MOMENTOS DE GRANDEZA
Nos testemunhos dos refugiados, Portugal era um paraíso perdido nos confins do continente europeu
Lisboa era o avesso das cidades ocupadas pela suástica
Em 1933, quando Adolf Hitler chegouaopoder,oessencialdasuapolítica já tinha sido plasmado no `Meinkampf'. Entre as ideias lá contidas estava a necessidade de purificar a raça ariana pela supressão de raças inferiores, como a judaica. Hitler não faltou à sua palavra: com as Leis de Nuremberga (em 1935) e, sobretudo, com a Noite de Cristal (em 1938) começou a destruição metódica dos judeus da Alemanha – e, a partir de 1939, da Europa.
É esse o ponto de partida deste notável documentário de Nicholas Oulman sobre os sobreviventes dessa tirania macabra que, na fuga da Alemanha, acabaram por chegar a Lisboa. É uma obra que combina, com rara sensibilidade, imagens de época e testemunhos dos refugiados.
Através deles conhecemos a vida dos judeus na Alemanha nazi e o apagamento social de que foram vítimas nos primeiros anos do Terceiro Reich. São as escolas que se fecham, os bancos de jardim que não podem ser ocupados, a violência anti-semita de vizinhos que, anos antes, eram cordiais e pacíficos. Depois, continuamos com as tentativas desesperadas de fuga – por avião, comboio, bicicleta e até a pé, pelos Pirenéus gelados, em busca da salvação em França. Quando essa salvação se revelou ilusória, graças ao colaboracionismo de Vichy, Lisboa passou a ser o destino. Nos testemunhos dos refugiados, Portugal era esse paraíso perdido nos confins do continente, que contrastavabrutalmentecomumaespanha devastada pela Guerra Civil. E Lisboa era o avesso das cidades ocupadas pela suástica nazi – um interlúdio de normalidade, apesar da ditadura. Escutar os testemunhos é revisitar um tempo em que a civilização “voltou ao estábulo” para se espojar “no seu politeísmo pagão, orgânico e permissivo”, como escreveu George Steiner. Mas é também um tempo em que um pequeno País devolveu a esperança a milhares de seres humanos que aqui chegavam amedrontados e famintos.
Agora que a Pátria anda novamente em crises de identidade com os seus dramas judiciais e políticos, ver o documentário de Nicholas Oulman é lembrar um povo que, por mais desesperante que seja, também tem os seus momentos de grandeza.
ANTIGA ORTOGRAFIA