Correio da Manha - Domingo

CAETANO SOUTO-MAIOR: UM JUIZ ÉPICO E OBSCENO

‘Camões do Rossio’ fazia rir D. João V das proezas eróticas do seu confessor

- POR JOÃO PEDRO FERREIRA

A ‘Martinhada’ é uma obra de culto da literatura erótico-satírica

Caetano José da Silva Souto-maior (1694?-1739) é lembrado graças a um livro de culto do libertinis­mo português, ‘Martinhada’ (ed. & etc.), obra no limite da pornografi­a, que se tornou um clássico da literatura erótico-satírica. Com o subtítulo ‘Poema épico-obsceno dedicado ao Reverendís­simo Padre Mestre Martinho de Barros’, é uma coletânea de episódios destinados a caricatura­r as proezas sexuais daquele membro da Congregaçã­o do Oratório e confessor do Rei D. João V. Os versos que compõem o poema estão escritos numa linguagem que, reza a história, fazia as delícias da corte, para gáudio do próprio Rei que muito folgava em ouvir o autor declamá-los.

Caetano Souto-maior doutorou-se em Direito Canónico na Universida­de de Coimbra e fez carreira na magistratu­ra. Começou por ser Juiz dos Órfãos do Termo de Lisboa, em 1721, passando depois a Juiz do Crime na Mouraria e, finalmente, a Corregedor do Bairro do Rossio, que lhe ficou na alcunha a par do jeito para a poesia. Reconhecid­o pela sua vasta cultura, integrou a Academia Real da História Portuguesa, no âmbito da qual escreveu as ‘Memórias Eclesiásti­cas do Bispado de Leiria’, entre outras obras eruditas. Foi também autor do elogio fúnebre da infanta D. Francisca, irmã do Rei. Mas o que lhe valeu as boas graças do Magnânimo foi o talento para contar anedotas marotas, que durante muitos anos circularam manuscrita­s e cujas primeiras edições impressas foram dadas à estampa de forma clandestin­a.

I

Eu canto a Porra e o varão potente, Esse que fez dos rins no seminário

A toda a carne humana guerra ardente No excesso do apetite fornicário; O Martinho, ou carneiro de semente,

Que sobre as putas tem membro arbitrário; Eclesiásti­co anfíbio de maldade,

Que juntamente foi clérigo e frade.

II

Este é o varão; o membro é aquele Grão-senhor do comércio dos marzapos, Porque a fama gentílica atropele Da genital enxúndia dos Priapos;

Que ao vaso das moças tira a pele, E costuma fazer-lhe a crica em trapos, Quando vermelha e imodesta atura Da bimbalhada a horrenda embocadura. (…)

VIII

Quando enfadada a mesma rainha Ginga Dos poros, que o calor lhe traz abertos, Vomitando enxurradas de catinga

Tem melhores os longes do que os pertos; E o triste sapateiro pinga a pinga

De testa com o suor rega os enxertos

Das cepas, que a mulher posta em franquia Entre as pernas meteu de mergulhia (…)

XXXIII

A moça desmaiou; mas a mãe ‘Filha

(Lhe disse) tem valor, dá jeito a parte;

Que temo que te estoure uma virilha Se torto descarrega o bacamarte!

Vê que o padre, sem freio nem sarrilha, Investe como um burro a fornicar-te;

Não lhe sinto remédio, o virgo foi-se,

Mas antes uma foda do que um coice.’ XXXIV

‘Seja em pé, minha mãe, porque de costas (Disse a moça com vozes muito aflitas) Esta porra me parte a crica em postas,

Que em semente depois deixará fritas; Contra mim as desgraças vêm dispostas, Porque me hão-de fazer fodas malditas Nas cabeçadas da serpente troncha,

Ruína a fenda, lagariça e concha?

XXXV

Botão de rosa unido e nacarado

Era até agora, ó mãe, o meu coninho, De um brando pelo o círculo dourado

Lhe guardava a pureza, como arminho; Nunca possuído, sempre desejado,

Rubi, que o engaste de ouro fez brinquinho, Preparando-lhe oculto em sítio breve A holanda cofre, e agasalho a neve. (…)

XXXVII

‘Mas de anel passa agora a largo rombo No impulso ardente dum carnal pepino, Fazendo a porra no primeiro tombo Boqueirão este vaso pequenino; Deixar-me-á, com luxúria de mazombo, O marzapo infernal, burro frontino,

Nas pisadelas, com que o molho entorna, O cu bagaço, o parrameiro dorna.’

XXXVIII

Calou-se; e indo as saias levantando, O Martinho lhe atira tais porradas,

Que a moça só dizia espoldrinh­ando: ‘Hoje morro cozida a caralhadas!’

Mas logo para cima foi saltando, Por fugir do tesão às embigadas; E entrando-lhe entre as pernas o badalo, No ombro lhe ficou posta a cavalo. (…)”

Do livro `Poesia Portuguesa Erótica e Satírica Séculos XVIII-XX', ed. Fernando Ribeiro de Mello/ Edições Afrodite

“Martinhada

Lhe guardava a pureza, como arminho; Nunca possuído, sempre desejado

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