove meses depois de lhe ter oferecido o manuscrito dos seus concertos, Bach, viúvo, casa com a jovem Anna Madalena e passou a cobiçar um lugar em Leipzig, para onde se mudaria definitiva­mente em 1723, onde se fixou até ao fim da vida, 1750. Bach compunha muito, trabalhava muito, ensinava muito, escrevia muito – esquecia muito. E nunca mais tentou recuperar os seus ‘Concertos com Vários Instrument­os’, que foram esquecidos na biblioteca do marquês de Brandembur­go-schwedt até à morte deste, em 1734, sem descendênc­ia, aos 57 anos. Nessa altura, as partituras foram então vendidas por uma quantia que ronda, em dinheiro de hoje, cerca de 25 euros – e só seriam descoberta­s cerca de um século mais tarde. A sua publicação ocorreu em 1850, ou seja, cem anos depois da morte de Bach. Salvos do esquecimen­to por um acaso, os Concertos, que ficaram conhecidos como “de Brandenbur­go” são uma das grandes peças da história da música – e não os conhecer é um pecado capital; não têm ligação aparente entre eles senão o génio assombroso de Bach. Neles, a música paira, flutuando, como uma ave a bater as asas sobre todos nós.

“Os Concertos foram salvos do esquecimen­to por um acaso

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As partituras foram vendidas porumaquan­tiaque, em dinheiro de hoje, rondaria 25 euros e só seriam descoberta­s cerca de um século mais tarde
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