Cortiça comprada para a formação que acabava desviada
para o circuito normal da fábrica e formandos que mais não eram do que trabalhadores. A segunda parte da fraude da corticeira Amorim
A formação profissional terá rendido cerca de 998 mil euros
o `Diário de Lisboa', foi a João Ramos de Almeida que foi atribuída a averiguação da carta anónima que denunciava fraudes do grupo Amorim com verbas do Fundo Social Europeu (FSE). E, ao quarto contacto, descobriu alguém disposto a conversar –mas nunca por telefone. Combinaram, então, um encontro. Depois, o iniciante (era estagiário) foi com um repórter experiente, José António Cerejo, para Santa Maria da Feira, onde se situavam as unidades da corticeira. Falando com pessoas que “desempenharam cargos de grande responsabilidade no seio do grupo, mas que, nesta fase, desejam manter-se no anonimato”, confirmariam as “enormes quantidades” de “cortiça de boa qualidade” pagas pelo FSE “para utilização na aprendizagem”, mas “consumidas na laboração normal”, o mesmo sucedendo com máquinas compradas para oficinas que nada tinham a ver com o centro de formação profissional–o Forcock.
“Formação profissional terá rendido cerca de 200 mil contos [997 596 euros] ao Forcork” era o título da reportagem publicada a 19 de agosto de 1988. Ali se explicava que uma das vias “consistia simplesmente na ‘recuperação’ de grande parte das verbas canalizadas para o Forcork com vista ao pagamento de subsídios (...) aos formandos e, nalguns casos, dos honorários devidos aos formadores”. Ora, “como a maior parte deles se mantinham quase todo o tempo ao serviço das empresas do grupo, e se limitavam a receber os salários a que tinham direito pelo trabalho que continuavam a prestar, as verbas do fundo acabavam por servir para pagar uma boa fatia” dos vencimentos.
Na “opinião unânime” de ex-formandos (todos “operários permanentes das empresas”), o centro “era ‘para inglês ver’”. E sublinhavam “as ‘faltas [constantes]’ dos formadores, os quais, à exceção dos que ensinavam as matérias teóricas [aulas de
Português ou de Matemática, em que grande parte ‘não percebia nada’, admitiria um dos entrevistados ], eram encarregados das fábricas do grupo”. A atividade de uma operária, cujo curso durou 15 dias, após as lições da manhã, era o “seu trabalho normal”. Entre os que frequentaram o Forcork, “quase todos gostavam de ‘ir à escola’”, escrevia o‘ D L ’.‘ Quebrava a rotina (...)’, disse-nos um deles. ‘(...) Quando lá estávamos líamos o jornal, fazíamos uns joguinhos e passávamos umas horas assim’, acrescentou outro”. Entretanto, começavam a ser noticiadas outras firmas e instituições que desenvolviam idênticos expedientes.