VERÃO SEM MOLEDO DÁ AZAR
Com a vacina meio tomada, e aguardando que reabram ases planadas da praça de caminha, dedico-me por vezes a assuntos da Pátria. A minha sobrinha Maria Luísa, a eleitora esquerdista da família, acha que eu sou ligeiramente arrevesado neste ponto e que, para mim, o país não tem solução. Ora, tal como a vacina, é apenas meia verdade.
Partindo do princípio de que atravessei dois séculos, pelo menos, e de que conservo uma boa biblioteca sobre a primeira metade do XIX, acontece-me frequentemente dar com espectros na televisão – depois do susto inicial, Dona Elaine, a governanta deste eremitério de Moledo, esclarece-me que se trata do senhor doutor tal e do senhor engenheiro fulano, duas eminências que oiço falar na televisão há cerca de quarenta anos (não os envergonho mencionando “meio século”), sempre com soluções definitivas sobre o futuro do país. Não fosse a minha surdez (bem como a capacidade de esquecer coisas do dia anterior, e assim sucessivamente) e estaria convencido de que o mundo se repete com inacreditável sensaboria. Os meus irmãos rapazes, talvez por serem ambos economistas, também congeminam soluções para o mesmo problema e, por vezes, à mesa do almoço de domingo repetem o que já repetiam há vinte anos – a única diferença é que não regressam ao Porto antes do final da tarde com o argumento de que têm de chegar a tempo dos comentários do Professor Marcelo, que agora não têm hora certa.
Acontece que a sorte do país já não me inquieta. Suponho que isso se deve ao hábito de há muito o ver assaltado por pantomineiros – e de ele sobreviver, muito satisfeito com a companhia, elegendo uns e reelegendo outros, acreditando que os pantomineiros fazem a vida mais cordata e apetecível pelo simples facto de serem iguais ao próprio país, imitando-lhe os defeitos com larga vantagem.
Seja como for, no final da semana passada houve o tradicional almoço de Páscoa. Fez frio durante a tarde depois de um meio-dia tímido. Fez sol mansamente. Anoiteceu com a última lareira ainda acesa. Não há aqui romantismo: o retrato, se o leitor reconhece o Alto Minho e as ventanias que acometem o areal de Moledo, é este. Foi nestas condições que a minha sobrinha Maria Luísa anunciou que faria férias em meados de Julho, instalando-se em Moledo a tempo de aproveitar a “estação balnear” e a barraca que religiosamente se aluga durante a época. “Este ano nem sabemos se há Verão e se há Moledo”, avisou-a Dona Elaine.
“Verão sem Moledo dá azar”, respondeu ela. Acendeu-se no meu rosto, ao que me disseram, uma luz que se assemelha ao raio que deve ter acometido São Paulo na estrada de Damasco, que é a nossa derradeira esperança.
ANTIGA ORTOGRAFIA
Seja como for, no final da semana passada houve o tradicional almoço de Páscoa